Arquivo

Forró: Para arrastar a chinela em inglês

Formado por músicos brasileiros em Nova York, grupo Forró in the Dark leva ritmo nordestino a diversos países e começa a fazer seguidores

TEXTO Débora Nascimento

01 de Abril de 2011

O grupo é formado por Davi Vieira, Jorge Continentino, Mauro Refosco e Guilherme Monteiro

O grupo é formado por Davi Vieira, Jorge Continentino, Mauro Refosco e Guilherme Monteiro

Foto Divulgação

A partir do último 18 de fevereiro, ficou disponível para todo o mundo The king of limbs, o novo disco do Radiohead, o quinteto inglês que, desde o aclamado Ok computer (1997), tem cada lançamento seu recebido com ardorosa ansiedade por fãs e críticos. O oitavo CD de estúdio do mais incensado grupo da atualidade trouxe consigo também a expectativa de superar o espetacular In rainbows (2007). Logo nas primeiras horas daquela sexta-feira, o que se leu nos tuítes no Brasil trazia as palavras “forró” e “Radiohead” numa mesma frase. Tudo porque duas de suas oito faixas lembram bastante o ritmo nordestino. O impensável teria acontecido?

Para atestarmos a suspeita, entramos em contato com o professor do Conservatório Pernambucano de Música, Sérgio Barza: “Principalmente Little by little (a terceira faixa do The king of limbs) tem elementos rítmicos identificáveis de forró, baião, ou xaxado. Uma das características é a linha rítmica da zabumba. A ideia do triângulo também fica clara, especialmente no final. O conjunto de elementos é suficiente para não ser considerada uma coincidência, mas uso intencional de elementos musicais. Faço uma observação, no entanto: o emprego de elementos rítmicos de forró, baião ou xaxado é apenas uma parte do todo usado pelo conjunto, dá para ouvir algo de ponteados de viola. Fica a dúvida se todos os elementos teriam sido conhecidos e absorvidos na visita ao Brasil (para shows, em março de 2009), ou por contato com músicos brasileiros no exterior, como o Forró in the Dark.”

Aqui, deixamos o Radiohead um pouco de lado e abrimos uma brecha para falar do Forró in The Dark, grupo formado por músicos brasileiros residentes em Nova York, que vem sendo um dos principais responsáveis por divulgar o ritmo nordestino “lá fora”. A banda não faz um forró tradicional, com sanfona, zabumba e triângulo. Os arranjos geralmente contam com guitarra, violão, baixo, zabumba, pífano e até sax barítono. A sonoridade é uma mistura de baião, xote, arrasta-pé com elementos do jazz, rock`n`roll e até música brega, e vem agradando a crítica, como a do jornal The New York Times e do site All Music, além da admiração de gente como o ex-Talking Heads David Byrne e as cantoras Miho Hatori e Bebel Gilberto.

“Tudo começou como uma brincadeira informal, em 2002, mas a repercussão foi tão grande, que resolvemos formar a banda”, conta o percussionista catarinense Mauro Refosco. O músico foi aos EUA, em 1994, para estudar na Manhattan School of Music, e resolveu ficar na Big Apple, após ter sido aprovado num teste para integrar a banda de Byrne, em 1996. Desde então, acompanha o artista. Nos anos seguintes, conheceu os instrumentistas que formariam, com ele, a Forró in The Dark, os cariocas Jorge Continentino (pífano, sax barítono e voz) e Guilherme Monteiro (guitarra e vocal) e o baiano Davi Vieira (percussão e voz).

Numa das viagens da turnê do CD Grown backwards (2004), de Byrne, Refosco foi abordado pelo compositor, que afirmava ter uma versão em inglês para o clássico Asa branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), e que queria gravá-la. A releitura acabou sendo feita pelo músico e a Forró in The Dark, fato que ajudou a projetar o nome da banda – a interpretação foi registrada em videoclipe, disponível no YouTube e também em O homem que engarrafava nuvens (2009), documentário de Lírio Ferreira sobre Teixeira.

LINHAGEM DA POLCA
Mas o que o Radiohead tem a ver com tudo isso? Há a possibilidade de o quinteto inglês ter sido influenciado pelo trabalho do quarteto brasileiro e pela versão de Asa branca, pois o vocalista Thom Yorke é um grande fã do Talking Heads, e trouxe até um pouco dessa influência (exploração de polirritmias) para o ovacionado Kid A, CD de 2000, e para algumas músicas do The king of limbs.

Além disso, Mauro Refosco, que participou de um dos melhores álbuns de 2010, Contra, do Vampire Weekend, também integra a superbanda Atoms for Peace, que acompanha o trabalho solo de Yorke. O “grupinho” paralelo foi formado, em 2009, pelo baixista Flea (Red Hot Chili Peppers), Nigel Godrich (“o” produtor de gente como Paul McCartney, Beck e o próprio Radiohead) e pelo baterista Joey Waronker (que tocou com o REM) para executar o repertório do CD The eraser (2006).

Mas Refosco minimiza a possibilidade de ter influenciado a sonoridade de The king of limbs (leia mais sobre o CD adiante): “Acho que foi apenas uma coincidência. Tocamos dois meses juntos e não houve muita troca de informações musicais. Não teve espaço para isso. Se há uma presença de forró neste disco, pode ser explicada pela linhagem da polca (gênero europeu que contribuiu com a formatação do forró)”.

Pelo sim ou pelo não, o certo é que o Forró in the Dark já está conseguindo ampliar a teia da música nordestina em Nova York, que parece ter se transformado no quartel-general do ritmo nos Estados Unidos, contando agora com mais quatro grupos tocando arrasta-pé, xaxado, xote e baião, tendo brasileiros e gringos em suas formações. “Isso é muito legal. Antes da gente, música brasileira aqui era só bossa nova e axé music”, lembra o percussionista, garantindo que o forró é muito bem recebido onde se apresente.

Após um começo em que dividia as regravações de clássicos do gênero, como Sebastiana e Baião, com músicas de sua autoria, a Forró in the Dark tem investido mais em composições próprias, e mostra que vem amadurecendo. É o que comprovam ForrowestLilou e Nonsensical. O grupo agora prepara o CD que vai suceder o Ligth a candle (2009), lançado pelo selo Nublu Records e National Geographic.

Desde a estreia, com Bonbfires of São João (2006), o conjunto já passou por mais de 20 países, como México, Canadá e até Brasil – foram três passagens pela própria terra, mas apenas no Sudeste. “A gente quer tocar forró no berço do forró”, afirma o percussionista, que pretende, neste ano, integrar a programação junina do Recife, de Caruaru e Campina Grande. “Vai ser a nossa prova de fogo”, supõe Refosco.

Por enquanto, o local exato para assistir ao show da Forró in the Dark é na boate Nublu, no East Village, onde o rala-bucho ocorre há oito anos, às quartas. É a opção certa para quem está disposto a gastar um pouco mais para arrastar a chinela em inglês. 

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

Publicidade

veja também

Entre fósforos e canivetes

A volta dos mortos-vivos

Casa cheia e plateia eufórica