Depoimento

Como se fala Agreste?

TEXTO Carlos Mélo

01 de Setembro de 2018

Durante a Residência Belojardim, Carlos Mélo produziu uma escultura de ossos bovinos que questiona a demarcação de território quilombola

Durante a Residência Belojardim, Carlos Mélo produziu uma escultura de ossos bovinos que questiona a demarcação de território quilombola

Foto Geyson Magno

[conteúdo exclusivo para assinantes | ed. 213 | setembro de 2018]

Bienal, residência artística, exposições, colóquio de fotografia, numa região deslocada do circuito das artes visuais do estado de Pernambuco, é o Agreste cumprindo a natureza do seu anagrama, resgate. Um simpósio para discutir a importância da Bienal do Barro acontece, este mês, em Caruaru, convocando a comunidade, artistas e curadores a uma reflexão em torno das questões relacionadas à cena das artes visuais na região. O projeto da bienal surgiu de uma obra, um anagrama de neon, e, por isso, é importante perceber como os contorcionismos semânticos funcionam, sobretudo nos meus trabalhos/proposições, enquanto plataformas conceituais de pesquisa para gerar territórios poéticos e de ação. Como espécie de expedição da palavra, este “desvio para o agreste” vem buscando na transculturalidade índices rizomáticos de trocas e novas visibilidades.

Comecei a pensar a Bienal do Barro em 2005, a partir do poema OCORPOBARROCO que, fracionado, ativa três núcleos: o corpo, o barro e o oco. A ideia era uma obra expandida abrindo campos de percepção e compreensão do barro, para além do artístico ou industrial, voltada para a comunidade e com dimensões históricas. Veio a ideia de uma bienal. Mas por que uma bienal? Não existe função específica para uma bienal de arte, porque ela em si já ativa condições para que algo aconteça, sobretudo na aridez cultural que se encontra todo território nacional. Se uma exposição de arte a cada dois anos acessa o público e é acessada por ele, algo se move.

Como diz o filósofo Didi-Huberman: “A liberdade como artista só faz sentido se estiver a serviço da liberdade do outro, dos sem nome”, a serviço “d’aquele povo que vive ali”. Portanto, a Bienal do Barro é um projeto no qual toda ideia em torno da arte como lugar de liberdade e engajamento toma forma, em que não se esquece a linha de conflito, vê-se a arte como ponte de atravessamento para promover conhecimento.

Conta a história que um prefeito, cuja crueldade caseira se estendia para vida pública, destruiu e saqueou o Museu do Barro de Caruaru. Questionado pela imprensa, à época, ele disse que quem gosta de barro é minhoca. É nessa depreciação, nessa categorização do barro como “matéria menor”, na visão do artesão como um não artista, que se foi fundando a bienal. Yes, nós somos minhocas! Gostamos de barro. E é a partir desse pressuposto que a bienal estrutura suas próximas edições.

CONTEÚDO NA ÍNTEGRA
NA EDIÇÃO IMPRESSA E DIGITAL (APP)*

*Edição digital para assinantes e venda avulsa, a R$ 8,99

Publicidade

veja também

Aline Zouvi

Sobre a morte dos filhos

Na rota dos viajantes