Entrevista

"A arte é essa fenda que se abre no mundo"

Lirinha, poeta e vocalista do Cordel do Fogo Encantado, fala sobre o retorno da banda, processos de criação e sua relação com o Sertão e com a poesia

TEXTO Erika Muniz

01 de Outubro de 2018

Vocalista relembra momentos importantes da banda Cordel do Fogo Encantado, que voltou esse ano aos palcos

Vocalista relembra momentos importantes da banda Cordel do Fogo Encantado, que voltou esse ano aos palcos

Foto Priscilla Buhr

[conteúdo na íntegra (degustação) | ed. 214 | outubro 2018]

Desde os
prenúncios nas redes sociais de uma possível volta do Cordel do Fogo Encantado, os fãs da banda já manifestavam apoio e empolgação através de mensagens. Após as especulações, em fevereiro, veio a confirmação e o anúncio da turnê do quarto álbum Viagem ao coração do sol, que vem percorrendo os palcos de várias cidades com a personagem Liberdade, a filha do vento. Como já era de se esperar, esse reencontro tem sido intenso com quem já os conhecia, mas também com um público formado pela nova geração, que, apesar de não haver experimentado a fase anterior do grupo – entre 1999 e 2010 –, praticamente já nasceu conectado, com acesso à discografia completa da banda nas plataformas digitais.

Num contexto bem diferente, muito antes que a internet e os streamings chegassem para modificar de vez os modos de consumir informação e música, em Arcoverde, no Sertão, José Paes de Lira vivenciou o universo das cantorias de viola e dos repentes durante sua juventude, através do gosto de seus familiares, e conviveu com ícones da tradição da poesia popular, entre eles, Manoel Filó e Zé de Cazuza. Nos intervalos das glosas, aproveitava para declamar um poema. Aos 12 anos, já fazia sua primeira apresentação profissional. Da afinidade com essa cultura oral, somada às experiências com o teatro, anos mais tarde, junto aos músicos Clayton Barros, Nêgo Henrique, Emerson Calado e Rafa Almeida, desenvolve o espetáculo cênico-musical Cordel do Fogo Encantado, em que as fronteiras entre música, poesia oral e teatro se diluíram.

Durante a emblemática apresentação no carnaval de 1999, no palco do festival Rec-Beat, Lira e os outros integrantes fizeram os primeiros contatos com aquele que seria o primeiro a dirigi-los em um álbum: Naná Vasconcelos. Os ensinamentos da incrível experiência com o percussionista, durante a produção de Cordel do Fogo Encantado (2001), permanecem até hoje.

A postura inventiva em relação aos instrumentos e ritmos, além do protagonismo da percussão, tornaram-se características marcantes da sonoridade da banda. Isso persistiu no segundo álbum O palhaço do circo sem futuro (2002), com a produção deles mesmos, bem como no seguinte, Transfiguração (2006), o último antes da parada do grupo, em 2010. Já nas primeiras apresentações, o carisma de Lira, a percussão vertiginosa de matrizes afro-indígenas, a força do violão de Clayton Barros e a belíssima iluminação de Jathyles Miranda conquistaram o público por onde passaram.

No período de suspensão, que durou oito anos, o músico arcoverdense lançou-se em carreira solo, com os álbuns Lira (2011) e O labirinto e o desmantelo (2015), em que experimentou novos desafios e teve a oportunidade de trabalhar com nomes que sempre admirou, como a cantora Angela Ro Ro e o guitarrista pernambucano Neílton Carvalho, da Devotos. Neste mais recente, outro grande da música brasileira contemporânea, Fernando Catatau, da banda Cidadão Instigado, assina a direção musical.

Através de sua trajetória, Lirinha integra o conjunto de artistas que contribuíram para que as produções dos que estão fora das capitais – assim como das grandes metrópoles –, ultrapassem as fronteiras e ganhem o mundo. Nesta entrevista, concedida à Continente durante a nova turnê, o arcoverdense relembra momentos marcantes de sua carreira, fala da emoção e novos desafios desse retorno do grupo ao mundo contemporâneo, algumas de suas influências, além de revelar do que sente saudade. Tudo isso sob a regência da poesia, como não poderia deixar de ser.

