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Maranhão: Riqueza natural e arquitetônica

São Luís, Alcântara e Lençóis Maranhenses oferecem ao viajante a fruição de passeios ricos em diversidade patrimonial e paisagens incomuns

TEXTO E FOTOS AUGUSTO PESSOA

01 de Março de 2013

Variedade de cerâmicas no centro histórico rendeu título de

Variedade de cerâmicas no centro histórico rendeu título de "cidade dos azulejos" a São Luís

Foto Augusto Pessoa

Caminhar pela Rua Portugal, a mais azulejada da América Latina, descer e subir as escadarias de pedras que ligam centenários becos e ladeiras, ou simplesmente parar para apreciar o gigante braço de mar que parece envolver a cidade são programas obrigatórios para quem chega a São Luís, uma das três capitais brasileiras construídas em ilhas e bem na porta de entrada para a Amazônia. Fundada por franceses, invadida por holandeses e colonizada por portugueses, a capital do Maranhão revela um preservado conjunto de influências que resiste ao tempo e que pode ser conferido nas centenas de prédios e monumentos encontrados no centro histórico. Reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, a cidade que outrora chegou a ser chamada de “Atenas brasileira”, devido à qualidade de seus poetas e escritores, hoje recebe outro tipo de invasão, a turística.

Destino de visitantes que chegam de várias partes do mundo para conhecer os encantos da “Ilha do Amor”, como é chamada, São Luís é uma cidade atípica. Fundada em 1612, sua história compõe-se de guerras, invasões e revoltas. Os portugueses expulsaram os franceses, que, em seguida, viram a invasão dos holandeses; houve os ataques dos corsários ingleses, as expedições de captura dos índios e as revoltas dos colonos contra os padres jesuítas. Foi nessa fase conturbada que São Luís protagonizou a primeira manifestação nativista do país, a Revolta do Bequimão, que, quase um século depois, resultaria na Inconfidência Mineira. Hoje, caminhar pelos becos estreitos, apreciar seus casarões coloniais, sua igrejas, palácios, calçadas altas e largos, é fazer uma viagem pela história da mais portuguesa das cidades brasileiras.

Um dia inteiro andando por suas ruas de pedras não é suficiente para se ter uma ideia da real dimensão desse patrimônio. As principais atrações estão na Praia Grande, um bairro quase que totalmente restaurado pelo projeto Reviver e que funciona como uma espécie de coração cultural local. O passeio começa no Cais da Consagração, uma grande muralha, datada de 1841 e que constitui o mais antigo porto de São Luís. Dali, já é possível avistar o Palácio dos Leões, edificado onde antes estava o Forte de Saint Louis, construído pelos franceses em 1612, e o Palácio La Ravardière, datado de 1689 e antiga sede da Câmara e Cadeia. Em seguida, chegamos à bela Catedral da Sé, erguida em 1626 numa homenagem à Nossa Senhora da Vitória, padroeira de São Luís. Com o altar-mor em estilo barroco, a nave é tombada como patrimônio da humanidade; em seu interior, estão sepultados bispos e importantes maranhenses.

Além de decorar as fachadas, os azulejos vindos de Portugal, França, Bélgica e Alemanha protegem os casarões contra a ação das chuvas e dos ventos carregados de salinidade. Com cores e desenhos que vão de figuras geométricas a flores e animais, as peças cerâmicas deram à capital o título de “Cidade dos Azulejos”. Além de revestimentos, os azulejos são usados em placas de identificação de ruas e becos, igrejas, conventos e fontes, das quais partem galerias subterrâneas que serviram para escoar as águas das chuvas e alimentam até hoje o imaginário popular com lendas de serpentes encantadas e estórias de amor proibido.

A Fonte das Pedras é uma das mais visitadas. Em 1615, a nascente foi local de acampamento de Jerônimo de Albuquerque e suas tropas, quando da expulsão dos franceses. Com muitas árvores e um clima de mistério, o lugar é um dos pontos altos do circuito pelo centro histórico, unindo a memória arquitetônica dos acontecimentos históricos ao bucolismo.


