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TEXTO José Cláudio

01 de Julho de 2014

Retrato de Danuza Leão, bico de pena de Luiz Jasmin, 1969

Retrato de Danuza Leão, bico de pena de Luiz Jasmin, 1969

Imagem Reprodução

Muito boa a revista do Ministério da Educação Cultura. Nesse número dedicado ao Nordeste (Ano 8, N. 30, Jul./Dez. 1978) que peguei ao acaso só tinha gente muito boa, como Gilberto Freyre, Leonardo Dantas Silva, Rachel de Queiroz, Mauro Mota, o padre Jaime Diniz, e eu lá metido no meio: que tal? O artigo não é grande coisa, me perco, e já faço a ressalva na primeira linha: “Do que me lembro, do que ouvi dizer”. Tem da mulher que virou cobra, o corno ganancioso, o cego namorador, a eminentes escritores e artistas. Na primeira página do artigo, As artes no Nordeste, escrevi a mão: “Atenção: as ilustrações foram botadas arbitrariamente pela revista”. Botaram: Genaro, Chico da Silva, Reynaldo Fonseca, Wellington Virgolino, gravura de Samico, João Câmara, mural de Brennand, duas pinturas de Aldemir Martins, uma de Jenner Augusto e detalhe de escultura de Mário Cravo. Está certo mas eu queria mostrar artistas menos conhecidos. No artigo cito, me detendo em alguns, Armando Lacerda, Raul Córdula, Antônio Dias, Antônio Alves Dias, Gina, Mestre Noza, Aldemir Martins, Antônio Bandeira, Chico da Silva, Carmélio Cruz (que conheci em São Paulo, casado com Rosa, que foi do Atelier Coletivo), Lívio Xavier e seu design popular, pedindo não confundir com o grande jornalista Lívio Xavier, que escrevia n’O Estado de S. Paulo, Ana das Carrancas que conheci em Petrolina, cujo marido cego Zé Vicente, José Vicente de Barros, faleceu hoje enquanto escrevo estas linhas (30/maio/14), em homenagem a quem sua mulher furava os olhos de suas figuras de barro, Irani, Iaperi e Iaponi Araújo, Gilvan Samico, Flávio Tavares, José Altino, Guita Charifker, Luciano Pinheiro, Raimundo Oliveira, que teve um papel importantíssimo na minha vida, para casa de quem fugi, para Feira de Santana, ao deixar de estudar, anos 50, tem no meu primeiro livrinho Viagem de um jovem pintor à Bahia de 1965, Frans Post, Nhô Caboclo, ressaltando: “Também não me dedico, prioritariamente, em ser um informado sobre o que acontece nas artes no Nordeste. A revista Cultura, através do meu depoimento — assim penso eu —, quis aquilatar como anda a informação sobre o assunto na região: o que um artista ativo no Recife sabe do que se passa em sua volta”. Continuemos: Carybé, Hansen, Rubem Valentim, Agnaldo, Mirabeau Sampaio, Lênio Braga, Brennand, Lula, Dorian Grey Caldas, Newton Navarro. Lamento a perda da coleção de santos de Abelardo Rodrigues para a Bahia, cito “o entalhador Pacheco, entalhando portas nas fazendas do Rio Grande do Sul” e “o entalhador Romildo Ferreira de Albuquerque, natural de Olinda, cujo breve currículo encontro em São Paulo: ‘Escultor, autodidata, participou do clube de Adão Pinheiro’ ”. Ainda Humberto Magno, Wilton Souza que cita Sante Scaldaferri, Roberto Franco, Calazans Neto, Emanuel Araújo, José Maria, Juarez Paraíso, Fernando Coelho, Tati Moreno, Liêdo Maranhão, Sônia Rangel, “Luiz Jasmin, que a princípio confundia com o pernambucano Luiz Jardim, Antoneto, Vanda do Nada” e perguntava: “Será que existem?”

Um dia fui pintar com Sandro Maciel, a essa altura meu ajudante, e Álvaro Caldas que nos levou em seu carro. Meio-dia, o sol tinindo; um calor danado, nada ao alcance da vista que nos pudesse acudir, todo mundo de garganta seca, não havíamos trazido nada, nem uma garrafa de aguardente como sempre fazia quando saía com Guita Charifker e Eduardo Araújo. Estávamos do lado da igreja de Vila Velha, Itamaracá: vejo e não acredito, acho que Sandro e Alvinho também não, um afro-brasileiro (é a única palavra que me ocorre que não seja preconceituosa, por enquanto, acho) jovem, alto, esguio, elegantíssimo, vestido de branco e com luvas brancas, desceu do céu e pousou ao meu lado que não o vi nem ouvi chegar, só podia ter descido das nuvens, sorriso de belos dentes branquíssimos, me estendia uma bandeja com copos com gelo e uma garrafa de ótimo escocês. Nos entreolhamos sem saber que tipo de brincadeira era aquela. “Seu Luiz mandou”, disse o rapaz. Que Luiz, que não conhecíamos nenhum Luiz em Itamaracá? E antes que a visão esvanecesse, não quis saber de mais nada, nem quanto custava, batemos mão à garrafa enquanto Luiz Jasmin surgia aproximando-se de entre as sombras da casa dele ali perto, a poucos metro da gente. Eu só não acredito em Deus porque não presto, mas na minha vida muitas vezes aconteceram coisas assim. Depois nos encontramos no Shopping Tacaruna, voltei em casa dele, mas ele ficou sempre para mim como um sonho bom como quando o conheci.

No artigo da Cultura vejo que inda cito Ramiro Bernabó, filho de Carybé, Guel Silveira, filho de Jenner Augusto, José de Dome, João Alves e Rafael, o pessoal do Atelier Coletivo: Ionaldo de Andrade Cavalcanti, Ivan Carneiro, Marius Lauritzen Bern, Corbiniano, Celina Lima Verde, Bernardo Dimenstein, Adão Pinheiro, Anchises Azevedo, Nelbe Rios, Abelardo da Hora e Maria de Jesus, Helio Feijó, e mais Aloísio Magalhães, Ladjane Bandeira, Tilde Canti, outros mais antigos, Augusto Rodrigues, Lauria, Luiz Soares, Carlos Hollanda, Percy Lau, Elezier Xavier, Nestor Silva, Álvaro Amorim, filho de Carlos Amorim, aí vem Darel, o caricaturista Péricles, Vicente do Rego Monteiro, Mirella Andreotti, Silvia Pontual, Miguel dos Santos, Delano, Maria Carmen, Fernando Guerra, Tiago Amorim, Emanuel Bernardes, José Tavares, Xixtiano, Roberto Amorim, Montez, Jorge Tavares, José Tavares, Ismael Caldas, Roberto Lúcio, Helenos, Sérgio Lemos, Marcos Cordeiro, Jairo Arcoverde, Conceição Cahu, Fernando Lopes, Plínio Palhano. Terminava dizendo: “Os outros que me perdoem. Ou façam como eu: escrevam”.

Faz 36 anos. Hoje o espaço não caberia os nomes dos artistas ativos, no Recife, embora se fale do fim da arte, das dificuldades de vender quadro. Uma ou outra exceção, pintor que dizem que ganha muito dinheiro com sua pintura, como Romero Britto: eu bato palmas, avante companheiro, está ganhando com o que é seu, chega de pintor choramingas. 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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