CONTINENTE O Cordel já estava anunciando a volta nas redes sociais. E você também postando sobre o reencontro com seus amigos. Como tem sido esse retorno?
LIRINHA Ele marcou também a volta de uma música que só é possível com essa formação. Uma banda que se faz diferente pela estrutura musical baseada na percussão. Uma base musical percussiva e apenas um instrumento harmônico, o violão. A história desse grupo tem origem no recital de poesia, que foi como a gente começou lá em Arcoverde. Retornar e reencontrar é voltar com tudo isso. Uma mistura muito grande de emoções e de lembranças por esse reencontro, pois vivemos anos intensos de 1999 a 2010. Mas também com tudo modificado, todos nós modificados pelas mudanças do mundo. Nosso público também está modificado por tudo, principalmente pelas redes sociais, que mudaram as relações pessoais e também a música. Enquanto a bomba estava em pausa, tudo isso aconteceu.

CONTINENTE Vocês lançaram o videoclipe da canção desse disco Liberdade, a filha do vento, com o recurso de 360º no Youtube. Tem a ver com essas mudanças?
LIRINHA O clipe em 360º tem o objetivo de máxima interação do ponto de vista, por conta da personagem Liberdade, que dá título à música. Mas, claro, uma das grandes aventuras desse retorno é o encontro com uma geração que não conheceu a banda entre 1999 e 2010. Essa geração que hoje tem mais ou menos 18 anos, está nos ensinando muito. Essa fase vem sendo muito interessante.

CONTINENTE No atual contexto do Brasil, a escolha da liberdade como fio condutor desse quarto álbum seria uma mensagem de posicionamento político da banda? 
LIRINHA Acredito que fazer arte num país como o Brasil, com a história que temos, já é um ato político, porque é contrário ao sistema. Nadando contra a maré e apontando novas possibilidades de vida em comunidade. Fazer arte no Brasil também é contar uma história que não está nos livros. É impossível se envolver nisso e não ter conhecimento da desigualdade social e da história de exploração, que é a história do nosso país. O mais importante, então, é entender que podemos, através da poesia e da metáfora, falar sobre esses assuntos. A personagem Liberdade de nosso disco é o grande objetivo a ser alcançado. Todas as faixas levam a esse encontro com “a filha do vento” para fazer uma pergunta: “Se somos livres, por que vivemos acorrentados por todos os lados?”. Nós queríamos levantar isso.

CONTINENTE A cantora pernambucana Isadora Melo faz parte dessa turnê. Como é ter uma voz feminina no palco do Cordel do Fogo Encantado?
LIRINHA Isadora é uma grande força nesse nosso retorno porque, com a consciência de que voltamos num momento diferente, chamamos para viajar com a gente uma cantora de uma nova geração, uma geração que surgiu quando o Cordel parou em 2010. Então, para a gente, era enigmática essa visão do mundo, vindo desse momento em que o Cordel estava ausente. Ela representa uma personagem que é fundamental no nosso espetáculo e no disco também, que é a filha do vento, a que chamamos de Liberdade. Então, trouxemos para a cena essa força, essa ideia, essa mensagem da filha do vento.

CONTINENTE Desde o início do espetáculo, muito se falou sobre o Cordel ser teatro, música, literatura ou dança. Muitas produções contemporâneas já quebraram essas divisões, mas como vocês chegaram nesse híbrido naquele tempo?
LIRINHA Tem uma coisa que libertou muito o som da banda, que foi a decisão de não ser um grupo de pesquisa de ritmos tradicionais. Decidimos tomar um caminho estético, por assim dizer, em que a ideia é inventar e construir ritmos. Mesmo isso sendo muito difícil, porque não sabemos como vai se comportar este novo. Mesmo não alcançando o novo, a busca por ele é o caminho decidido pela banda, talvez por muita influência de Naná Vasconcelos, que não só produziu nosso primeiro disco, não só nos apresentou ao estúdio de música pela primeira vez, mas viajou e fez uma turnê com a gente. Nessa turnê, muita coisa foi vivenciada por conta do dia a dia. Ele tinha uma postura com a percussão de libertação dos instrumentos. Eles não serem obrigados a tocarem em suas tradições. Nós seguimos bastante esse pensamento. Decidimos que seríamos uma música que buscaria essa inventividade. Também tem uma ligação com as músicas de feitiçaria que, através das suas estruturas, mexem com as emoções e abrem canais místicos. A música da tradição indígena da região de Arcoverde, através dos xucurus e toda a mitologia. O próprio nome Encantado vem da Árvore dos Encantados, que está presente na cultura dos xucurus. Os encantados são os nossos antepassados. A tradição da umbanda, do Morro da Conceição, do candomblé, isso é muito forte através de dois ogãs que fazem parte do Cordel, Nêgo Henrique e Rafa Almeida. Eu tocando – e sei que são dois ogãs sacramentados em todas as fases desse processo. A banda ter o espetáculo, esse encontro com o outro como grande objetivo, é para onde pensamos e caminhamos com todas as ações. Isso faz com que o espetáculo do Cordel, quando acontece, tenha essa força.


