Curtas

Gustav Klimt

100 anos de morte do pintor austríaco

TEXTO Carol Botelho

01 de Fevereiro de 2018

A obra 'Retrato de Adele Bloch-Bauer I, de Klimt, foi confiscada pelos nazistas e recuperada posteriormente

A obra 'Retrato de Adele Bloch-Bauer I, de Klimt, foi confiscada pelos nazistas e recuperada posteriormente

Imagem Reprodução

[conteúdo na íntegra (degustação) | ed. 206 | fevereiro 2018]

Poucos artistas
mergulham tão profundamente e de maneira tão particular no universo feminino como Gustav Klimt (1862-1918). Sensuais ou eróticas, as mulheres do pintor austríaco emanam um ar de lascívia romântica em olhos semicerrados, lábios entreabertos. Por vezes totalmente nuas, sozinhas ou acompanhadas, grávidas, com a prole nos braços, fortes, frágeis, velhas, jovens, cercadas por abstrações oníricas e criaturas realistas. Não é difícil se identificar com aquelas imagens.

Pensar no erotismo que chocou a sociedade de então ao ver obras como Masturbação feminina é lembrar o conservadorismo atual, que tem provocado o fechamento de exposições de arte no Brasil. Prova de que o novo sempre arrepia cabelos e mentes estáticas. Taxadas como pornográficas, as telas do pintor vienense também geraram protestos e repulsa. Os escandalizados, porém, não conseguiram impedir a projeção de Klimt, que alcançou popularidade mundial e status de um dos maiores pintores da história.

A relevância do artista justifica as homenagens em forma de exposições, que ocorrem durante todo este ano, em Viena, pelos 100 anos da morte de seu filho pródigo, completados no dia 6 de fevereiro. Também em 2018 faz um século da morte de outros modernistas importantes e vienenses como Egon Schiele, Otto Wagner e Koloman Moser. Eles causaram não somente mudanças artísticas, mas também simbolizaram as transformações de comportamento e pensamento da virada do século XIX para o século XX.

Até 10 de junho, o Museu Leopold exibe Viena em torno de 1900! Klimt – Moser – Gerstl – Kokoschka, com obras como a impactante Morte e vida, em que se observam pessoas de todas as gerações, como uma família, entrelaçadas pela colcha de retalhos de formas geométricas arredondadas e coloridas de seu estilo art nouveau/simbolista, como se fosse um casulo. Ao lado, separado por um espaço preto infinito, o fúnebre casulo da caveira decorado por cruzes.

Na individual Gustav Klimt (22 de junho a 4 de novembro), também no Museu Leopold, o público poderá visualizar, afora o acervo permanente, a coleção privada da família que dá nome à instituição, além de obras da Fundação Klimt pertencentes a um dos prováveis 17 descendentes do pintor, e empréstimos internacionais de obras de outros museus. Destaque para uma de suas várias pinturas deixadas inacabadas. A noiva marca uma mudança do estilo art nouveau para o Expressionismo.

No grandioso Palácio e Museu Belvedere (22 de março a 26 de agosto), o mote da exposição Beyond Klimt é a análise de uma era artística que se finda com as mortes de Klimt, Schiele, Moser e Wagner. Cerca de 80 obras estarão expostas.

Também seria interessante conhecer um dos espaços em que Klimt passava horas a fio observando suas modelos nuas. Chamado de Klimt Villa, o estúdio foi utilizado pelo pintor entre 1911 e 1918. Após ser destruído pelos nazistas, o local foi recuperado e preservado.

E no Kunsthistorisches Museum Vienna, ocorre Escada para Klimt. A Ponte Klimt + Nuda Veritas (13 de fevereiro – 2 de setembro). O destaque dessa mostra é principalmente a montagem: a uma altura de 12 metros, os visitantes têm uma visão de 13 pinturas desenhadas entre os pilares e as arcadas. Trata-se das mais importantes das primeiras obras de Klimt. Elas são acompanhadas pela pintura em larga escala Nuda Veritas, um nu frontal feminino que segura um “espelho da verdade”. A obra traz a seguinte frase de Egon Schiller: “Se não pode agradar a todos com teus méritos e tua arte, agrada a poucos. Agradar muitos é ruim”.

Já no Bank Austria Kunstforum Wien, Do estranho ao novo – Fascinante Japão. Estética do Extremo Oriente e alvorecer do Modernismo na Europa (10 de outubro de 2018 a 20 de janeiro de 2019), a exibição gira em torno do fascínio pela estética japonista, que serviu de inspiração tanto para Gustav Klimt, quanto para Egon Schiele, Edgar Degas e Henri de Toulouse-Lautrec. Basta perceber nas pinturas de Klimt os motivos decorativos de suas mantas e vestidos que se misturam aos corpos pintados, sem linha que os separe.

ARTISTA POP
Em 1988, quando completou 70 anos do falecimento do artista e a sua tela mais famosa, O beijo, chegou ao domínio público, foi tão largamente reproduzida que o que antes escandalizava virou souvenir frugal, tatuagem, estampa de tecido para roupas e artigos de decoração e toda a sorte de bugigangas. Só não caiu na banalização da cópia eufemisticamente batizada de releitura porque, felizmente, conta com um estilo difícil de ser imitado.

Claro que, em certos contextos, a reprodução pode se tornar arte também. Em 2013, o artista sírio Tammam Azzam replicou O beijo na parede de um edifício atingido pelos bombardeios em Damasco, em um belo protesto contra a guerra.

Antes disso, houve perdas irreparáveis em nome da ignorância. Na Segunda Guerra, os nazistas destruíram as polêmicas pinturas Filosofia, Medicina e Jurisprudência, que decoravam o teto do salão principal da Universidade de Viena. Elas despertaram a ira dos nazistas pelo conteúdo supostamente pornográfico, pois o artista fez uma releitura sexual de símbolos tradicionais.

Os ditadores alemães também confiscaram o Retrato de Adele Bloch-Bauer I. A tela só foi recuperada mais tarde, pela sobrinha, Maria Altmann, e vendida, em 2006, por US$ 135 milhões, uma das 10 obras mais caras do mundo. A história virou livro A dama dourada, retrato de Adele Bloch Bauer – a extraordinária história da obra-prima de Gustav Klimt, escrito por Anne-Marie O’Connor e lançado em 2015 pela editora José Olympio. No mesmo ano, também chegou ao cinema o filme Klimt, pelas mãos do diretor Raoul Ruiz, que escolheu o ator John Malkovitch para interpretar o pintor.

Viena entrou na vanguarda moderna quando Klimt encabeçou o Grupo de Secessão, em 1897, rompendo com movimentos tradicionais como Realismo, Naturalismo e Positivismo. Pintores, arquitetos e decoradores integrantes do grupo criaram uma revista, a Sagrada Primavera, com o objetivo de divulgar suas ideias, embaladas pelo lema: “Para cada época, sua arte, e para a arte, a liberdade”.

CAROL BOTELHO é jornalista de Artes Visuais e Moda.

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