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José Pimentel: Das academias para o palco

Ator e diretor, que desistiu de ser halterofilista para se dedicar ao teatro, prepara-se para estrear, em Serra Talhada, o espetáculo 'O massacre de Angico – a morte de Lampião'

TEXTO Leidson Ferraz

01 de Julho de 2013

O ator fez o papel de Jesus Cristo há 35 anos

O ator fez o papel de Jesus Cristo há 35 anos

Foto Wellington Dantas/Divulgação

Em fevereiro de 1955, um rapaz que sonhava ser halterofilista e considerava teatro “coisa de viado”, quebrou seus preconceitos ao participar da peça Lampião, no Teatro de Santa Isabel. Vivendo Ezequiel, um dos irmãos de Virgulino Ferreira, José Pimentel reconheceu-se como ator. Cinquenta e oito anos depois, ele volta a mergulhar no tema do cangaço, dessa vez, na pele de Zé Ferreira, pai de Lampião. Um papel de nordestino velho que chega num momento especial, quando o consagrado intérprete está prestes a completar, no próximo mês, 79 anos bem-vividos.

“Essa preocupação excessiva das pessoas com a idade sempre me irritou. Agora, não ligo mais”, diz, lembrando a máxima de que, em cena, um ator pode ter a idade que quiser. Além de estrear uma nova personagem, Pimentel está dirigindo o espetáculo O massacre de Angico – a morte de Lampião, em temporada de 24 a 28 de julho, em Serra Talhada, a convite da Fundação Cultural Cabras de Lampião. Esse outro mergulho no universo dos cangaceiros, personagens que o acompanharam em diversos trabalhos, tanto no teatro quanto no cinema, serve como retorno às suas origens, não só de palco.

“Lampião me faz recordar meu pai, Virgínio Albino Pimentel, que costumava me contar a história de que encontrou o cangaceiro duas vezes, antes de eu nascer. Ele comprava porcos nos sítios para revender nos matadouros e, numa dessas viagens, deparou-se com o bando de Lampião. Mas fizeram amizade e até um banquete foi promovido. Tinha uma foto lá em casa, com meu pai vestido de cangaceiro e usando os dois punhais que ganhou de presente! Por isso, desde pequeno, eu ouvia falar de Lampião como herói”, lembra.

É o genitor do cangaceiro que vem aumentar sua enorme galeria de personagens. “Um homem cansado, velho, que, para evitar uma tragédia, foge com a família para Alagoas, mas ainda assim é assassinado. A revolta leva seus filhos para o cangaço”, explica o ator. A montagem segue os mesmos moldes de outras produções teatrais ao ar livre sob sua direção, como O calvário de Frei Caneca, Paixão de Cristo do Recife e Batalha dos Guararapes. Com texto dublado e participação de 80 atores e figurantes pernambucanos, toda a encenação acontece em meio à caatinga natural, na antiga Estação Ferroviária, com entrada franca (início às 20h).

Essa é a primeira vez que José Pimentel dirige um texto que não é seu, para teatro ao ar livre; mas não encontrou maiores dificuldades. “A minha direção de teatro dublado é feita com o olho no computador. De tanto editar vozes, cortar ou inserir pausas, mexer nos volumes, colocar músicas, percebi que o ritmo é o que mais me interessa. E há um outro aspecto nessa direção do teatro ao ar livre, da manipulação dos atores. Tanto que eles tomam um susto, quando a peça fica pronta”, diz, lembrando que nunca fez curso algum de artes cênicas.


Em seu primeiro filme, fez o papel de cangaceiro; agora, no espetáculo O massacre de Angico, interpretará o pai de Lampião. Foto: Arquivo projeto Memórias da cena pernambucana/Acervo pessoal José Pimentel

MÚSCULOS
Quando jovem, Pimentel gostava mesmo era de pegar “maromba de cimento”, no quintal de casa. Até que conheceu Octávio Catanho, o Tibi, que, além de fisiculturista premiado, já era ator e diretor teatral. Tibi o levou para o palco. “Dou para isso, não”, costumava dizer, escondendo duas tentativas frustradas enquanto criança, ambas na escola. A primeira, numa festa de São João, quando esqueceu a frase que deveria dizer e danou-se a chorar. A segunda, interpretando um caçador de ursos que, por conta da tremedeira verdadeira, não soube usar a arma de espoleta que trazia.

Tibi o convenceu a integrar o elenco amador do Grupo Dramático Paroquial de Água Fria, fazendo Pilatos, na Paixão de Cristo do bairro. Pouco depois, atuou na peça Lampião, num palco de salão de igreja. Mas a ousadia maior aconteceu com o pedido de pauta no Teatro de Santa Isabel. “Seriam cinco dias de temporada, mas o público só apareceu no primeiro. Foi terrível”, recorda. Em julho de 1955, Pimentel e Tibi inauguraram o Ginásio Poder Muscular, “o mais moderno do Recife naquela época”. E quando o sonho de atuar parecia ter ficado para trás, em 1956, Pimentel foi levado pelo mesmo amigo para o elenco do Drama do calvário, nas ruas de Fazenda Nova. “Fui um dos soldados romanos, só para exibir meu físico e namorar”, lembra.