Uma das características da banda é a força da performance no palco. Foto: Divulgação

CONTINENTE Me fala mais dessa experiência e amizade com Naná Vasconcelos… Como foi para vocês já no primeiro álbum tê-lo como produtor musical?
LIRINHA Em 1999, quando o grupo fez a transição do espetáculo para show e batizou o nome da banda como Cordel do Fogo Encantado, que era o nome do espetáculo, fizemos uma apresentação que define tudo isso; essa opção por um caminho de banda, de show, que foi a do Rec-Beat, em 1999, no Carnaval, na Rua da Moeda. Naná Vasconcelos assistiu a esse show e fez uns comentários sobre a presença da percussão no nosso trabalho, sobre o protagonismo que ela assumia na nossa mensagem e que ele tinha gostado muito. Aí, começamos a pensar nele para produzir o nosso primeiro disco. Mas o disco saiu em 2001, então, desde esse primeiro momento, de 1999 a 2001, aprofundamos essa ligação com ele. Fizemos uma turnê proposta por ele, inclusive, para que nos conhecêssemos melhor e viajamos por algumas cidades do país com um show conjunto. Ele fazia a primeira parte sozinho e apresentava a banda. Foi definidora nas escolhas por uma música inventiva, essa presença de Naná.

CONTINENTE Em Lira (2011), seu primeiro álbum solo, você traz muitas canções de amor, mas com um tom mais melancólico. É um disco mais autobiográfico? 
LIRINHA O Lira tem muitos desafios. Fiz um disco de canções e me desafiei na interpretação, que é muito diferente da que faço no Cordel. A estrutura musical também é muito diferente. A ampliação dos recursos harmônicos era um objetivo. É uma poesia mais pessoal, por se tratar de um trabalho solo, mas é um disco que eu gosto muito, em que trabalhei com grandes afetos, como por exemplo, Angela Ro Ro, que era e continua sendo um mito para mim. Na madrugada e nas boemias de Arcoverde, escutava muito ela. Nunca imaginei que faria uma música e ela cantaria. Então, foi um disco muito isso. Também sou muito fã de Neílton (Carvalho), da Devotos. Bactéria (da Mundo Livro SA) fez os trabalhos de baixo e de teclado, e Pupillo (da Nação Zumbi) produziu. Grandes músicos. Para mim, sempre foi um sonho trabalhar com eles e são todos sonhos realizados. Esse disco simboliza esse encontro com o que desejava ser feito.

CONTINENTE Mas as trocas e parcerias com outros artistas fazem parte dos seus trabalhos, tanto esses, como também a cantora Céu, os artistas visuais Mônica Rodrigues e Mozart Fernandes e outros… Como isso influencia suas criações? 
LIRINHA Tenho uma busca por uma expressão artística que esteja presente e acesa em todas as artes, que assuma essa potência artística. Todas essas pessoas compartilham dessa experiência de comunidade. Meu trabalho é feito desses encontros com o outro. Cresci numa cultura que você mesmo nunca dizia que era poeta, quem dizia era o outro. É o outro que lhe dá esse título.

