Tradução

Pereléchin: o desconhecido poeta russo que viveu no Brasil

TEXTO Astier Basílio

04 de Janeiro de 2021

Representação do poeta Valério Pereléchin

Representação do poeta Valério Pereléchin

Ilustração HUMBERTO PASSOS/REPRODUÇÃO

[conteúdo na íntegra | ed. 241 | janeiro de 2021]

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A bandeira da Holanda tremulava no Henrik Yessen quando o navio contornou o Rio da Prata, na altura entre Montevidéu e Buenos Aires. Havia quatro meses que nele embarcara, em Hong Kong, um russo de nome Valério Pereléchin. Eram os primeiros dias de 1953 ou os últimos de 1952. Em pouco tempo, esse passageiro desembarcaria em seu destino: a capital do Brasil. Mas antes disso chegaria ao convés, tiraria o passaporte do bolso, em cuja capa vermelha brilhavam douradas, ao fundo, uma foice e um martelo. Sem hesitar, ele o atiraria às águas. “Que os tubarões o comessem”, relembraria anos depois.

O retrato que se desmanchou nas profundezas fluviais capturara o rosto de um homem magro, olhos vívidos, cabelos pretos e penteados de lado. Nascera, havia 39 anos, na cidade de Irkutsk, na Sibéria, e fora registrado como Valerii Frazevich Salatko-Petryshch. Não era, porém, aquela assinatura que se estampava nas capas dos quatros livros de poemas que publicara até então. Adotara, desde os 19 anos, o nome de Valério Pereléchin.

Ao contrário de outras cidades europeias, com presença maciça de cidadãos da antiga Rússia Imperial, o Rio de Janeiro dos anos 1950 não dispunha nem de jornais, nem de clubes ou qualquer tipo de instituição que agregasse falantes da língua de Pushkin. Foi a essa cidade que chegou o jovem poeta, tradutor do chinês, que gozava de respeito entre a colônia russa no exterior, especialmente na Europa.

Embora, na Rússia atual, Valério Pereléchin seja conhecido praticamente apenas entre os iniciados na poesia, dois anos atrás foi lançada quase toda sua obra numa edição de luxo disposta em três tomos. Em 2015, a Universidade de Toronto, no Canadá, publicou Valerii Pereleshin – Life of a Silkworm, uma minuciosa biografia escrita em inglês por sua compatriota Olga Bakich, num volume de 484 páginas. Nos Estados Unidos, Pereléchin é figura constante em publicações sobre literatura LGBT, entre as quais a prestigiosa coletânea The Penguin Book of Homosexual Verse, editada por Stephen Coote, em 1987.

Apesar de poucos leitores em português o conhecerem, o país que Pereléchin escolheu para viver desempenhou um papel importantíssimo, sobretudo, com relação à sua sexualidade e a escrever abertamente a respeito disso, sem os subterfúgios de antes. Assumir-se, entretanto, cobrou-lhe um preço alto. Muitos dos seus amigos russos que vendiam livros no exterior não só se recusaram a ler as obras com conteúdo abertamente homoerótico, como alguns deles chegaram mesmo a devolver exemplares pelo correio.


Pereléchin (à dir.) ao lado de sua mãe Evgenia e do irmão Victor. Imagem: Reprodução

Dos 14 livros publicados em vida, quase todos foram pagos pelo autor. Empreitada que consumia praticamente toda a parca renda, amealhada com dificuldade. A trajetória de Pereléchin foi marcada por instabilidade financeira, humilhações do irmão homofóbico com quem mantinha péssimas relações, embora às custas de quem se viu obrigado a viver quase toda sua existência.

A primeira vez em que entrou num navio, dois anos antes de ter atirado o passaporte em águas latinas, ocorrera em 1950. Pereléchin, todavia, viajava para outro itinerário. Ao sair do porto da cidade de Tianjin, na China, seu destino era San Francisco. Quando o poeta embarcou no navio General W. H. Gordon, pouco mais de dois meses antes, os Estados Unidos entraram em polvorosa por causa de uma denúncia bombástica: mais de 200 membros do Partido Comunista estariam infiltrados no Departamento de Estado dos EUA. Era isto o que trombeteava o senador Joseph McCarthy, desencadeando uma verdadeira caça às bruxas.

Era esta a pesada atmosfera que pairava quando o navio fez escala em Honolulu e um oficial americano pediu o passaporte soviético de Pereléchin. O sonho de ensinar em uma universidade e viver de literatura e tradução estava indo por água abaixo naquele momento. O período que a história consagrou como “macarthismo” estava, então, no seu ápice. O Brasil, portanto, não foi projeto, mas destino.

Do navio, o poeta foi levado a um centro de detenção para imigrantes ilegais. Foram mais de três meses preso. Teve que responder a interrogatórios com “centenas de perguntas chatas”, cujo ponto central era o trabalho desempenhado na TASS – até hoje a maior agência de notícias da Rússia. Morando desde os sete anos na China, Pereléchin era fluente em mandarim e foi trabalhar como tradutor quando decidiu sair do monastério.

