Arquivo

ETS: Contatos imediatos nas salas de cinema

Há 110 anos, os extraterrestres estreavam nas telas, expondo na ficção o nosso medo da possibilidade desse encontro interplanetário

TEXTO Débora Nascimento

01 de Dezembro de 2012

 Em 1982, 'ET - O extraterrestre' tornou-se a maior bilheteria da história do cinema

Em 1982, 'ET - O extraterrestre' tornou-se a maior bilheteria da história do cinema

Foto Reprodução

Era 1902 e George Méliès exibia mais um de seus curtas-metragens. Em Viagem à Lua, um grupo de cientistas vai ao satélite natural da Terra. A chegada da espaçonave ao lugar é desastrosa e ela cai de bico no solo. Do nosso planeta, observa-se o episódio como um balaço enfiado num rosto gigante. O ilusionista e diretor francês não supunha, mas essa cena marcaria seu nome para sempre na história do cinema. Além de transformar Méliès no precursor de um rentável gênero cinematográfico, a ficção científica, seria o primeiro filme a abordar o tema “extraterrestres”. Na trama, há um embate entre terráqueos e selenitas.

Inspirado nos livros Da Terra à Lua (1865), de Julio Verne, e Os primeiros homens na Lua (1901), de H.G. Wells, Viagem à Lua foi um dos títulos que escaparam da destruição que Méliès promoveu queimando centenas de seus curtas-metragens, após sua carreira entrar em declínio, com dívidas, falta de orçamento para produção e desinteresse crescente do público.

Em 1993, foi descoberta uma espécie de Santo Graal do cinema: a cópia colorida à mão desse curta. A versão restaurada foi apresentada no Festival de Cannes de 2011 e exibida no Cinema São Luiz, no último mês de setembro. O público pôde se divertir nos 14 minutos de duração do filme, principalmente com a cena final, na qual os astronautas, de volta à Terra, são recebidos com festa, inclusive, trazendo consigo alguns ETs, que acabam entrando no clima da celebração.


Contatos imediatos de 3º grau foi o primeiro sucesso de Steven Spielberg sobre extraterrestres. Foto: Reprodução

Quando Viagem à Lua fez sua estreia, nem de longe existia o conceito de blockbuster e de superprodução ou lançamento mundial simultâneo, crítica especializada, departamento de marketing, elenco de estrelas... Dessa forma, a obra só teria seu valor artístico e histórico reconhecido algumas décadas depois. Com a quebra de sua produtora, Méliès passou a trabalhar como vendedor de brinquedos num quiosque na estação de trem de Montparnasse, em Paris. Essa fantástica e dramática trajetória do diretor francês foi resgatada, em 2012, no filme Hugo, do cineasta americano Martin Scorsese.

É curioso lembrar que, neste mesmo ano, comemoram-se os 30 anos de lançamento de outra obra importante que retrata seres alienígenas: ET – o extraterrestre, que vem a ser o filme mais adorado e premiado sobre o tema. Foi a maior bilheteria do cinema até então (cerca de U$ 800 milhões), ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme, na categoria drama, e consta em diversas listas dos “100 melhores filmes da História”.

O crítico de cinema Roger Ebert, único a ganhar um Pulitzer, escreveu sobre o longa: “O filme inteiro é baseado no que os cineastas conhecem por ponto de vista. Quase todas as tomadas mais importantes são vistas como se o ET estivesse vendo, ou como Elliot (o garoto de 10 anos). E as coisas são entendidas como eles as entenderiam. Não há um momento crucial onde a câmera se afaste e pareça filmar do ponto de vista de um adulto. Nós estamos vendo as coisas através dos olhos de uma criança – ou de um alienígena. Quando Elliot e ET se veem pela primeira vez, ambos dão um pulo para trás, dominados pela surpresa, acompanhada de gritos. Vemos cada um deles do ponto de vista do outro”.

Cinco anos antes de dirigir a história do “extraterrestrezinho” que, por acidente, é esquecido na Terra, Steven Spielberg realizou outro respeitável filme sobre alienígenas, Contatos imediatos de terceiro grau (1977). Para mostrar que não estava para brincadeira com relação à sua produção, inseriu no elenco ninguém menos que o cineasta francês François Truffaut. No enredo, ETs enviam mensagens cifradas até estabelecerem um encontro com os terráqueos para “devolver” pessoas abduzidas. Numa das imagens mais marcantes do cinema, a cena final mostra a comunicação entre terrestres e extraterrestres estabelecida através de linguagem musical, com o uso da emblemática sequência de cinco notas musicais (sol, lá, fá, fá uma oitava abaixo e dó), que, depois, é acrescida de outras notas até se transformar num dueto musical – composição de John Williams.


