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A vida e a leitura

TEXTO Hugo Monteiro Ferreira

01 de Abril de 2013

Hugo Monteiro Ferreira

Hugo Monteiro Ferreira

Foto Divulgação

Não existe vida cultural fora da leitura. Os leitores criam e recriam a vida constantemente. O que implica dizer que são eles os que ligam e desligam os motores que movimentam as coisas e suas nuances. Logo, são os sujeitos da linguagem articulada aqueles que podem mudar e podem ser mudados pelo ato de instituir sentidos no universo social e histórico em que vivem.

Todos nós somos leitores, pois construímos e desconstruímos significados desde o momento em que nos damos conta de que existimos. Somos nós, no instante em que acreditamos e não acreditamos, tencionamos e não tencionamos, dizemos e não dizemos.

Somos leitores, mesmo se não formos alfabetizados, mas sendo alfabetizados, somos leitores mais amplos: é que somos capazes de dialogar com redes significativas verbais grafadas, redes combinatórias de grafemas e fonemas, de letras e sons, de palavras e sentidos. Logo quem lê, sendo alfabetizado, tem mais chances de mudar a vida instituída a partir do verbo escrito, de alterar propostas e promover proposições novas. O leitor é um propositor. Eu diria que ele é um provocador.

A leitura pode fazer provocadores de vida. Estes são, no nosso entendimento, as pessoas críticas, criativas e cuidadosas. Críticas, porque não são necessariamente alienadas, não aceitam o real de modo quieto e adequado, de forma acomodada e pouco incomodada. Criativas, porque amam o novo, são neófilos, são pessoas que recusam o “já dito” e buscam incessantemente a inovação. Cuidadosas, porque conseguem uma espécie de empatia com o outro, evitando excluir, rejeitar, e recusar o diálogo saudável com as diferenças e as identidades transitórias.

Lendo, desde todo o sempre, fizemos a história de nossas culturas, de nossos tempos, de nossas reflexões. Lendo, revemos o que vemos e vemos o que revemos, num processo alimentador e retroalimentador constante sobre o que dissemos ontem, hoje, e o que diremos amanhã. Lendo, inventamos, e repudiamos os absurdos, acolhemos as proposições e não aderimos aos que nos desagradam. Lendo, colocamo-nos.

Não importa se livro, se filme, se música, se imagem, se pouco, se muito, se só, se acompanhado; sempre que lemos, estamos numa dinâmica complexa, provocativa e reflexiva. É essencial que nos reconheçamos leitores, com vistas a reconhecermo-nos incompletos e capazes, capazes de alterar a existência e de fazer dela aquilo que queremos, que podemos, que possivelmente pensamos passível de realizações. A leitura muda a vida e ela é mudada porque lemos: é isso. 

HUGO MONTEIRO FERREIRA, professor do Departamento de Educação da UFRPE e representante da Cátedra Unesco de Leitura em Pernambuco.

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