Tornar-se monge, aos 24 anos, foi a tentativa de Pereléchin de “abandonar a homossexualidade”. Ao ordenar-se, passou a ser o Irmão Herman. E foi assim que durante algum tempo assinou muitos de seus poemas e textos. O bispo a quem estava subordinado, porém, sugeriu que não pusesse mais o nome religioso em jornais seculares. Foram sete anos de serviços clericais até o dia em que, devido a divergências e uma série de intrigas, abandonou a igreja e voltou para a casa da mãe.

Pereléchin havia sido criado em Harbin, um município pertencente ao território chinês, mas que havia sido erguido pelos russos, na época da construção da ferrovia Transiberiana, ainda nos tempos do tzar. O lugar era, por assim dizer, uma cidade russa fora da União Soviética. Conforme ilustra Olga Bakich: “Entre 1918-22, 2 milhões de pessoas deixaram a Rússia; mais de 200 mil foram para a China e, nos anos 1920, em torno de 165 mil ex-súditos do império russo viviam em Harbin”.

Quando a guerra civil entre os brancos e os vermelhos havia chegado aos confins da Sibéria, em 1920, Evgenia Bukarova, mãe de Pereléchin, decidiu emigrar. Fugindo de um casamento que lhe atormentava, levou os dois filhos consigo para uma nova vida no país vizinho.

ESPIÃO RUSSO
Defendendo-se no interrogatório, na imigração estadunidense, de ter traduzido textos de Mao Tsé Tung, afirmou que “o trabalho de um tradutor é como o trabalho de um médico ou de um sacerdote. Eu não perguntava sobre política”. Chegou a ser enfático: “Eu nunca escrevi uma única linha em minha vida de apoio ao comunismo ou à Rússia. Tudo que eu escrevi sobre isso foi traduzido. Tudo que eu próprio escrevi era apenas tolerado, não apreciado, porque era poesia lírica e clássica”.

Os esforços foram em vão. Ao ser deportado de volta à China, Pereléchin solicitou das autoridades chinesas permissão para continuar trabalhando na TASS, mas o pedido foi negado. Aqui, um toque de ironia daqueles tempos extremados. “Eles suspeitaram de que a deportação era simulada e que eu teria voltado para atuar como espião americano”, relatou à sua biógrafa.

A permissão dada para o visto no Brasil foi obtida pelo irmão Victor, àquela altura naturalizado norte-americano, tendo servido inclusive ao exército de lá. A especificação profissional arrolada no documento, porém, era falsa. Pereléchin nunca foi mecânico, nem se interessaria por nada além de poesia. “Poesia e garotos”, maldosamente veio a comentar Victor, numa das muitas brigas que tivera com o irmão.

Pereléchin alugou um apartamento tão logo desembarcou no Brasil, no qual foi viver com a inseparável mãe Evgenia, no Bairro de Santa Tereza. A impressão que a Cidade Maravilhosa deixou no poeta foi a de deslumbramento. Escreveu poemas relatando suas impressões, falou sobre o Carnaval, que tanto o encantou. “Eu gosto de quase tudo aqui: o povo atencioso, o clima maravilhoso, as belezas naturais, as constelações, os feriados e os rostos das pessoas.”


Nascido Valerii Frazevich Salatko-Petryshch, aos 19 passou a
assinar Valério Pereléchin. Imagem: Reprodução

Olga Bakich escreve que “Pereléchin procurava emprego, mas sua formação jurídica e teológica russa, bem como seu conhecimento dos idiomas russo, inglês e chinês eram inúteis no Brasil, enquanto que seu português era inadequado”.

Com dificuldades financeiras, Pereléchin decidiu sublocar quartos na casa onde morava para russos que emigravam. De 1947 até meados dos anos 1950, o Brasil recebeu em torno de 20 mil imigrantes russos, incluindo 1.500 da China; entretanto, a maioria seguiu para os Estados Unidos, a Austrália ou o Canadá.

Após alguns desestímulos, como negativas de publicação de tradução de poemas chineses em jornais russos nos Estados Unidos, Pereléchin começou a se sentir inseguro. “Além do mais” – relata Bakich – “a sucessão de inquilinos russos fofocava a respeito de seus encontros com jovens brasileiros: ‘minha vida íntima passou a ser discutida por toda Colônia Russa. É impossível estimar o quanto de mentiras foram acrescentadas. Assim, não há mais poesia nem haverá. Escrever para estes porcos? Ou para si mesmo e colocar na gaveta?’”.

Em 1953, quando se mudou para o Brasil, Pereléchin escreveu 19 poemas; no ano seguinte, 10; em 1955, um; em 1956, nove; na primeira metade de 1957, seis; perfazendo, assim, um total de 36, desde que aportou ao Rio de Janeiro. Porém, de 1957 a 1967, nenhum poema veio a ser escrito.