No ano seguinte, veio a oportunidade de assumir personagens com fala, o Demônio Lusbel e o centurião Caio. Mas, antes, ainda em 1956, José Pimentel participou de um marco na história do teatro brasileiro, o lançamento da peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, pelo Teatro Adolescente do Recife. Sob direção de Clênio Wanderley, artista por ele até hoje elogiado, fez dois papéis, o do major Antônio Moraes e o do Encourado, em peça que, criticada em sua terra natal, conquistou a medalha de ouro no I Festival de Amadores Nacionais, na capital carioca. “Viajei ao Rio pela primeira vez e foi aquele sucesso todo, com o público aplaudindo de pé e os jornais tecendo mil elogios; me pegou. Aí eu já não tinha mais como sair do teatro.”

Conquistado pela arte, foi com o Teatro Adolescente do Recife que o ator emendou três novas produções, Terra queimada, de Aristóteles Soares (numa de suas piores interpretações, segundo ele); A via-sacra, de Ghéon; e O casamento suspeitoso, de Suassuna. Nessa última, viveu o irrequieto Cancão, com elogios do próprio autor. Paralelamente, Pimentel continuou a atuar nas ruas de Fazenda Nova, assumindo também o papel de Pilatos. Em 1959, lançou-se como diretor em A grade solene, de Aldomar Conrado, que transplantava o mito de Édipo para um engenho da Zona da Mata. “Dirigi, mas muito mal. Tanto que, quando fomos selecionados para o II Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em Santos, Clênio Wanderley assumiu a montagem.”

Em 1960, três convites o levaram a figurar entre as grandes estrelas cênicas da capital pernambucana. O primeiro foi na estreia do Teatro Popular do Nordeste, liderado por Hermilo Borba Filho, com o lançamento da peça A pena e a lei, de Ariano Suassuna, na qual viveu o negro Benedito. Em seguida, sua inclusão na equipe de atores profissionais contratados pelo Teatro de Arena, no qual fez diversas montagens dirigidas por Alfredo de Oliveira e Hermilo Borba Filho – como Três anjos sem asas, de Husson; Eles não usam black-tie, de Guarnieri e Farsa da boa preguiça, mais um lançamento de Suassuna. Por fim, sua participação em teleteatros da recém-inaugurada televisão. Na TV Jornal do Commercio, por exemplo, foi galã na primeira telenovela gravada no Estado, A moça do sobrado grande, sob direção de Jorge José, em 1967.


No início de sua carreira, em 1968, Pimentel interpretou Pilatos na Paixão de Cristo
de Nova Jerusalém.
Foto: Arquivo projeto Memórias da cena pernambucana/Acervo pessoal José Pimentel

Bem antes, em 1961, a pedido do diretor Clênio Wanderley, Pimentel arriscou-se na dramaturgia, ao escrever o texto Jesus, mártir do calvário, para ser encenado, ainda em três dias de sequência, nas ruas de Fazenda Nova. Após a temporada de 1962, devido ao público crescente, o produtor Plínio Pacheco resolveu construir Nova Jerusalém. O espetáculo só retornou em 1968, agora apresentado em único dia, com Pimentel nos papéis de Pilatos e do Demônio. No ano seguinte, por conta de uma viagem de Clênio Wanderley à Europa, ele foi convidado a dirigir a peça e, em 1978, assumiu o Cristo, ou seja, lá se vão 35 anos ininterruptos na mesma personagem, sendo, desde 1997, na sua Paixão de Cristo do Recife.

CRISTO
Sobre continuar interpretando o Jesus de 33 anos, Pimentel é enfático: “Vou fazer enquanto aguentar”, mas acaba revelando um segredo contido, o de comemorar 80 anos fazendo o Cristo. “Depois, posso até deixar...” Curiosamente, ao longo de sua carreira, tão cheia de prêmios e críticas favoráveis (“com algumas merdas aqui e ali”, diz brincando), José Pimentel foi, quase sempre, além de diretor, protagonista dos seus espetáculos, algo que nem todo artista arrisca. “O ator ganha o aplauso e o diretor as pessoas nem sabem quem é. Essa minha opção de dirigir e atuar ao mesmo tempo foi para aparecer. Uma de minhas vaidades”, revela sem modéstia.

Calígula, de Camus, e o bicheiro Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, estão entre suas personagens preferidas, ambas em peças que ele também dirigiu. João Grilo foi outro destaque, em montagem comandada por Luiz Mendonça. Das que não atuou, Besame mucho e A aurora da minha vida são inesquecíveis para ele. No cinema, os cangaceiros, estilizados ou não, foram papéis presentes em filmes como Riacho de sangue, Faustão e A noite do espantalho, além do clássico Batalha dos Guararapes, em que interpretou André Vidal de Negreiros. Tantas figuras já vividas estimulam Pimentel a realizar um sonho: “Fazer um monólogo reunindo trechos de personagens que já interpretei e outros que tenho vontade de fazer, como Rei Lear e Macbeth”.

Esse é um desejo antigo, mas ainda pensa em escrever livros sobre sua vida e o teatro ao ar livre. Por enquanto, pela temporada de O massacre de Angico – a morte de Lampião, está com a cabeça no cangaço, mas já planeja encenar dois autos de Natal nas cidades de Orobó e Serra Talhada, escrever e dirigir uma Paixão de Cristo completa em Olinda e atuar em outro filme de cangaceiros, O canto do acauã, com produção caruaruense. Ficar doente é o seu grande medo. “Duvido que alguém da minha idade consiga fazer a Paixão como eu”, provoca. Mas, pelo visto, o ator e diretor não pensa nem tão cedo em parar, ainda que assuma personagens na idade que for… 

LEIDSON FERRAZ, jornalista, ator, produtor e pesquisador da área teatral.

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