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O desenho da capa

Artistas visuais que ficaram conhecidos pelas ilustrações de álbuns e pelo desenvolvimento de projetos gráficos

TEXTO Débora Nascimento

01 de Outubro de 2016

Capas feitas por Stanley Donwood, autor do projeto gráfico da banda Radiohead

Capas feitas por Stanley Donwood, autor do projeto gráfico da banda Radiohead

fotos reprodução

[conteúdo vinculado ao especial da ed. 190 | outubro de 2016]

Longos cinco anos de espera para a chegada de um novo disco do Radiohead. A expectativa justifica-se por tratar-se daquela que é considerada, por críticos e público, a melhor banda da atualidade ou, no mínimo, uma das mais inquietas, autora de três obras-primas do rock dos últimos 20 anos, Ok, computer (1997), Kid A (2000) e In rainbows (2007). O 9o álbum do quinteto, lançado em maio deste ano, chegou dividindo opiniões, assim como o anterior The king of limbs (2013). No entanto, algo se mantém no trabalho do quinteto inglês, além da vontade de se reinventar: o estilo da capa dos seus discos. A arte de A moon shaped pool foi assinada pelo pintor e escritor inglês Stanley Donwood (pseudônimo de Dan Rickwood).

Além das capas, ele é responsável, ao lado do compositor e vocalista Thom Yorke, por todo o material de divulgação da banda, desde o site oficial até camisetas, e o conceito visual para o projeto paralelo do bandleader, Atoms for Peace, que, além de Nigel Godrich, Flea e Joe Waronker, conta com o percussionista brasileiro Mauro Refosco.

Amigo de Yorke desde o começo dos anos 1990, o artista plástico foi convidado para fazer o primeiro single do álbum The Bends (1994), My iron lung. A partir de então, tornou-se o tradutor do som da banda em imagens. À medida que a sonoridade do Radiohead ficava menos pop, mais hermética e complexa, suas capas refletiam isso. Basta comparar a questionável arte de Pablo honey (“O rosto de um bebê com olhos arregalados – o que raios isso tem a ver com Radiohead?”, critica Doonwood) para The bends e a guinada que aconteceria em Ok, computer.

É inegável que a colaboração com o Radiohead ajudou a projetar o nome de Donwood. Suas exposições se tornaram bastante concorridas devido à fama decorrente. O artista tem exposto em países como Itália, Japão e Austrália – em que contou com paisagem sonora criada por Thom Yorke. Em 2002, ele foi convidado para fazer a arte do Glastonbury e vem sendo, desde então, encarregado pelo projeto gráfico do festival. Outro relevante trabalho foram as 21 capas para os livros de J.G. Ballard.

A importância que o Radiohead dá ao projeto gráfico de seus álbuns é tanta, que a banda não apresenta o resultado final do disco ao artista plástico para que conceba a arte, mas o convoca para que acompanhe as gravações. “Parece-me que estão tocando o mesmo trecho de música por vários dias, mas não estão, estão testando. Isso é muito bom, me faz encontrar a imagem da música”, disse Donwood ao Sydney Morning Herald, quando expôs na capital australiana em maio do ano passado.

Em 2002, a colaboração entre Donwood e Yorke rendeu o Grammy de Melhor Embalagem para a edição especial de Amnesiac, sob a forma de um livro de capa dura ilustrado pelo artista e pelo vocalista (com o pseudônimo de Tchocky). A premiação já honrou o trabalho de Peter Blake (Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Beatles, 1968), Wilkes & Braun (Tommy, do Who, 1974), Peter Corriston (Tattoo You, dos Rolling Stones, 1982), Irving Penn (Tutu, de Miles Davis, 1986), Peter Buchanan-Smith e Dan Nadel (A ghost is born, do Wilco, 2005) e Michael Amzalag & Mathias Augustyniak (Biophilia, de Bjork, 2013).

OUTROS COLABORADORES
Outros artistas também tiveram suas carreiras marcadas pela assinatura de capas de discos, como os norte-americanos Raymond Pettibon, autor de Goo (1990), do Sonic Youth, e Patrick Nagel (1945-1984), que criou a de Rio (1984), do Duran Duran. Mais recentemente, o terceiro álbum do Tame Impala, Currents (2015), projetou o jovem norte-americano Robert Beatty. Ele já havia realizado outras para artistas independentes, mas sem o mesmo impacto.

A ligação de artistas plásticos com o projeto gráfico de discos vem de longe e tem seu exemplo clássico no début do Velvet Underground, o “disco da banana” (1967), apontado como uma das melhores capas da história. O ícone da pop art começou sua colaboração visual na música em 1949, aos 21 anos, para o álbum do maestro mexicano Carlos Chávez, A program of mexican music. As ilustrações bem-comportadas de então eram diferentes do estilo que o definiria duas décadas depois, com capas notáveis como a do Sticky fingers (1971) e Love you live (1977), dos Rollings Stones, e Liza Minnelli At Carnegie Hall (1981).

Na capa de Piano Music of Mendelssohn and Liszt (1951), de Vladimir Horowitz, Warhol esboçava a exploração das cores que aplicaria às incontáveis capas de jazz para o selo Prestige. E, dois anos depois, em William Tell Overture; Semiramide Overture (NBC Symphony Orchestra/Arturo Toscanini) (1953), de Gioachino Rossini, usou, pela primeira vez, uma fruta na capa de um disco, uma maçã.

Outros artistas realizaram marcantes capas de discos, como H.R. Giger, para o primeiro álbum solo de Debbie Harry, Koo Koo (1981); Klaus Voormann, autor do desenho de Revolver (1966), dos Beatles; Jean-Paul Goude, nome por trás de Island life, de Grace Jones; Alexander McQueen, estilista que criou o vestido e a concepção da capa de Homogenic, de Björk (1994), a dupla Karl Klefisch e Günther Fröhling, que fez as do Man Machine (1978) e do Computer World (1981), do Kraftwerk. A primeira foi inspirada no designer, fotógrafo e arquiteto russo El Lissitzky (1890–1941), que influenciou a escola Bauhaus. A banda Franz Ferdinand também homenageou Lissitzky nas imagens de seus discos.

Mas raros profissionais fizeram tantas capas quanto Storm Thorgerson. Podemos dizer que o designer gráfico inglês não construiu o projeto visual de seus clientes, afinal o que eles realmente queriam era sua marca nos invólucros de seus álbuns e, quem sabe, que repetisse o feito das artes realizadas para o Pink Floyd, como o porco gigante sobrevoando a estação de energia em Animals, o executivo em chamas de Wish you were here, a vaca de Atom heart mother e sua obra mítica, Dark side of the moon. Quando Thorgerson faleceu em 2013, o guitarrista David Gilmour, demonstrando entender o real significado que um produto artístico como esse conquista no imaginário coletivo, fez um comunicado afirmando que as criações do seu amigo “eram parte inseparável do trabalho do grupo”. 

 

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