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Juliano Holanda: Agora, em primeiro plano

Em seu disco solo 'A arte de ser invisível', compositor e instrumentista pernambucano reúne diversos artistas para celebrar a canção

TEXTO Débora Nascimento

01 de Junho de 2013

Juliano Holanda

Juliano Holanda

Foto Beto Figueiroa/Divulgação

Embora George Martin tenha sido exaltado pelo seu trabalho como produtor dos discos dos Beatles, com exceção de Let it be (produzido por Phil Spector), seu nome, mesmo assim, ainda hoje é desconhecido por muita gente que gosta do quarteto inglês. Se isso acontece com o Quinto Beatle, o homem que formatou o som da melhor e mais famosa banda da história, imagine a visibilidade que têm músicos, engenheiros de som e produtores de discos de grupos e artistas bem menos badalados. Essa é lógica que podemos tecer por trás do sentido do título A arte de ser invisível, primeiro disco solo de Juliano Holanda.

Se você não sabe quem é Juliano Holanda, provavelmente não leu os créditos dos encartes de mais de 80 discos lançados ultimamente em Pernambuco. Ele é figura recorrente tanto como músico quanto como autor (já são mais de 150 composições) e produtor (mais de 20 discos). Se você tiver algum desses CDs e procurar ouvir novamente, pelo menos, um deles, vai perceber que Juliano é parte importante no resultado final do trabalho em que está envolvido.

Após duas décadas atuando como criador “invisível”, Juliano finalmente resolveu se lançar como artista solo, disposto a se tornar visível. “Tem uma questão que é essa, que eu sempre me coloquei como um músico de background; nunca tinha pensando em fazer um trabalho solo, necessidade que foi surgindo com o tempo. Mas também tem a questão do formato do disco, que traz um intérprete diferente para cada faixa. Na realidade, todo mundo é invisível. Essa coisa de palco grande, por exemplo, se você tocar pra muita gente é o mesmo que não tocar pra ninguém. É o mesmo conceito de cidade, quanto menos gente é mais difícil acontecer essa invisibilidade”, avalia o compositor, informando que havia na setlist inicial do disco uma canção chamada A arte de ser invisível, depois retirada.

Ao mesmo tempo em que projeta seu nome como artista, Juliano se preserva na retaguarda, ao colocar outros intérpretes para cantarem suas músicas. Uma decisão que tem a ver com uma insegurança inicial, mas tem relação direta com a vontade de ver essas mesmas pessoas cantando suas canções. E foram exatamente esses convidados os que acabaram por formar o repertório. O músico selecionou duas ou três composições e enviou para cada um deles escolher qual queria cantar – opção que influiu na atmosfera leve do disco. “Chamei as pessoas com as quais queria trabalhar. Muita gente ficou de fora. Muitos outros poderiam ter entrado, gente com quem eu tinha trabalhado ou gostaria de ver cantando minhas músicas. Com relação ao canto, não estava tão seguro de me colocar como cantor. Pra mim, tem sido um processo de autocompreensão, porque sempre me coloquei como instrumentista”, revela Juliano, que acabou, sem querer, fazendo um disco bem à moda do Gorillaz, projeto de Damon Albarn (Blur), repleto de convidados e estilos diferentes.

FORMAÇÃO
E assim como a do inglês, a formação do ouvido musical do pernambucano é bem diversificada: começou com a audição da Rádio Tupã, de Goiana, onde ele nasceu. Lá, menino, escutou Luiz Gonzaga, Moreira da Silva, Dilermando Reis e recebeu influências da música da Mata Norte. Ainda na infância, foi morar em Olinda, onde passou a ouvir discos dos anos 1970, como os de Marconi Notaro, Ave Sangria, Cátia de França. Já na adolescência, Juliano começou a gostar e a tocar em bandas de rock. Fora isso, havia o próprio ambiente familiar, com os pais tocando violão em casa. Essas influências podem ser percebidas em A arte de ser invisível, no qual o artista quis extrapolar os limites musicais dos gêneros. “Sou um compositor de canções, minha preocupação é preservar a integridade delas, independentemente do que o meu lado instrumentista estiver pedindo. A paixão pela canção é mais forte, a preocupação com a poesia, isto é centro do meu trabalho”, afirma o músico, que nas gravações tocou guitarra, violão, viola de 10 cordas, baixo elétrico, teclados rhodes. Esse cuidado fica bem evidente em faixas como Ouriço (interpretada por Jam da Silva e Marion Lamonier, instrumentista e produtora francesa), Farol (com participações de Geraldo Maia e Rob Curto), Antes e depois (Jr Black), Domingo no sítio (com voz de Tatiana Parra e piano de Benjamin Taubkin).

Com a intenção de destacar o acabamento das canções, o músico não somente explorou o melhor de suas composições, como mostrou a sensibilidade e o talento de um produtor experiente – o que pode ser percebido em Altas madrugadas, na qual há apenas vozes fazendo as vezes dos instrumentos (você vai jurar que ouviu uma guitarra, um baixo, mas é apenas a voz de Marcelo Pretto...). O disco tem também participações de Siba (voz em Horizontal), Areia (baixo), Carlos Ferrera (Ímãs de geladeira), Laya Lopes (Morada) e Ceumar (Na primeira cadeira, a única das 10 faixas que não é inédita). Mas, claro, ao final, sentimos falta de ouvir mais a voz do “dono do disco”, que o inicia com Karma Sutra, a mesma que permite a nossa entrada num território tratado com muito zelo.

Apesar de ter feito curso de Música da UFPE e estudado violão popular no Conservatório Pernambucano de Música, a escola de Juliano Holanda como produtor foi mesmo a prática. A sua disposição é tanta, que ele já está com novos trabalhos engatilhados como produtor. Inclusive, o segundo disco solo encontra-se gravado (a música A arte de ser invisível estará presente dessa vez), o qual pretende lançar no próximo semestre e mostrar um pouco mais de seu lado rocker, com formação apenas de baixo (Areia), bateria (Tom Rocha), guitarra e voz – ele cantará em todas as faixas, desta vez. Pelo visto, não quer ser “apenas” um George Martin. 

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

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