Travessia da capital a Alcântara pode marear os embarcados

Ao lado do patrimônio material, presente nos casarões e prédios religiosos, São Luís também é marcante em suas manifestações populares. A miscigenação racial (brancos, negros e índios) está na origem da brincadeira mais presente na cidade, o bumba meu boi. Embora ocorra em outras regiões do Brasil, com semelhante conformação étnica, apenas no Maranhão a festa possui três estilos, ou “sotaques”, diferentes.

As distinções aparecem nos instrumentos, na indumentária e nas formas de expressão. Apesar de ser apresentado com mais frequência durante o período junino, o bumba meu boi é parte integrante da cultura local, sendo encontrado na decoração das casas, nas lojas de artesanato, nos museus e principalmente no imaginário do povo maranhense. Outra característica marcante da cultura de São Luís é a tradição dos tambores. De origem africana, eles marcam presença o ano inteiro, podendo ser apreciados em centros culturais, terreiros ou mesmo nas ruas do centro histórico, especialmente nas imediações do mercado público da cidade, uma espécie de relicário vivo das tradições maranhenses.


O Cais da Consagração fica situado na Baía de São Marcos, de onde saem os barcos para Alcântara

ALCÂNTARA
Partindo do histórico Cais da Consagração, na Baía de São Marcos, saem diariamente os barcos que levam os visitantes até Alcântara, patrimônio de extrema beleza arquitetônica e que possui ruínas que fazem do roteiro um encontro com a arqueologia.

Erguida no alto de um morro de onde é possível avistar – nos dias de céu claro – a Ilha de São Luís, a 22 km, Alcântara é famosa pelo clima de sossego e pela qualidade de suas construções coloniais. Sua localização geográfica fez com que o Ministério da Aeronáutica instalasse ali, na década de 1980, uma base espacial para lançamentos de foguetes. Primeira capital do Maranhão, Alcântara é exemplo de harmonia entre a valorização do passado e o desenvolvimento sustentado. Em suas ruas quase não circulam carros e suas riquezas naturais, visivelmente preservadas, são um capítulo à parte num passeio pela região.


A nascente está no local que serviu de acampamento na expulsão dos franceses

A travessia de São Luís até Alcântara dura em média uma hora. Os barcos partem no início da manhã e retornam ao final da tarde. Durante o trajeto, a dica é abrir mão do conforto de viajar na cabine com ar-condicionado e apreciar o vaivém das embarcações que parecem lutar para vencer o agitado mar aberto da baía. Na chegada ao Porto de Alcântara, chama a atenção o brilho que resplandece das pedras da Ladeira do Jacaré, principal via de acesso ao centro histórico da cidade e suas atrações.

O nome da ladeira, toda em pedra de cantaria, é uma referência ao Querosene Jacaré, famoso produto que era vendido em latas de 20 litros na década de 1950 e que era fonte de energia para geladeiras da época. Havia uma crença entre a população do Maranhão e também do Piauí de que somente funcionava bem a geladeira que usava o querosene da marca Jacaré, conhecido popularmente como “jacaré do rabo seco”.


O Tambor de Crioula é uma das tradições do Maranhão

Fundada em 1648, Alcântara faz parte do Patrimônio Histórico Nacional desde 1948 e teve seu apogeu econômico no período colonial, com a produção açucareira, a extração de sal e o trabalho árduo de mais de oito mil escravos negros e índios. Com a abolição da escravatura no final do século 19, o então modelo econômico entrou em decadência e a cidade perdeu relevância. Heranças daquele momento histórico estão presentes, no entanto, na população predominantemente negra, que preserva importantes aspectos da cultura africana. A exploração dos negros e dos índios, habitantes nativos do lugar, durou mais de três séculos e deu a Alcântara o título de capital da aristocracia rural do Maranhão, além de suntuosos prédios públicos e religiosos que impressionam pela dimensão e qualidade artística.

