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Iezu Kaeru

Afeto e transitoriedade

TEXTO Clarissa Macau

01 de Julho de 2013

No ensaio 'Feira da quinta', Iezu registrou comerciantes e seus produtos, no Recife e em Garanhuns

No ensaio 'Feira da quinta', Iezu registrou comerciantes e seus produtos, no Recife e em Garanhuns

Foto Iezu Kaeru/Divulgação

Parar o deus Tempo é missão para fotógrafos. O artista pernambucano Iezu Kaeru se debruça no desafio de estampá-lo em fotos carregadas de poesia. “A carne da minha fotografia é negra e brancos são os dentes da poesia que mordem sonhos de toda cor”, escreve. A relação com a oitava arte começou na infância, capturando momentos afetivos numa máquina Polaroid. Revelou-se fotógrafo na faculdade. De um exercício esporádico, surgiu o ensaio O tempo e o lugar das coisas, com fotos que captavam o passar quente das horas no Centro do Recife. Motivado pelos fatores afeto e transitoriedade, hoje, Iezu passeia pelo humano e pelo mistério, pelo som e pelo silêncio, trazendo lirismo para a crítica social.


Foto: Iezu Kaeru/Divulgação


Foto: Iezu Kaeru/Divulgação

Em Memória da pedra, projeto iniciado em 2006, Iezu traz imagens de uma personagem milenar. A musa é a pedra, “a pele do tempo”, como define. A obra transmite silêncio, seja de um bloco de rocha bruto, ou de gelo que se dissolve. Ou, ainda, como diz o fotógrafo, “das roupas da cidade que são trocadas de tempos em tempos”: as facetas dos muros. Procurando-se entre os escombros, visitou bairros do Recife, além de locais como a Praia de Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, e o Vale do Catimbau, no município agrestino de Buíque. Construiu autorretratos nos quais sua identidade se torna o próprio objeto reverenciado. A luz torneia seu corpo como continuidade de um rochedo, como testemunha da terra.


Num ensaio performático, o artista usou muros, rochas e cenários
para discutir o tempo. Foto: Iezu Kaeru/Divulgação



Foto: Iezu Kaeru/Divulgação

Esculturas de pedregulhos empilhados são fotografadas, contrastando com uma cidade de prédios. A partir dos registros, tangencia o abstrato e, sutilmente, abre espaço para discussões urbanísticas. Muros espalhados pela cidade, decadentes pelo passar dos anos, tornam-se, no recorte do olhar, belas imagens abstratas. Alguns são apropriados pelo artista, que interfere ora descascando, ora fazendo colagens nas paredes. Numa delas, colocou uma foto rasgada, restando um par de olhos. Voltou após três meses e registrou: o muro havia incorporado a colagem. A imagem foi selecionada para o catálogo do 47º Salão Jauense Internacional de Arte Fotográfica e, curiosamente, anexado na seção de obras manipuladas. Ou seja, deduziram que Iezu construíra a fotografia com ajuda virtual de softwares.


Nas fotos que tem tornado públicas, Iezu aponta interesse pelo retrato.
Foto: Iezu Kaeru/Divulgação

Menos meditativo, mas igualmente sensível, Iezu Kaeru criou, em 2011, uma série de retratos das feiras livres ao redor de Pernambuco. Entre composições coloridas e em preto e branco, a série Feira da quinta “foi um momento de buscar o encontro com o outro”, em ritmo de crônica, contando a história do burburinho cotidiano de pequenos comerciantes. As protagonistas do ensaio, as feiras livres do quinto dia da semana, em Garanhuns, e de Beberibe, no Recife, hoje estão extintas e recebem do artista a denominação de “feiras mortas”. As imagens carimbam a interação entre fotógrafo e fotografados, personagens chamados pelos nomes de Seu João, Marcelo De La Poica, Zeca do Peixe, entre outros. Frutas, verduras e aparelhos eletrônicos são coprotagonistas dos retratados, para quem a feira, durante todo o dia, sob neblina, chuva ou sol, é a vida.


Boa parte do registro em feiras públicas foi feito sem uso de cor.
Foto: Iezu Kaeru/Divulgação

Com outros trabalhos realizados, como os ensaios O sonhador (2011) e Outro Rio (2012), este, uma leitura pessoal do Rio de Janeiro, Iezu Kaeru utiliza em seu trabalho máquinas analógicas e digitais. As fotos passam por eventuais tratamentos de imagem, que intensificam sua dramaticidade. Ele diz que o desfoque involuntário é bem-vindo. Câmeras velhas, filmes antigos e lentes com fungos são suas aliadas. A qualidade que importa a esse artista é a da memória afetiva em todo o seu ritual. 

CLARISSA MACAU, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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