Curta Viagem à Lua, de Méliès, é precursor da abordagem ao tema. Imagem: Reprodução

Ao contrário dos cordiais ETs de Contatos, o filme seguinte de Spielberg, Night skies, teria alienígenas como vilões. O cineasta passou meses desenvolvendo o projeto. Com o roteiro, design e bonecos prontos, mudou de ideia. Decidiu que dirigiria uma aventura familiar sobre um ET perdido na Terra, tentando voltar para casa, enquanto é perseguido por autoridades. A ideia do grupo de criaturas aterrorizando uma família acabou virando Poltergeist, o fenômeno (1982), com a troca de ETs por fantasmas.

A equipe que trabalhou no projeto de Night skies ficou revoltada, alguns profissionais abandonaram a empreitada. Mas Spielberg, com o sucesso de Tubarão (1975), já tinha cacife suficiente para uma excentricidade desse porte e provou que estava certo. ET - o extraterrestreconquistou o público, consagrou o cineasta na indústria, tornou-se a maior arrecadação de bilheteria até então e rendeu indicações ao Oscar (melhor diretor e filme). Mas as estatuetas ficaram mesmo com Gandhi, de Richard Attenborough.

Depois do sucesso de ET, da Universal Pictures, alguns estúdios passaram a investir no tema, obtendo lucro com o filão, e o filme acabou sendo superado em bilheteria, pouco mais de um década, por Independence day (1996), com 817 milhões (20th Century Fox), ficando, atualmente, em 34º lugar na lista das 100 maiores bilheterias da história (no Brasil, ET ficou em 8º lugar na lista das 10 maiores bilheterias, com quase 10 milhões de espectadores). Mas o primeiro lugar deste ranking mundial ainda pertence a uma produção que envolve seres extraterrestres. Estamos falando de Avatar (2009), de James Cameron, cuja arrecadação chegou a quase U$ 3 bilhões.


Clássico dos anos 1950, O dia em que a Terra parou expôs o clima de tensão da Guerra Fria. Foto: Reprodução

FRANQUIAS
A boa recepção aos ETs nos cinemas fez com que fossem criadas duas bem-sucedidas franquias, Alien, em 1979, e Homens de preto, em 1997. O primeiro estabelece um novo conceito estético para os alienígenas, a forma de inseto no lugar do humanoide; o segundo é baseado na teoria de que o governo mantém um grupo de investigadores, sempre de ternos pretos, que visitam pessoas que passaram por supostos contatos alienígenas, com o intuito de convencê-las do contrário.

Antes dos três filmes de Spielberg sobre extraterrestres (contando com Guerra dos mundos, de 2005), os alienígenas já haviam recebido, em 1951, tratamento especial em Hollywood, com O dia em que a terra parou. Dirigido por Robert Wise (Amor, sublime amor e Noviça rebelde), o enredo mistura drama, suspense, horror e ficção científica, e apresenta, logo nas primeiras cenas, a chegada de um disco voador em Washington. O ET Klaatu (Michael Rennie) tem como missão alertar os governantes mundiais sobre os perigos do uso de armas atômicas, que interfeririam no Universo, caso fossem lançadas em outros planetas, ameaçando destruir também a Terra. Mesmo em missão de paz, o ET sofre preconceito, perseguição e violência por parte dos terráqueos. O clima da Guerra Fria é sentido de forma sutil no filme, cuja trilha sonora de Bernard Hermann inclui um sinistro teremim nos arranjos, que passou a vincular para sempre o som do instrumento eletrônico ao tema “extraterrestres”.

O interesse por ETs não é só coisa do cinema. Alguns seriados apostam no assunto, como o humorístico Alf, o eteimoso Mork and Mindy. Mas o mais festejado deles, sem dúvida, foi Arquivo X. Há 20 anos, a produção estreava com um enredo repleto de teorias conspiratórias sobre vida extraterrestre, defendidas pelo investigador Fox Mulder (David Duchovny) e criticadas por sua parceira Dana Scully (Gillian Anderson). Há episódios baseados em acontecimentos e outros são ficcionais.


Trama de Homens de preto é baseada na teoria da existência desses agentes.
Foto: Reprodução

FRACASSOS
Embora com trajetória de sucesso, o gênero também teve seus maus dias. O mais recente fracasso foi o John Carter, primeiro filme fora do gênero animação de Andrew Stanton, nome por trás de Procurando Nemo e WALL-E. A má recepção da aventura foi tanta, que provocou até a demissão do chairman da Walt Disney, Rich Ross, em abril deste ano, substituído por Alan Horn, que veio da Warner Brothers Entertainment.

