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Jerusalém: Seguindo os passos do Cristo

Declarada Patrimônio Mundial da Unesco em 1981, a cidade israelense e seus arredores mobilizam um fluxo de turismo religioso anual de quatro milhões de pessoas

TEXTO Ricardo Japiassu

01 de Abril de 2015

Muralhas medievais, erguidas entre 1535 e 1538, cercam a cidade, numa extensão de 4.018 metros

Muralhas medievais, erguidas entre 1535 e 1538, cercam a cidade, numa extensão de 4.018 metros

Foto Divulgação

O Salmo 121 de Davi canta: “Jerusalém, cidade bem-edificada, num conjunto harmonioso; para lá sobem as tribos de Israel, as tribos do Senhor”. É justamente essa impressão que o peregrino – um entre os quatro milhões de turistas que visitaram a Terra Santa em 2014, segundo o Ministério do Turismo de Israel – tem, ao vislumbrar as muralhas medievais que cercam a cidade. Mais ainda à noite, quando as luzes encarnadas iluminam esse Patrimônio Mundial da Unesco, determinado pela ONU em 1981. Circundando a antiga capital, as muralhas foram erigidas entre 1535 e 1538, compondo um esplendor de 4.018 metros, imponentes numa altura de 2,5 metros, esbanjando 34 torres de vigia e oito portas de entrada. Espetáculo maior quando se assiste a um concerto na Terra Santa.

Para visitar os locais sagrados referentes à fé cristã, é preciso ter fôlego e preparo físico, pois, aqui, muito se caminha, percorrendo, a pé ou de ônibus, os passos de Jesus. Por exemplo: na Galileia, o percurso entre os monumentos é feito de ônibus, o que não acontece na antiga capital israelense. Esse ato de fé se inicia na região dos antigos galileus, ao norte de Israel, onde, conforme narrativa dos evangelhos de São Lucas e São Mateus, o Anjo Gabriel anunciou os desígnios de Deus à Virgem Maria, no ponto em que se ergue hoje a Basílica Menor Católica da Anunciação. Construída em 1969, guarda a Gruta da Anunciação no primeiro andar. Uma pequena estalagem em pedra, denotando a simplicidade na qual viviam os filhos de Israel. Guardada pela congregação masculina dos franciscanos, contém em sua parede um presente: quadro em mosaico de Nossa Senhora Aparecida, presente do governo brasileiro de então.


Jesus teria transformado água em vinho no local da atual igreja das Bodas de de Caná. Imagem: Reprodução

Como Jesus iniciou a vida pública de pregações e milagres nessa região, o segundo sítio a visitar é a Igreja das Bodas de Caná, ponto da realização do primeiro milagre público, a transformação de água em vinho. No local, rememora-se a adesão do apóstolo São Bartolomeu – também conhecido como Natanael – que teria inicialmente duvidado da encarnação de Jesus. O Evangelho de São João, no seu capítulo primeiro, aponta na sua voz: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?”. Ali se encontram ainda dois enormes vasos de pedra, conhecidos popularmente na região por talhas, próprias para o armazenamento do vinho, que remontam aportes do feito milagroso do Cristo. Local de celebração de missas, na igreja ocorre também, simbolicamente, a renovação das promessas do matrimônio. Noutro espaço museológico de Caná, é possível conferir escavações arqueológicas realizadas em 1999, nas quais se descobriram alicerces de antiga sinagoga, cujas bases estão expostas à visitação no subterrâneo do templo.

Na peregrinação religiosa, outro local em que há simulações de renovação dos sacramentos católicos é o Rio Jordão, com a realização de batismos, nos quais o sacerdote derrama água do rio na cabeça dos peregrinos. Lá se costuma ler o capítulo três do Evangelho de São Mateus, sobre o batismo de Jesus pelas mãos do último profeta de Israel, o primo João Batista. Rememora-se a profecia de Isaías: “Voz que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as veredas para ele”.

Com profundidade máxima de 5,20 metros e largura de até 18,30 metros, chegando a 390 metros abaixo do nível do Mar Mediterrâneo e desembocando no Mar Morto, o Rio Jordão é bastante salinizado, constituindo fronteira entre Israel e a Jordânia, cortando margens desérticas. Através da transparência de suas águas, é possível vislumbrar peixes coloridos e escutar, no seu entorno, o canto dos pássaros aninhados nos arbustos.


