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Malta: joia insular

O arquipélago maltês entrou para a rota de viajantes que buscam unir o interesse por História e Arquitetura a praias paradisíacas banhadas pelo Mediterrâneo

TEXTO Guilherme Carréra

01 de Janeiro de 2017

Embarcações fazem o trajeto até Comino, onde fica a Lagoa Azul

Embarcações fazem o trajeto até Comino, onde fica a Lagoa Azul

Foto Clarissa Gomes

[conteúdo da ed. 193 | janeiro 2017] 

Ao sul da italiana Sicília e ao norte da africana Líbia, o Mar Mediterrâneo dá abrigo a um pequeno país formado pelas ilhas de Malta, Gozo e Comino, além de outras ilhotas desabitadas. Paulatinamente, esse arquipélago de apenas 316 km² e cerca de 450 mil habitantes foi se transformando no disputado destino que hoje é – escolhido pela revista National Geographic Traveler como um dos 21 locais imperdíveis para se visitar em 2017. Sua trajetória recente nos ajuda a decifrar esse interesse crescente. No ano de 1964, Malta resolveu declarar-se independente do Reino Unido. Uma década depois, tornou-se república. Em 1980, viu sua capital Valetta ser eleita Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Um salto temporal de 24 anos e o país passou a ser membro da União Europeia. Em 2008, enfim, a assimilação do euro como moeda culminou em atrair mais e mais viajantes. E esse fluxo, desde então, só aumenta.

O pernambucano Thiago Benevides, 27 anos, aterrissou na ilha em fevereiro do ano passado, a trabalho. “Comecei a procurar vagas como engenheiro de testes em países que falassem inglês. Mandei meu currículo para uma empresa maltesa e fui chamado”, explica. Entre outubro de 2015 e a chegada ao novo país, só deu tempo de pedir demissão do antigo emprego, finalizar o mestrado e juntar toda a papelada. “Cheguei ainda no inverno, me hospedei longe do centro e minhas impressões não foram as melhores.” No dia seguinte, tudo aquilo que encanta os olhos dos turistas começou a fazer sentido. “Fui comer uma pizza à beira-mar e relaxei na hora.” De lá para cá, Thiago anda curtindo as benesses de morar em um país compacto, seguro e turístico. “Além das praias e das cidades históricas, andar pela rua e ouvir vários idiomas diferentes é massa.”

À parte os turistas, a diversidade étnica não pode ser considerada um dos fortes da ilha. De acordo com o Censo 2011, apenas 5% da população se identifica como não sendo maltesa. Paradoxalmente, a cultura local é resultado da junção de tantas outras que dominaram o arquipélago – antes dos britânicos, também franceses, romanos e muçulmanos, entre outros povos, deixaram suas marcas nessa terra. O idioma maltês, por exemplo, soa como uma mistura do árabe e do italiano. O inglês, no entanto, figura como a segunda língua oficial. Na prática, cá entre nós, nem todo mundo é fluente. Mas o turista não chega a passar apuros. Os intercambistas, por sua vez, têm investido no destino para praticar (essa língua)– afinal, sai mais em conta do que desembarcar no Reino Unido. Duro deve ser manter a assiduidade nas aulas, quando o verde-esmeralda das águas grita por atenção do lado de fora.

ALTA ESTAÇÃO
É o mar o principal cartão-postal de Malta. O norte do país fica encarregado das praias mais populares. A Mellieha Bay, de maior extensão, e a Golden Bay, ladeada por falésias, costumam lotar na alta estação, entre os meses de junho e agosto. Mais ao sul, a St. Peter’s Pool fica em Marsaxlokk, onde um mercado popular movimenta o vilarejo de pescadores. Dá para almoçar um peixe fresco, depois de saltar do alto do penhasco para a tal Piscina de São Pedro. Aqui, não tem areia. É canga estendida sobre as pedras, caso queira se bronzear. Para acessar essas e outras praias, vale considerar o aluguel de veículo motorizado, já que o transporte público não funciona a contento. A constatação vem de Joseph Marmara, maltês de 32 anos. “Sem dúvida, esse é um dos pontos que podem ser melhorados.” Nascido e criado na ilha, Joseph diz que se acostumou a viver rodeado de mochileiros, sobretudo durante o verão, e que não pensa em se mudar. “Eu adoro o clima, o mar e o lifestyle daqui.”

