Cobertura

Pernambuco em Annecy

Com direção de Nara Normance, o curta 'Guaxuma' estreou na cidade francesa como o primeiro filme do estado a participar do maior festival de cinema animação do mundo

TEXTO JÚLIO CAVANI, DE ANNECY*

13 de Junho de 2018

Ao filmar na praia com princípios de stop motion, Nara incorpora a imprevisibilidade do comportamento do mar e do céu

Ao filmar na praia com princípios de stop motion, Nara incorpora a imprevisibilidade do comportamento do mar e do céu

Imagem Divulgação

Uma história de amor e amizade entre duas meninas que cresceram juntas em uma praia é a essência de Guaxuma, primeiro filme pernambucano a participar do maior festival de cinema animação do mundo, realizado na cidade de Annecy, no leste da França. O curta-metragem da diretora Nara Normande foi apresentado em première mundial na última segunda (11/6), primeiro dia da mostra competitiva que vai até sábado (16/6).

Autobiográfico, Guaxuma combina memórias e imaginação ao transmitir a cumplicidade sempre existente entre Nara e a amiga Tayra, que viviam em uma espécie de comunidade hippie à beira-mar. A natureza é um elemento fundamental no filme, tanto pela valorização da paisagem litorânea quanto pela escolha da areia como um dos principais materiais utilizados na combinação de técnicas adotadas pela cineasta.

Ao filmar na praia com princípios de stop motion, Nara incorpora, como recurso poético, a sublime imprevisibilidade do comportamento do mar e do céu, principalmente em uma cena que capta o nascer da lua no horizonte em meio ao movimento das nuvens. O curta foi produzido em diversos locais (especialmente Recife, Paris e litoral de Alagoas), mas quase tudo parece fazer parte daquele específico universo praieiro. A técnica, portanto, está fortemente associada à poética. Para Nara, “Guaxuma tinha que ser bem artesanal para que o público sentisse que aquela é uma história muito pessoal. É difícil filmar stop motion na natureza, só que a presença do mar é muito importante e a ideia era fazer um filme orgânico”.

A animação é uma coprodução entre Brasil e França. Nara já havia filmado algumas cenas, com patrocínio do Funcultura (Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura) quando o projeto foi adotado pela produtora francesa Les Valseurs, que o aprovou em mais oito fundos europeus (inclusive com apoio do canal Arté). A Vilarejo Filmes é a empresa produtora em Pernambuco.

“Eu precisava terminar bem o filme. Não importava o quanto iria demorar. Depois da primeira etapa da produção, montei um dossiê e busquei diversas parcerias até chegar na produtora Les Valseurs. Consegui finalizar do jeito que eu queria, com a equipe ideal”, explica a diretora. Ela já havia dirigido os curtas Dia estrelado (2012) e Sem coração (2014), premiado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes.

HOMENAGEM
Em 2018, o Brasil é o país homenageado pelo festival de Annecy. Animadores brasileiros participam da programação com exposições, lançamentos de livros, sessões de autógrafos, projeções ao ar livre, sessões especiais e um panorama histórico de curtas, entre outras atividades, que levaram uma delegação de artistas à cidade francesa.

“O interesse pela produção do Brasil surgiu por causa da crescente quantidade de filmes de animação brasileiros vencedores dos principais prêmios de Annecy nos últimos anos. Ficamos surpresos”, afirmou Marcel Jean, diretor artístico do festival, durante o lançamento do livro Animação brasileira: 100 filmes essenciais, na segunda (11/6). Nesse depoimento, ele se refere especificamente ao curta Guida (2014), de Rosana Urbes, e aos longas-metragens O menino e o mundo (2013), de Alê Abreu, e Uma história de amor e fúria (2013), de Luiz Bolognesi. Os três foram premiados no evento e estão na programação deste ano em projeções ao ar livre realizadas à beira de um lago cercado por montanhas.

A participação de Guaxuma, no entanto, não está diretamente relacionada à homenagem, já que o curta foi selecionado entre os mais de 3 mil inscritos para a principal mostra competitiva internacional de 2018. “Para mim, Annecy sempre foi um mito. Ter um filme aqui é inesperado, porque é superdifícil e eu não poderia ter estreado em um lugar melhor. O público recebeu superbem e a sala estava lotada. Tive muito feedback de pessoas que vieram falar comigo. Fiquei bem feliz”, comemora Nara, que mostrará o filme no Brasil, pela primeira vez, em julho, no festival Anima Mundi, no Rio de Janeiro.

JÚLIO CAVANI, jornalista, crítico e realizador. Dirigiu os curtas Deixem Diana em paz (2013) e História natural (2014). Atualmente, é também curador do festival Animage.

*O jornalista viajou a convite do Consulado da França no Recife, do Instituto Francês do Brasil e do festival Animage.

 

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