Citado em vários evangelhos, Gólgota é o local  da crucificação e do embalsamento de Jesus. Foto: Divulgação

Na sequência do passeio, que já dura dois dias de peregrinação pelos lugares santos, visita-se o Mar da Galileia, ou de Tiberíades – também chamado de Genesaré –, onde, segundo São Mateus e São Marcos, Jesus caminhou sobre as águas e reuniu os primeiros discípulos pescadores: Pedro, André, João e Tiago. Há boa estrutura para o peregrino, com embarcações entalhadas na madeira, que comportam mais de 60 pessoas, confortavelmente. Dali se segue pelo afluente do Rio Jordão ao local do nascimento de Jesus.

BELÉM
Conta a tradição que o soerguimento da primeira igreja sobre a Gruta de Belém data de 326, sendo, portanto, a mais antiga do mundo, erigida por empenho de Santa Helena. Sob guarda da Igreja Ortodoxa Oriental, da Igreja Armênia e dos franciscanos católicos, a hoje Basílica da Natividade, localizada em Belém (Palestina), é um dos mais antigos templos em atividade no mundo. Aqui, um detalhe: como o Islã considera Jesus o segundo maior profeta de sua religião, o local, para os muçulmanos, também é sagrado. A visita é breve, dada a quantidade de peregrinos que passam pela pequeníssima Porta da Humildade, em que o turista se curva por inteiro, para poder acessar o interior da construção. Esse é o marco da visita dos Reis Magos à manjedoura. A basílica que existe atualmente foi construída sob o domínio do imperador romano Justiniano I. Depois dessa visita, o Monte Calvário.

O Gólgota é mencionado em todos os quatro evangelhos: Mateus, Lucas, Marcos e João. Trata-se do local de crucificação e embalsamamento de Jesus. Este ponto da Jerusalém antiga é muito disputado e reúne peregrinos após a repetição da subida dolorosa do Cristo, ou seja, a via crucis, na qual as marcas da passagem de Jesus com a cruz estão gravadas nas paredes das construções fincadas nas ruas estreitas da antiga cidade sagrada para os judeus. Escreveu São Mateus, no capítulo 27 do seu Evangelho: “E eles chegaram a um lugar chamado Gólgota, que significa o Lugar da Caveira”. O vasto templo foi construído por ordem do Imperador bizantino Constantino, entre 326 e 335, hoje dentro dos muros da cidade. Porém, no tempo de Cristo, encontrava-se situada fora dos muros. No local, há, numa rocha, a indicação do ponto exato da crucificação.


Peregrinos visitam o Rio Jordão para serem batizados, como fez João Batista com Jesus. Foto: Divulgação

Por fim, um toque mariano. Fora dos muros de Jerusalém, encontra-se a Abadia da Dormição, ou Hagia Maria Sion. Aqui se venera a pedra sobre a qual foi posto o corpo da Virgem Maria, quando de sua morte e assunção. O local foi adquirido pelo Imperador alemão Guilherme II, por 120 marcos de ouro, que se fez presente à entidade católica radicada em Israel União Germânica da Terra Santa. O projeto arquitetônico é do alemão Heinrich Renard (1868-1928), que visitou o local em 1899. A pedra inaugural foi fincada a 7 de outubro de 1900, sendo a dedicação da Basílica a 10 de abril de 1910.

Peregrinação cumprida, as pernas cansadas pelo percurso pelas ladeiras de Jerusalém, o regresso assegura sensação de beleza e contemplação. O tempo parece não ter sido implacável em seu avanço, visto que os monumentos que asseguram à história a passagem do Cristo sobre a Terra estão preservados. É regressar ao Brasil cheio de encantamento pelo cuidado com que são tratados os lugares santos, pela simpatia do povo que vive em Israel, e meditar o sobrenatural. 

RICARDO JAPIASSU, jornalista, doutor em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa (USP) e pós-doutor em Teoria Literária (UFPE).

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