Arquivo

A la ursa azul

TEXTO José Cláudio

01 de Abril de 2012

Ornamentação para o Carnaval de 2012, a partir de desenho de Zé Cláudio, feita pelo escritório de Carlos Augusto Lira

Ornamentação para o Carnaval de 2012, a partir de desenho de Zé Cláudio, feita pelo escritório de Carlos Augusto Lira

Imagem Reprodução

Henrique Sposito nasceu no Recife, 30/10/70. Criado na Madalena. Alugavam casa em Olinda para passar o Carnaval, ele mais uns trinta ou quarenta na mesma casa. Rua Henrique Dias, Varadouro, entre os quais Juliano Dubeux e sua mulher Taciana. 1996, sábado de Carnaval, saindo Henrique e outros, 9h da manhã, para comprarem alguma coisa para o café da manhã, na Rua do Amparo, entre a Bodega de Véio e o Pau do Índio, uma janela que vende cachaça já chegando na curva dos Quatro Quantos, vinha descendo o Urso Cascudo do Amparo. Não devia ter quarenta pessoas. “Esse ano eu quero ouvir/triângulo, sanfona, zabumba no frevo” cantavam na maior alegria. “Se você ficar de bobeira/deixar ela em casa e cair na bebedeira/o Urso quebra o seu galho/eita Urso do Amparo” que logo virou “eita Urso do caralho”. Acompanharam o Urso. Nos Quatro Cantos encontraram-se com a troça Trinca de Ás, troça grande, quase do tamanho da Ceroula hoje. O Urso foi engolido pela troça.

Nesse Carnaval, Henrique se fantasiou de “o cão chupando manga”, todo pintado de vermelho, fantasia de que teve ideia ao passar por acaso na barraca de Julião das Máscaras e ver dois chifres,que logo adquiriu para compor a personagem. (O pedreiro Galego, tirador de coco, pai do pintor Sandro Maciel, me contou essa. Estavam cantando um coco em casa do mesmo Julião: “Vamos cantar esse coco/batendo palma de mão/vamos cantar esse coco/na casa de Julião”. Logo passaram a responder “na casa de ‘Boi Tungão’”, apelido que Julião detestava. Resultado: Julião acabou o coco, botou todo mundo para fora.) Isso, quinta-feira à noite, quando o pessoal da casa vinha trazendo colchões e outros objetos, malas, fantasias: pararam na frente da barraca porque vinha passando uma troça. “Vamos sair de demônio?” Como roupa, uma sunga velha do pai e o corpo nu pintado de vermelho (guache). Saíram de demônio domingo, dia da feijoada na casa, que eles próprios faziam.

1997. “Vamos sair de urso”. Enredo: Henrique, o urso; caçador, Taciana, esposa de Juliano; e Juliano, para não ficar de fora, inventou uma raposa que, aproveitando-se do fato de o urso estar preso pela caçadora, atanazava-o, primeira quebra da ortodoxia laúrsica. A segunda foi que quando passaram numa loja, para comprar o pano da roupa da laursa, atrás do Mercado São José, junto de uma loja de umbanda, Henrique se agradou de um pano peludo azul, muito embora então, pelo menos no Carnaval de Pernambuco, só existissem três tipos de ursos: brancos, pretos e pardos (marrons). Aliás, foi aí que Juliano teve a ideia de sair de raposa, por também lhe aprazer, do mesmo tecido, um padrão amarelo. Quanto à caçadora, teve de se contentar com vestido comum e na mão uma preaca, aquela flechinha que estala usada pelos caboclinhos. Botaram o nome de “O Urso Azul de Setúbal e a Raposa Amarela da Borborema”, uma favela perto de Setúbal.

Infelizmente, apesar do nome pomposo, naquele ano O Urso Azul teve de sair sozinho. As roupas ficaram prontas, graças à costureira da mãe de Henrique. Acontece que Paulinho, irmão de Siba, cantor do Mestre Ambrósio, Siba esse que tinha um boi, “O Boi da Gurita Seca”, onde Paulinho saía de Catirina, a cara pintada de carvão, pediu a roupa da raposa emprestada para devolver na mesma noite. O Urso Azul ia sair na manhã seguinte. Mas bebeu tanto que só encontraram a roupa no outro Carnaval. Mesmo assim, Henrique no seu urso azul fez tanto sucesso quando se incorporou ao Urso Cascudo, as moças querendo tirar retrato junto dele, que no outro dia saiu no jornal o estandarte do Urso Cascudo e na frente muito fagueiro O Urso Azul.

Em 1998 finalmente saiu o trio mas, quando quiseram se enturmar no Urso Cascudo, o puxador, numa Veraneio de propaganda, mandou pelo alto-falante: “Queria pedir, por favor, na frente do bloco, somente O Urso Cascudo. Os ursos de outras cores e outros animais, saírem depois do carro de som”. Henrique foi lá. Mostrou, por baixo da roupa azul, a camisa do Urso Cascudo. Resumindo, desde então o Urso Azul tem saído com ou sem o Cascudo, porque, alguns anos, ou o Cascudo não saiu ou o Azul não conseguiu encontrá-lo. E também sem a raposa nem a caçadora, desde que Taciana e Juliano se separaram. Às vezes as mulheres dizem: “Que urso bonito!” E Henrique: “Lógico, minha senhora. Marido pode ser feio; urso tem que ser bonito!”. 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

Publicidade

veja também

Lições dos dicionários

No cinema, a cidade como um reduto de "não lugares"

Coletivos: Inquietação criativa