Na vizinha Comino, encontra-se a melhor das paisagens. Um punhado de empresas faz o trajeto a partir de Malta, com preços e duração variados. Normalmente, saindo no início da manhã e retornando ao final da tarde. O que importa mesmo é atracar na Blue Lagoon. Considerada uma das praias mais bonitas da Europa, a Lagoa Azul não tem esse nome à toa. É lá que o verde-esmeralda mediterrâneo encontra o azul cristalino caribenho. Nem a temperatura da água (um tanto fria, se comparada às do nordeste brasileiro) ofusca esse quadro vivo. Guarda-sóis e espreguiçadeiras, alguns quiosques de comes e bebes e estandes para aluguel de boias e afins ocupam a estreita faixa de areia. Querer esse paraíso só para si já é um pouco demais…

Por estar a mais ou menos 80 km da Itália, a influência das pizzas e massas na gastronomia é notória, embora o ensopado de coelho seja considerado o prato nacional. De volta à Malta, na orla de St. Julian’s, por exemplo, o grupo San Giuliano oferece três restaurantes com pitada italiana. O casual Raffael, o charmoso Girasole e o homônimo San Giuliano, todos com vista para os barcos e iates ancorados na Spinola Bay. O calçadão de Sliema não fica muito atrás no número de opções. De frente ao mar, o Fresco’s tem cardápio variado, com entrada, prato e sobremesa, mas a ambientação aconchegante é que rouba a cena. Do outro lado da rua, a RivaReno é o endereço certo para amantes de sorvete. Fundada em Bologna, a franquia italiana faz sucesso. Produtos locais, frutas orgânicas e preparo diário impulsionam a degustação.

CENTRO HISTÓRICO
Os hotéis, tanto de St. Julian’s como de Sliema, disputam hóspedes com Valetta. Na verdade, as três cidades mais parecem bairros, uma vez que se pode caminhar de uma a outra com relativa facilidade. Se a vida noturna nas duas primeiras parece mais intensa (os notívagos agradecem), a capital conta com um centro histórico preservadíssimo a seu favor. Construída no século XVI, a cidade tem na Catedral de São João uma de suas mais importantes edificações. Finalizado em 1577, o templo é o símbolo maior do catolicismo, a principal religião na ilha. Da temporada que passou em Malta, o pintor italiano Caravaggio deixou como legado à catedral a tela A decapitação de São João Batista (1608), a maior e a única assinada pelo autor. O tíquete de 10 euros é o valor para pôr os olhos sobre a obra.

Uma caminhada pelo entorno revela uma cidade quase que coberta por um manto cor de mel. A maioria das fachadas tem tonalidade amarelada, o que acaba criando um interessante diálogo com os tons terrosos da vegetação mediterrânea. Do alto dos Jardins Superiores de Barrakka, ideal para fotos do Grande Porto, essas cores se sobressaem. Com entrada gratuita, o parque fica aberto todos os dias. Mais adiante, o pedestre alcança os Jardins Inferiores de Barrakka, localizados em frente ao Memorial do Sino do Cerco, um monumento em homenagem aos sete mil soldados malteses mortos na Segunda Guerra Mundial. Colônia britânica, o país serviu como importante entreposto aos Aliados durante o conflito bélico.

Seguindo à região central da ilha, Mdina (assim mesmo, sem a letra “e”) costuma ser tão visitada quanto Valetta por ser um exemplar da arquitetura da Idade Média. Amurada, a antiga capital consegue ser ainda mais pitoresca do que a atual. Na praça central, a Catedral de São Paulo, erguida no século XII e reconstruída entre 1696 e 1705 devido a um terremoto, exige a visita. Mas é nos becos e esquinas que Mdina fica ainda mais fotogênica. Para a maltesa Daniela Galea, 21 anos, não existe similar. “Ela é conhecida como a Cidade Silenciosa. Carros não estão autorizados a circular por ali, o que facilita as caminhadas. Nada pode ser comparado àquele conjunto de prédios históricos.”Aos domingos, até os residentes frequentam seus bares e restaurantes. Ainda sem previsão de volta, Thiago encontrou em Malta a chance de se infiltrar não só entre esses residentes, mas em uma cultura única, plural. “Pensar que este território foi colônia de tantos países e, ainda assim, consegue exprimir singularidade, dá uma amostra de como o lugar é especial.” Daquelas primeiras impressões como recém-chegado, quase nada restou. Ele só se queixa de uma certa dificuldade em fazer viagens para além-mar. “É preciso se programar com bastante antecedência para conseguir voos baratos.” Uma alternativa é tomar um ferry rumo a Sicília, a rota mais comum para quem deseja ir ao continente. Uma hora e 45 minutos depois, atraca-se em Pozzallo, extremo sul da Itália. E uma nova aventura está prestes a começar. 

 

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