Arquivo

Um "banquete" regado à dança

TEXTO Luciana Cavalcanti

01 de Fevereiro de 2012

Luciana Cavalcanti

Luciana Cavalcanti

Foto Ricardo Moura

No diálogo de As leis, última obra de Platão (428-348 a. C), a principal discussão entre os personagens do livro versa sobre as melhores leis para uma cidade recém-fundada, entre as quais a dança é citada como forma essencial de educação. Bem, já faz “algum tempo” que tal questão foi levantada, porém o tema continua tão atual quanto intrigante. Educa-se através dessa arte?

Não é difícil de imaginar a sua importância na vida do homem... A dança é considerada, através de registros históricos, uma das mais antigas formas de expressão artística do ser humano. O “bicho-homem” executa esses movimentos desde os primórdios para celebrar o que tem significado para ele (momentos e encontros, vida e morte). Dança para se comunicar com o outro, para descobrir no outro sobre si mesmo. Então, essa técnica nasce e se desenvolve junto com o homem, evoluindo em conceitos, nos acontecimentos culturais e sociais.

Frevo, maracatu, mambo, xaxado, samba, baião, tango, e muitas outras... Cada uma delas traz em si o sentir de um povo num determinado período da sua trajetória, o diálogo dessas pessoas com o seu momento. Os movimentos característicos e a técnica decorrem desse sentir. As danças foram deixando em suas raízes a possibilidade, para quem veio depois, de apreciá-las, produzi-las e contextualizá-las. Tais ações remetem aos três pilares da proposta triangular de ensino, elaborada pela arte-educadora carioca, criada em Pernambuco, Ana Mae Barbosa. Hoje, quando falamos em aula de dança, estamos falando em educação.

Sim, a dança é uma área de conhecimento e tem o papel de acabar com o distanciamento entre o aprendizado intelectual e o aprendizado motor. O conhecimento se faz pelo corpo, como já disse Espinoza (1632-1677). Se o indivíduo não cultiva todas as potencialidades do seu corpo, ele não vai cultivar todas as potencialidades da sua mente.

É uma arte que educa os sentidos. E é através deles que o ser humano percebe e reconhece outros organismos e as características do meio em que vive. Educar os sentidos é preparar o homem para a vida em sociedade.

A técnica tradicional de ensino da dança se ocupa dos domínios dos movimentos para os seus determinados estilos. Mas dominar o exercício físico isolado não reforça a consciência do movimento. Apreciar, conhecer e dançar abrangem mais do que robotizar corpos.

Educa-se pela motivação, pela descoberta. Um bailado que seja construído pelos sujeitos que o praticam. Que não seja reprodutor de um monte de “passos”, mas transformador. Que possua significado no corpo-agente. Parafraseando o educador Paulo Freire, ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os homens se educam, mediados pelo mundo. Os professores de dança são facilitadores dessa mediação. Então, que eles provoquem e não imponham, que eles viabilizem e não tragam pronto, pois cada pessoa guarda em si o repertório para o seu próprio desempenho. 

LUCIANA CAVALCANTI,  bailarina, jornalista e professora do Diverso Espaço Cultural.

Publicidade

veja também

Da natureza do ser

Coquetel: Do rabo de galo ao martini de maracujá

Truffaut: Os ecos de um francês na tela