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Tecnologia para falar de amor

Helder Vasconcelos e Armando Menicacci preparam espetáculo, ainda sem título, utilizando um software que transforma as expressões faciais e movimentos em sons

TEXTO Christianne Galdino

01 de Fevereiro de 2013

Nova montagem será o segundo trabalho em conjunto de Armando Menicacci (esq.) e Helder Vasconcelos (dir.)

Nova montagem será o segundo trabalho em conjunto de Armando Menicacci (esq.) e Helder Vasconcelos (dir.)

Foto Divulgação

Um é natural de Garanhuns, foi criado em Caruaru e teve sua formação artística na “escola do cavalo-marinho e do maracatu rural da Zona da Mata Norte de Pernambuco”. O outro é musicólogo e pianista italiano, especializado em ópera, e vive em Paris desde os anos 1990. Será possível uma ligação entre dois artistas-pesquisadores de universos tão diferentes? A parceria entre Helder Vasconcelos e Armando Menicacci mostra que sim, revelando que há mais interseções do que imaginamos entre realidades culturais aparentemente tão distantes.

O encontro entre os dois gerou os primeiros frutos em 2007, com a criação do espetáculo Por si só, a partir do financiamento do programa Rumos Dança, do Itaú Cultural. Ali se inaugurava um processo criativo em dupla e uma amizade entre os dois, que, ignorando as distâncias geográficas, se mantêm ligados e cada vez mais coesos. “Logo após a estreia de Por si só, veio o impulso para uma nova criação, pois sentíamos que ainda tinha muito a ser explorado, a ser dito. Pensei em um novo espetáculo, para completar essa trilogia de solos, iniciada em Espiral brinquedo meu”, lembra Vasconcelos. Ator, músico e dançarino, com sólida atuação nas três áreas, o artista escolheu uma linguagem para protagonizar cada trabalho, mantendo sempre o hibridismo que o caracteriza. Dessa vez, o fio condutor é a música, apesar de ser um projeto de “artes cênicas e não um show”.

Eles trazem a tecnologia como elemento-chave tanto para o processo criativo como para os produtos cênicos, apostando na fértil relação entre o corpo e os aparatos tecnológicos. Uma investigação que já vem desde Por si só, e que faz parte do cotidiano profissional de Menicacci, pois, apesar de formado em música, ele integra o corpo docente de dança da Universidade Paris 8, e lá desenvolve pesquisas com novas mídias no Laboratório Médiadanse, além de colaborar com coreógrafos como Alain Buffard, e Rachid Ouramdame. E ainda cria o que ele chama de instalações interativas, colocando teoria e prática literalmente em cena, com elementos das artes plásticas, da música, do teatro, do cinema e da dança. A mais recente e inclassificável performance dele (ainda inédita por aqui) tem o curioso título de Monalisa, sexo, perfume, cerveja, Carmem e eu, que traduz bem o espírito e a essência desse intérprete criador.

INTRUMENTOS MUSICAIS
Mas o que podemos esperar desse retorno à música no próximo trabalho de Helder Vasconcelos e Armando Menicacci? Aonde será que esses trilhos tecnológicos criados por eles podem nos levar? A invenção da vez são os instrumentos musicais. A dupla está criando novos instrumentos a partir da ideia da dança tocar a música: “Estamos utilizando um software que transforma as expressões faciais em sons. Através de um microfone de contato especial, todos os movimentos corporais de Helder viram música”, detalha Menicacci. Ele conta que, nos dias atuais, muitos desses programas e aparelhos são facilmente encontrados na internet, por um preço acessível e alguns até são gratuitos. Mas as novas interfaces e aparelhos são instrumentos de criação e não o objetivo final do espetáculo. “O que importa é a poesia. É o discurso da obra”, defende. Menicacci diz que existem sempre novas técnicas e tecnologias que podem servir aos interesses artísticos de um criador, basta procurar e experimentar. “Uma técnica é um procedimento para construção de um artefato específico, ao passo que uma tecnologia é uma técnica que leva a uma mudança de percepção, a uma nova relação com o mundo. E, nesse caso, com o corpo, o movimento e os sons”, define o pesquisador.

Depois de fazer um levantamento técnico-tecnológico dos recursos necessários, e experimentá-los, os dois artistas vão contar com a colaboração de outra dupla de peso, os atores Fernando Yamamoto e Marco França, do grupo Clowns de Shakespeare, de Natal, Rio Grande do Norte. Helder explica que eles foram escolhidos “pela forma integrada como pensam a música e o teatro. Gosto do jeito que eles trabalham, da forma como a música está presente nos espetáculos que eles dirigem. E quero trazer essa experiência para o meu processo, até mesmo pelo protagonismo que a música vai ter nesse projeto”.

Ainda sem título definido, o novo solo de Helder Vasconcelos deve ter seu primeiro experimento cênico apresentado na Mostra Rumos Dança no final deste semestre, pois ele foi um dos contemplados da edição 2012/2013 do programa. Quando perguntamos se há um tema, um objeto de estudo específico nessa pesquisa criativa, a identidade híbrida dos criadores volta à ribalta. “Sabemos que há uma matriz tradicional popular na minha movimentação. Sabemos também que a música é o fio condutor das cenas, e que temos a tecnologia como aliada no processo. Mas o roteiro mesmo está sendo construído”, conta Vasconcelos. Estamos buscando o que é imprescindível. Esse é o assunto, podemos dizer assim, que queremos levar à cena. A dança, por exemplo, é o nosso imprescindível. E o amor é o imprescindível da vida. Até a violência é uma busca pelo amor. Então, é sobre isso que vamos falar”, completa Menicacci. Falar de amor em um espetáculo não é nenhuma novidade. Fazer isso com suportes tecnológicos, sem ser piegas, superficial e óbvio, é, além de um desafio enorme, um feito inusitado, que requer ousadia e muita dedicação. Mas essa é uma matéria-prima abundante no histórico profissional de Helder Vasconcelos e Armando Menicacci. Agora, é esperar para ver a dança – sempre popular-contemporânea – que esses dois vão inventar. 

CHRISTIANNE GALDINO, jornalista e mestre em Comunicação Rural.

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