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Mercado: O nicho das pequenas editoras

Novos agentes investem em projetos que privilegiam a literatura afetiva, com foco em grupos específicos de leitores

TEXTO Gianni Paula de Melo

01 de Abril de 2016

Ilustração Hallina Beltrão

Para muitos dos brasileiros que valorizam edições bem-cuidadas de livros, 2015 foi motivo de lamentação devido ao encerramento das atividades da Cosac Naify, depois de quase 20 anos de existência. Por outro lado, saindo do território dos grandes selos editoriais do país, o que o ano apontava era um mercado independente renovado e instigante. Ao mesmo tempo em que jovens empresas, como a Relicário Edições, consolidavam seus catálogos, outras, como a Carambaia, lançavam seu primeiro conjunto de publicações.

De linhas editoriais e projetos estéticos diversos, esses novos grupos estabelecem pontos de contato relativos ao modus operandi, conhecem as vantagens e dificuldades de um negócio de pequena dimensão nesse ramo e buscam alternativas às opções de distribuição e divulgação mais tradicionais. Além disso, movidos por paixões literárias específicas, possuem um objetivo semelhante: diminuir possíveis “lacunas” deixadas pelas grandes empresas, lançando nomes estrangeiros pouco conhecidos no Brasil ou fazendo circular novos escritores nacionais.

O desafio em questão, no entanto, salta aos olhos: uma vez que o capital é mais modesto, as ambições também se ajustam a essa realidade. O reduzido poder de negociação, por exemplo, é um problema na rotina desses grupos editoriais, como avalia Fabiano Curi, editor da Carambaia: “Como somos pequenos, pouco conhecidos e, ainda por cima, fazemos tiragens reduzidas, fica mais difícil comercializar com livrarias ou conseguir melhores preços de gráfica. Isso sem contar as dificuldades de infraestrutura, como custo fixo de escritório e manutenção de estoque”.

A ideia de criar a Carambaia surgiu em 2012, mas o trabalho só começou em 2014, com os primeiros livros ficando prontos apenas em março de 2015 – um caminho de amadurecimento trilhado pelo editor, que já havia atuado como jornalista e professor universitário, com doutorado em Teoria e História Literária pela Unicamp. O catálogo proposto por esse selo combina autores que merecem mais atenção do leitor brasileiro, como a italiana Grazia Deledda, vencedora do Prêmio Nobel, com outros nomes mais familiares, como Marcel Proust e João do Rio. “Existe muita coisa boa pedindo para ser editada. Quando digo muita coisa, estou falando de milhares de autores. Incluímos aí muitos autores bem-conhecidos que às vezes têm apenas seus principais livros editados por aqui, mas que possuem outras obras de qualidade”, explica Fabiano.


Carambaia é uma das editoras que trabalha com portfólio que busca
diferenciação de perfil. Imagem: Reprodução


Assim como as desvantagens, os fatores positivos também são consensuais e incluem a flexibilidade, a liberdade e a possibilidade de participar de todo o processo de produção – desde a escolha e negociação dos títulos, passando pela coordenação da tradução e revisão e as decisões do projeto gráfico. Esse é o ponto de vista de Maíra Nassif, que também migrou da carreira acadêmica para a editorial e fundou em Belo Horizonte, em 2013, a Relicário Edições. “A principal vantagem que vejo nas pequenas editoras é que elas podem ser a extensão dos interesses do seu editor e da comunidade literária/intelectual que o cerca – ou seja, o critério de seleção de títulos não é apenas comercial, mas também afetivo e intelectual. Publicamos o que queremos ler, o que queremos que os nossos colegas leiam e o que poderia estar em nossa estante pessoal. Além disso, o fato de sermos pequenos faz com que nosso contato com os autores e com todos os profissionais do livro seja mais próximo.”

Maíra faz a opção de trabalhar com amigos, colegas e professores, que são os responsáveis pela parte gráfica e revisão dos livros. A Relicário aposta principalmente em obras teóricas e ensaísticas dos campos da Filosofia, Estudos Culturais e Ciências Humanas, como Antiga musa (arqueologia da ficção), do professor da UFMG Jacyntho Lins Brandão; mas também tem dado sua contribuição para alargar o acesso à literatura estrangeira com a tradução de obras como A vida porca, do argentino Roberto Arlt.

Idealizada dois anos antes e também com um pé em Minas Gerais, a Chão da Feira, formada por Carolina Fenati, Júlia Hansen, Luísa Rabello e Cecília Rocha, trata-se de um selo que se caracteriza por publicar pouco e em ritmo lento. “Acho que há na proposta da editora uma decisão de leitura, ou um desejo de leitura que é também político. Escolher os textos a serem publicados não é tornar-se juiz, julgá-los entre bons e maus, mas procurar entender a inteligência que neles opera”, observa Carolina.

A parceira Júlia Hansen, por sua vez, problematiza a ideia de que as pequenas editoras atuariam nas “brechas” deixadas pelas maiores: “a quantidade de textos que podem ser potencialmente publicados sempre vai ser maior do que o que já está publicado. Isso vai fazer, necessariamente, com que a gente possa apontar ‘lacunas’ no trabalho dos outros. Não acho, no entanto, que a Chão da Feira trabalhe com ‘brechas’, porque certamente não estamos publicando migalhas, nem coisas que ‘sobraram’”. Dentre as publicações do catálogo do grupo, estão o livro Literatura, defesa do atrito, de Silvina Rodrigues Lopes, e a revista Gratuita.