É possível que, a partir desse fato, a empresa tenha mais cautela ao investir no assunto, pois já havia sofrido, em 2011, outro golpe de bilheteira com Marte precisa de mães. Com produção de Robert Zemeckis, a animação teve um orçamento de US$ 150 milhões, mas só arrecadou US$ 39 milhões. A temática marciana já tinha sido uma decepção para Disney anteriormente com Missão: Marte (2000) e Meu marciano favorito (1999), que ficaram muito abaixo da expectativa de retorno financeiro.

A Warner também amargou insucessos. Em 2000, Planeta vermelho, um thriller sobre astronautas protagonizado por Val Kilmer, contou com orçamento de US$ 80 milhões, mas só obteve US$ 33 milhões nas bilheterias. Em 1996, Marte ataca!, comédia dirigida por Tim Burton, contou com um elenco estelar (Jack Nicholson, Glenn Close e Pierce Brosnan) e custou US$ 70 milhões à empresa, quase o dobro de sua arrecadação nos EUA, US$ 37 milhões. O prejuízo só não foi maior porque o longa reverteu a situação com boa performance internacional, que elevou seu faturamento a US$ 101 milhões.


Avatar tornou-se o filme mais visto na história do cinema. Foto: Reprodução

Assinado por John Carpenter (Halloween e O enigma de outro mundo), o terror Fantasmas de Marte (2001) obteve apenas US$ 14 milhões em bilheteria, a metade do valor de sua produção, e Doom – a porta do inferno, adaptação de um jogo de video game do mesmo nome, também pode ser apontado como outro fracasso marciano.

MISTÉRIO
O nosso atávico pavor à ideia de contato com alienígenas foi demonstrado numa reação pública a um programa de rádio. Na véspera do Halloween de 1938, no dia 30 de outubro, o jovem ator Orson Welles (1915-1985) produziu ao vivo, na rádio CBS, uma adaptação do livroA guerra dos mundos, de H.G. Wells. Para deixar o programa com tom mais realista, o futuro diretor de cinema inseriu diversas entrevistas fictícias, incluindo a de um professor da Universidade de Princeton, interpretado pelo próprio Welles, que relatava explosões causadas por uma nave espacial em Nova York e a morte de 7 mil homens do exército no combate com os ETs.

O caos instalou-se. A polícia recebeu chamados desesperados, grupos armados saíram pelas ruas à caça dos alienígenas e houve até suicídios. Quem ouviu a transmissão desde o início sabia que se tratava de uma encenação, o que não ocorreu com aqueles que sintonizaram o programa em curso. Estima-se que a audiência tenha chegado a dois milhões de ouvintes.


Suspense de ficção científica, Alien traz ETs em forma de insetos. Foto: Reprodução

Esse pânico pode ser explicado pelo chamado medo do desconhecido. Afinal, apenas alguns mistérios que cercavam a humanidade foram solucionados, como a origem das estrelas (explosões de gases no espaço), o formato da Terra, a possibilidade de existência de 200 bilhões de galáxias. No entanto, outros enigmas ainda se mantêm: De onde viemos? Para onde vamos? Somos os únicos a habitar este vasto Universo?

Muitos acreditam que não somos, como o escritor suíço Erich von Däniken, autor de Eram os deuses astronautas?, lançado em 1968, um ano antes de o homem colocar os pés na Lua. O livro virou um best-seller e foi traduzido para 36 línguas. Sua suposição é de que descendemos de seres extraterrestres que nos visitaram no passado, o que comprovaria a engenhosidade de construções arqueológicas que datam de milhares de anos e trazem desenhos de supostos encontros com alienígenas. Já o escritor Leo Mark, autor de Jesus extraterrestre, elabora a teoria de que Jesus é, na verdade, um ser de outro mundo e que os fenômenos sobrenaturais descritos na Bíblia são contatos imediatos de terceiro grau.

O medo de ETs é ainda alimentado por ocorrências pouco explicadas, como o Caso Roswell, que teria acontecido em 1947, quando um suposto disco voador caiu na cidade de Roswell, no Novo México. O ocorido teria sido acobertado pelos militares norte-americanos. A história, como era de se esperar, virou filme. 

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

Publicidade

veja também

Alcir Lacerda: Exercício de documento, memória e identidade

A nova cinefilia

Os poderes do excesso no melodrama