Cobertura

As outras frequências de Bonito

Um dos principais destinos turísticos do Brasil reserva aos visitantes uma energia que transita entre a tranquilidade e a movimentação cultural, sobretudo durante o festival de inverno

TEXTO ERIKA MUNIZ, DE BONITO*

31 de Julho de 2018

Praça da Liberdade, o coração da cidade e do festival

Praça da Liberdade, o coração da cidade e do festival

Foto Eduardo Medeiros/Divulgação

Para os que vêm de outras cidades, Bonito, no Mato Grosso do Sul, parece estar sob uma frequência diferente. Quase 300 km separam o município de Campo Grande. Aqui, a natureza se impõe, pois é mais fácil se conectar aos pássaros e aos trechos do cerrado sul-mato-grossense, que costuram a caminhada e as janelas dos veículos, do que com o 4G da internet. É comum encontrar turistas tentando uma boa conexão, mas logo desistem e decidem entregar-se ao local. Um dos principais destinos turísticos do Brasil reserva aos visitantes uma energia que transita entre a tranquilidade e a movimentação de um polo situado num estado que amplia nosso olhar – tão acostumado ao Atlântico – para o lado do Pacífico. As águas com composição repleta de calcário cuidam de pintar as lagoas de um azul-turquesa único. Pela natureza que lateja, a cidade é encantamento para qualquer um.

Durante essa 19ª edição do Festival de Inverno de Bonito, que se encerrou no último domingo (29/7), pôde-se perceber, na Praça da Liberdade e em seus arredores, uma miscelânea de musicalidades, culturas, etnias indígenas e representantes de diversas cidades do Mato Grosso do Sul e do Brasil. Se antes do Festival de Inverno de Bonito começar suas atividades, as temperaturas mais frias do inverno colocavam o período como baixa estação, este ano não é o que se observa, diante de tamanho fluxo de turistas.

Viajar do Recife para Bonito e conhecer um pouco mais desses Brasis é perceber que nosso multiculturalismo, tradição e diversidade são nossa força. Vivenciá-los serve para nos colocar diante de nossas identidades. Somos muitos, diversos, e mesmo com nossas legítimas diferenças, temos também semelhanças. Nos sensibilizamos com músicas – a exemplo de Tocando em frente, de Almir Sater e Renato Teixeira, e Canção da América, de Milton Nascimento, para quem o público fez coro –; paramos para ver espetáculos de rua no Centro de Múltiplo Uso (um espaço verde de esportes e pista de skate da cidade); ou ainda nos comovemos com uma apresentação, na Praça da Liberdade, de Carmen, do Balé Teatro Guaíra (PR), que mescla dança e teatro. Potencializada durante o festival, a gastronomia, sem dúvida, é uma atração à parte na cidade, pois a diversidades de espécies repercute no sabor e na quantidade de pratos.


Carmen pelo Balé Teatro Guaíra (PR). Foto: Aurélio Vinícius/Divulgação

“O festival não pode ser um evento que você só leve grandes artistas, ele tem que trazer valores e esses valores significam muito o que estamos aprendendo”, afirmou o secretário de Cultura e Cidadania Athayde Nery, referindo-se ao conceito de cidadania cultural que norteou o festival. A escolha acertada da curadoria em trazer uma palestra como Não descarte, encaminhe, com mediação de Rodrigo Sabatini (SC), presidente do Instituto Lixo Zero, na tarde da última sexta (27/7), atraiu ao auditório do Hotel Marruá parte da população e de interessados em saber mais sobre as melhores maneiras de encaminhar o lixo orgânico, questões de compostagem e o porquê de não utilizar descartáveis. Outro ponto forte da programação foi o debate Mulheres na literatura, em que produção literária feita exclusivamente por mulheres serviu de mote. Este foi um dos momentos que o festival ocupou a Casa da Memória Raída, onde os presentes puderam ter contato com livros e fotografias sobre a história e personagens da cidade.

Dos 11 estandes nos contornos da Praça da Liberdade, vimos alguns deles destinados a arquivos musicais e literários, às artes visuais e ao artesanato. Entre esses espaços, estava a Tenda dos Saberes Indígenas, que contemplou oito etnias dos povos originários do Mato Grosso do Sul. Desde 2015, os povos indígenas têm esse espaço no festival. “É importante para a sociedade conviver e conhecer os povos”, afirmou o jornalista Sidney Terena, do portal Voz Indígena. O espaço disponibilizou o diálogo e até o comércio de produtos entre os que circulavam na praça. Em entrevista à Continente, um dos representantes do povo Kinikinau, Nicolau Flores, fez uma análise dos quatro dias de festival: “Eu venho de Miranda (MS), esse evento para mim foi fantástico. Muita experiência, trocas de comunicação entre o povo branco e os nossos povos. Agradeço a Bonito e à equipe da subsecretaria indígena. Para o próximo ano, possamos ter essa oportunidade de estar aqui novamente”.


O jornalista Sidney Terena. Foto: André Patroni/Divulgação


Silvana de Souza e Nicolau Flores. Foto: André Patroni/Divulgação

Sobre a importância da representatividade, a subsecretaria de Políticas Públicas para os Povos Indígenas do estado, Silvana de Souza, afirmou: “O mais importante é que fortalecemos a nossa cultura, porque aqui somos nós mesmos que apresentamos nossa cultura, da forma tradicional que fazemos nas nossas comunidades. Cada uma das etnias tem suas próprias demandas e isso é contemplado aqui”. Que o Festival de Inverno de Bonito siga, então, contemplando.

*A repórter viajou a Bonito a convite da Secretaria de Cultura e Cidadania do Governo do Mato Grosso do Sul

Publicidade

veja também

Milton Nascimento em louvor aos indígenas

Encontro histórico entre Almir Sater e Renato Teixeira

De volta ao Mato Grosso do Sul