CONTINENTE Você, que vem de Arcoverde, no Sertão do Moxotó, conta como a poesia lhe chegou. 
LIRINHA Sempre penso nisso, qual foi exatamente o primeiro momento do impacto. Lembro que foi na convivência com os violeiros repentistas, a cantoria de viola, bem criança. Meus pais, meus tios e meu avô e avó paternos tinham isso muito presente. Os repentistas mais fortes da época fizeram cantorias no sítio do meu avô. Aí eu comecei a decorar poesias de Patativa do Assaré, Zé Laurentino, Chico Pedrosa e a recitar nos intervalos dessas cantorias. Depois, fui convidado, para fazer um festival de violeiros, em 1987. Isso com uns 12 anos. Essa foi minha primeira apresentação fora da casa de minha família. A partir disso, comecei a viajar fazendo essas declamações, que são poesias decoradas. Eu lembro que Patativa do Assaré começou a improvisar mesmo com ela falada, já era um grande avanço dessa performance. Quando a gente pensou em fazer o Cordel do Fogo Encantado, vinha muito dessa experiência da declamação. A ideia inicial era de que a música fosse uma base para se dizer essas poesias.

CONTINENTE Seu processo de composição no Cordel é diferente do trabalho solo?
LIRINHA É, sim. No Cordel, geralmente é uma narrativa em cima de um espetáculo que idealizamos. Agora, é todo no Viagem ao coração do sol. Tem toda uma história. As canções são muito voltadas para isso. Tem a coisa de estar representando outras pessoas também, isso faz com que a poesia mude um pouco. No trabalho solo, é outro processo, fica mais depoimento, testemunho. É assim que faço.

Grupo despontou em 1999 e seguiu até 2010, quando deu uma pausa. Foto: Divulgação

CONTINENTE O que você sente quando está no palco?
LIRINHA O meu entendimento sobre o momento do palco é muito diferente do processo que vivo nos ensaios. Para mim, a parte técnica dos ensaios é até a tarde em que passamos o som. Na hora do espetáculo, entendo como uma espécie de celebração daquela mensagem e o encontro com as pessoas, porque só nesse momento toda essa mensagem ganha outras características e se torna poderosa. Quando dialoga, quando chega nesse momento do público, para mim, já não existe mais o erro, tudo é parte. Tem que deixar fluir como se um rio passasse por nós. Ao mesmo tempo, somos MCs e, por sermos MCs, temos que ter a responsabilidade da noite, do espaço, das pessoas, principalmente em shows públicos. Nunca podemos vacilar. É aquela emoção, mas estou também com um microfone amplificado.

CONTINENTE O público é parte do espetáculo.
LIRINHA Sim, tem uma terceira coisa que acontece em todo o trabalho artístico, que é o contato dele com uma outra pessoa.

CONTINENTE Sair de Arcoverde. Como se deu a mudança para viver em cidades como o Recife e São Paulo? 
LIRINHA Em Arcoverde, não só nasci, como vivi até meus 22 anos. O Cordel do Fogo Encantado nasceu nessa cidade. Começamos a viajar e nessas viagens fomos para o Recife, depois São Paulo. Para mim, São Paulo era uma “grande Caruaru”, aquela lógica eu entendi rapidamente. Gosto de lugares diferentes uns dos outros, das diferenças que eles têm. Gosto de São Paulo, daqui do Recife, de Arcoverde. A ideia é não esperar dos lugares o que se tem no outro. Então, me dou bem com essa circulação.

CONTINENTE Lembrei que na canção Ducontra, do seu álbum Lira, você fala algo como “cidades destruídas”, o que seriam?
LIRINHA As cidades onde moramos nesse mundo em que herdamos o contexto histórico. Cidades destruídas que foram construídas no genocídio, etnocídio, escravização e aldeamento. Essas são as cidades que herdamos de um processo de capitalismo que hoje, por exemplo, é um grande desafio para todos nós. O verso da música diz: “Viajar em estado de calma e morar em cidades destruídas”. Ainda mais: somos colocados diante desse desafio. Por esses tempos e por essa estrutura de sociedade, temos que manter a calma, encontrar o equilíbrio, desenvolver o amor, morando em cidades destruídas. Essa é a nossa condição.