ESCRITA EM PARCERIA
Enquanto a Chão da Feira transita entre diferentes gêneros e não possui um critério geral para seu catálogo, a Luna Parque se compromete, desde o ano passado, com a poesia. Os primeiros livros da editora foram escritos em dupla, retomando um modelo de criação mais dialogado, que remete a alguns mecanismos da geração da década de 1970. “A gente não queria editar livros que já estivessem prontos, mas propor aos autores projetos paralelos e em pequenos formatos: encomendar livros em que fosse possível ocorrer essa conversa. Foi assim que escolhemos duplas que poderiam criar esse diálogo”, pontuou a poeta e editora Marília Garcia, que fundou a Luna Parque junto ao também escritor Leonardo Gandolfi.

Em sua opinião, os grandes grupos editam pouca poesia e traduzem poucos poetas estrangeiros, ao mesmo tempo em que as livrarias costumam ser padronizadas e raramente apresentam uma estante para obras que fujam do lugar-comum. Paralelamente, a recepção também é tímida, os livros desse gênero são pouco resenhados. “Embora o discurso para justificar esse lugar da poesia seja o da falta de interesse do público ou o da venda escassa, achamos que há, sim, um interesse por traduções e pela produção contemporânea. Nós dois somos leitores em busca disso, e a ideia da editora também vem daí: em vez de reclamar que falta tradução, que falta espaço, que falta isso e aquilo, vamos produzir nessa brecha algo mínimo, mesmo que seja de pequena circulação”, diz Marília. Ela também acredita que o mercado editorial brasileiro é muito concentrado e que o número crescente de pequenas editoras surgindo se deve à possibilidade digital, uma vez que é viável diagramar e imprimir exemplares em casa, com poucas ferramentas e por um custo acessível.

Justamente esse quadro despertou o italiano Gianluca Giurlando a trazer a Rádio Londres para o país, quando interrompeu 13 anos de trabalho no setor financeiro em Londres para se dedicar ao sonho de montar uma editora de ficção. “Achei o mercado editorial brasileiro extremamente interessante, por conta da falta de editoras independentes de ficção internacional e da mescla de diferentes gerações de leitores; é um mercado ainda jovem e cheio de oportunidades, cuja principal deficiência é o baixo número de livrarias e o fato de que quase todas são concentradas nas grandes áreas metropolitanas”, opina Gianluca.


Trazida para o Brasil pelo italiano Gianluca Giurlando, a editora
Rádio Londres investe nas diversas de gerações de leitores. 
Imagem: Reprodução


Duas obras do catálogo da Rádio Londres se destacaram em 2015 – Tirza, de Arnon Grunberg, e Stoner, de John Williams –, e o plano é continuar investindo forte nesse nicho da ficção internacional. “Atualmente, as grandes editoras parecem se interessar quase exclusivamente pelo mercado de língua inglesa. Até mesmo países de grande tradição literária, como a França e a Alemanha, são ignorados. Também não tem muita atenção para a literatura nórdica, nem países como Itália e Espanha. Tirando os clássicos, a literatura russa mais recente praticamente não foi traduzida no Brasil”, comenta o editor.

Outro grupo que também tem se empenhado nessa vertente é a Mundaréu, liderada por Silvia Naschenveng e Tiago Tranjan. O desejo que ela nutria de abrir uma editora ganhou força após a leitura da biografia de Albert Camus, na qual há uma referência à atuação dele no conselho editoral da Gallimard. Tiago, por sua vez, é professor universitário de Filosofia, especializado em Lógica, e sempre lamentou os buracos bibliográficos em sua área, uma ausência ainda mais sentida quando se trata dos textos alemães. “Uma das motivações centrais para abrir a editora, então, é a de tornar disponíveis em português obras de alcance cultural, mas não necessariamente com apelo comercial imediato”, explica Silvia. O destaque do catálogo, atualmente, é a coleção Linha do Tempo, que reúne textos fortemente marcados pelo contexto histórico em que foram escritos.

Para uma parcela desses editores, enquanto a produção é o momento prazeroso, a distribuição e a divulgação compõem a etapa dos obstáculos e, por vezes, aborrecimentos. Nesse contexto, as redes sociais são grandes aliadas para fidelização de leitores. Ao mesmo tempo, algumas livrarias fora das grandes redes também oferecem condições mais interessantes para as pequenas editoras, como é o caso da Blooks, em São Paulo e no Rio de Janeiro. No entanto, a venda pelo próprio site tem sido a maior aposta desses selos, como comprovam a Luna Parque e a Chão da Feira.

Na opinião da editora Maíra Nassif, há uma matemática injusta nessa etapa. “Se você não possui boa distribuição, sua tiragem precisa ser menor, para não sobrecarregar o estoque. Porém, uma tiragem menor significa que o custo unitário de cada exemplar será mais alto e, consequentemente, o valor da venda sobe”. 

GIANNI PAULA DE MELO, jornalista e mestranda em Teoria Literária na Unicamp.

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