O conjunto mais importante está no Largo do Pelourinho, onde é possível encontrar as ruínas de uma grande igreja e os principais prédios públicos da Alcântara dos barões de açúcar. No centro da praça, está o Pelourinho, uma coluna cilíndrica em pedras, com aproximadamente 5 m de altura, que no alto exibe o brasão das armas portuguesas. O monumento era insígnia municipal e símbolo da autoridade e autonomia da Câmara, usada para os castigos infligidos aos escravos que eram ali amarrados e açoitados. No dia 13 de maio de 1888, data da abolição da escravatura, o pelourinho foi derrubado e jogado ao chão, em frente da Casa de Câmara e Cadeia. Sessenta anos depois, em 1948, foi reerguido e posicionado no local de origem. No Brasil, há uma concentração de pelourinhos nas cidades mineiras de Caeté, Ouro Preto, Mariana e São João del-Rei. A coluna de Alcântara, no entanto, é provavelmente a única do país que pode ser vista ainda com as suas características em ambiente original.


Ladeira do Jacaré ganhou o nome devido ao Querosene Jacaré

LENÇÓIS MARANHENSES
Embora considerado um dos mais belos trechos do litoral brasileiro, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (criado em 1981) esteve, durante muitos anos, longe do alcance dos amantes da natureza. Com 300 km2 e localizado numa região selvagem da costa sul do Maranhão, o imenso deserto de dunas é, hoje, um disputado destino de aventureiros que chegam diariamente à região para apreciar as piscinas naturais que se escondem entre grandes muralhas de areia.

O parque, que começa nas águas doces do Delta do Parnaíba, na divisa com o Piauí, avança sobre o litoral do Maranhão formando um cenário em constante movimento. A paisagem, que lembra lençóis expostos para secar – daí o nome que lhe foi atribuído – é o tipo de cenário de difícil descrição, constituindo-se num lugar para ser visto.


Derrubado em 1888, pelourinho foi reerguido em 1948

Chamado por alguns de “Saara brasileiro”, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses está repleto de oásis. Com um índice pluviométrico de 1.600 milímetros, trezentas vezes maior que o do deserto africano, os lençóis escondem milhares de lagoas de águas cristalinas. Durante o período das chuvas, entre janeiro e julho, elas fazem a festa dos turistas que se movimentam por ali em carros 4x4.

A aventura começa em Barreirinhas, onde é preciso atravessar o Rio Preguiças em balsas e seguir por uma trilha de areia até a entrada do parque. São cerca de 45 minutos até o local onde os carros ficam estacionados. Por ordem do Ibama, dali em diante, só mesmo a pé. O passeio deve ser feito com guias especializados, devido ao grande risco de forasteiros se perderem pelos labirintos de areia que atraem e confundem os olhos.


Lençóis Maranhenses exibem dunas e águas cristalinas

As dunas branquíssimas (óculos escuros são imprescindíveis, aqui) mudam constantemente de forma, altura e lugar. Revolvido pelos ventos que sopram do mar, o cenário torna-se mais enigmático com o profundo silêncio que reina por ali. Só se ouve o som do vento, assoviando e redesenhando os contornos no horizonte. As dunas se estendem por uma área de 155 mil hectares e ocultam incontáveis lagoas verdes e azuis que simplesmente evaporam durante o período da estiagem.

Ninguém ainda estudou profundamente o fenômeno, mas acredita-se que o vento trouxe a areia do fundo do mar e a fez avançar continente adentro por mais de 50 km. Para alguns estudiosos, a região foi uma floresta tropical em épocas remotas.

Caminhar pelos lençóis, subindo e descendo as dunas que facilmente ultrapassam 30 m de altura, é como pisar em um território virgem. A cada duna que se vence, outra maior se apresenta. Durante o trekking, sob o forte calor potencializado pelas dunas brancas que funcionam como uma espécie de rebatedor natural para a luz do sol, a recompensa são os muitos mergulhos nas piscinas naturais.

Na Lagoa do Peixe, uma das poucas perenes da região, o verde escuro das águas em contraste com o branco das dunas é um espetáculo à parte. Mas apenas do alto é possível ter uma dimensão abrangente dos Lençóis Maranhenses. De Barreirinhas, vários aviões decolam todos os dias para sobrevoos pelas dunas.

Depois de subir e descer as ladeiras da histórica São Luís e apreciar os monumentos coloniais de Alcântara, visualizar os Lençóis Maranhenses do alto é a forma mais fácil de entender por que o Maranhão é considerado um dos mais belos e surpreendentes estados do Brasil. 

AUGUSTO PESSOA, jornalista e fotógrafo.

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