CONTINENTE Já ouvi você falar de vários poetas, de Virginia Woolf, de Italo Calvino… Mas comente aqui algumas de suas referências literárias.
LIRINHA São muitas e participam de fases diferentes. Por exemplo, a importância que foi a poesia de Micheliny Verunschk. Era algo muito diferente da poesia que eu vivia com os cantadores. Os poetas Manoel Filó, que era de Afogados da Ingazeira (PE), mas morava em Arcoverde, e Zé de Cazuza são presenças de influência muito forte para mim. Alguns discos também são bastante influenciados, o Transfiguração (2006) tem O barão nas árvores, do escritor Italo Calvino. Meu disco Lira tem muito de Virgínia Woolf, até na música Ducontra mesmo. Ultimamente, estou muito interessado numa poesia lusófona, de Cabo Verbe, Angola, Moçambique, que me deixa muito curioso.

CONTINENTE Você e Micheliny Verunschk são referências para muita gente da atual geração de declamadores pernambucanos, a exemplo de Luna Vitrolira, Gleison Nascimento, Ícaro Tenório, e mesmo na música para Vertin Moura e Helton Moura, que são de Arcoverde. Como você observa isso?
LIRINHA Acho que as coisas não morrem, elas vão sendo mantidas por novas pessoas e vão ganhando novos intérpretes. Você sente isso na poesia rimada e metrificada do Sertão. As rodas de glosas só aumentam com um pessoal novo fazendo improvisos em cima de motes tradicionais, estruturas que foram desenvolvidas aqui e também na música. O pessoal que vai fazer música em Arcoverde, de alguma forma, tem que entender o som que foi feito. Principalmente, porque sempre existem ligações.

CONTINENTE A poesia no corpo e na voz ganha outras dimensões. A seu ver, o que acontece? 
LIRINHA É diferente. Ela não fala só pelas palavras, assume outras emoções, é interpretada. A interpretação modifica qualquer poesia. Então, existe uma atuação dessas palavras, através da presença do corpo. Podemos ver uma poesia brilhar, explodir e ser inesquecível. Mas também pode ficar encolhida e se perder dentro do corpo, se não se sabe o que está dizendo, ou não conseguiu dizer.

CONTINENTE Nos anos 2000, em entrevista a Antônio Abujamra, no programa Provocações, ao ser perguntado quem você era, você afirmou que sabia pouquíssimo sobre si mesmo. Descobriu algo mais? 
LIRINHA (Risos) Não, minha grande busca é por não existir mais e me derreter na música e na poesia. Esse é o meu grande objetivo. Há pouco, teve uma quadrilha junina de Arcoverde que fez o que seria a história da minha vida. No casamento matuto, eu casava com a poesia. Quando eles me disseram isso, achei que estava muito distante, mas como eu queria alcançar. Como queria que fosse profético.

CONTINENTE Tem um mote que, se não me engano, é do “poeta da saudade”, Antonio Pereira, que diz: “Não ter saudade de nada é não ter nada na vida”. Do que você sente saudade?
LIRINHA Não sei te dizer se é dele mesmo, mas é possível que seja. É bem ele. Ah, eu sinto saudade de muita coisa. Tenho uma saudade agindo dentro de mim, aqui, sem parar. Tenho muita saudade do Sertão, de um jeito, de alguns… é isso. Acho que é isso, não sei te dizer, não.

CONTINENTE E o que você anda lendo?
LIRINHA Estou lendo Noêmia de Souza e duas traduções de Leonard Cohen, que são A mil beijos de profundidade e Atrás das linhas inimigas do meu amor. Achei muito interessante essas traduções.

CONTINENTE Você pretende lançar um livro?
LIRINHA Pretendo, sim, pretendo me dedicar mais à literatura agora. Já tenho um livro publicado, que é o Mercadorias e futuro (2008) e outro infantil, de uma parceria com Alê Abreu, Garoto cósmico (2007). Pretendo lançar a história da Viagem ao coração do sol, que são textos que contam a narrativa de todas as canções desse disco. E continuar a escrever.

CONTINENTE O verso do poeta Pinto do Monteiro diz que ser poeta é tirar de onde não tem e botar onde não cabe. E como é que se faz isso? 
LIRINHA A arte é essa fenda que se abre no mundo, para uma outra dimensão. (Sorrindo, abre os braços.) É rasgar o espaço e o tempo. No meu entendimento, aí é que entra o impossível. “Tirar de onde não tem e botar onde não cabe”. A arte é o impossível, o sonho e o além disso.


ERIKA MUNIZ é estudante de jornalismo e colaboradora da revista Continente.

 

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