Em abril de 1967, Pereléchin recebeu uma carta que mudaria sua vida. Era de uma pessoa a quem ajudou na China: a viúva de um poeta emigrante, Mary Kruzenshtern-Peterets, estabelecida agora, nos Estados Unidos. Nas correspondências, recordavam-se os tempos em Harbin, falava-se sobre poesia. Isso bastou para reacender o fogo criativo. “Sem você eu teria permanecido ‘de férias’ e não teria estas ideias excitantes (...) nem desejaria publicar mais um livro. Eu lhe sou eternamente grato”, reconheceu.

ARIEL
Foi também pelo correio que o coração de Pereléchin começou a bater mais forte. A partir de 1971, passou a se corresponder com Evgeni Vitkovski, que faleceu em fevereiro passado, à época um jovem de 22 anos, interessado em conhecer poetas russos exilados. As cartas trocadas entre Moscou e o Rio de Janeiro redundaram numa paixão platônica e funcionaram como uma espécie de motor para composição do livro Ariel, coletânea de poemas publicada em 1976, no qual Pereléchin fala abertamente do amor gay. Era, convém lembrar, o quinto livro publicado desde que passara o intervalo de uma década em silêncio.

Receoso e com o intuito de testar a receptividade, enviou algumas provas para críticos e amigos próximos. Recebeu alguns elogios, como os de Iuri Ivask, da Universidade de Massachusetts, que “expressou seu deleite pelo inusitado da ‘situação’, (...) único não apenas na poesia russa, mas em toda literatura mundial”, mas lidou com reações violentas, como a de sua grande amiga Mary Kruzenshtern-Peterets. Em carta, ela meio que fixou “uma espécie de ultimato”: ela e seus amigos, “com aversão”, não iriam ler, nem vender aquilo.

Em resposta, Pereléchin pontuou que “não há ‘doença’ nos temas Ariel. (...) Eu não estou julgando as pessoas com base nas minhas preferências, mas estou sendo julgado com base no preconceito delas, e você não fica atrás (...)”.

Quando Ariel foi publicado, alguns devotados leitores russos anunciaram que Pereléchin havia se tornado gay por estar vivendo em um país estrangeiro, como o Brasil, fora do convívio com a sociedade eslava. O que não era, evidentemente, verdade. Suas paixões e amores começaram ainda em Harbin. A tentativa de sufocar seus desejos, ao entrar na vida religiosa, tampouco surtiu efeito. Pereléchin continuou a ter relacionamento com rapazes, alguns dos quais alunos seus da igreja.

Refletindo a mentalidade homofóbica da época e da sociedade em que viveu, tanto chinesa como russa, Pereléchin comentou: “Eu entendi muito cedo que era impossível fugir de mim mesmo, da minha própria dualidade. Não importa em que cama se coloque um paciente, a doença permanecerá”.

Por conta de um dispositivo da lei trabalhista da época, que conferia o pagamento de dois salários por cada ano ao se dispensar um empregado que estivesse registrado por uma década em uma empresa, Pereléchin foi demitido ao completar nove anos de trabalho das funções de bibliotecário no Consulado Britânico. Mas Olga Bakich relata outra motivação: “Houve o rumor de que um assédio a um jovem, também empregado ou a um frequentador da biblioteca, tenha contribuído em parte para a decisão”.


Pereléchin ordenou-se monge aos 24 anos e assinou alguns de
seus poemas e textos como Irmão Herman. Imagem: Reprodução

Em 1959, o irmão Victor mudou-se para o Brasil a serviço de uma multinacional em que era engenheiro para atuar na construção de hidrelétricas. Viveram juntos com muitos conflitos, brigas e desentendimentos por quase três décadas. Após a morte da mãe deles, em 1980, o apartamento no qual viviam, em Copacabana, em muitas ocasiões ficava apenas com Pereléchin. Certa vez, o poeta foi pego com um rapaz em casa e ameaçado pelo irmão de ser expulso. O poeta ouvia que era “tempo de ‘se acalmar’, parar de se apaixonar e de se divertir com ilusões. Isto era, claro, verdade. Mas se você cortar os espinhos, as rosas morrerão”, declarou.

E eis que, no começo dos anos 1980, Pereléchin veio a ter a chance de ir para os Estados Unidos. Mas era para, mais uma vez, estar sob o controle do irmão. Optou pela liberdade, mesmo que isso representasse privação e pobreza. A alternativa mais viável foi a de ser acolhido no Retiro dos Artistas, em 1983.

A paixão e o desejo, porém, não abandonaram Pereléchin. Sua biógrafa escreve que “em janeiro de 1989, sua busca por rapazes levou a administração do Retiro dos Artistas a pedir que ele fosse embora”. Em pânico, pensou em ir para Holanda, para onde enviara parte de seu arquivo à Universidade de Leiden, ou até mesmo para a União Soviética. A administração, contudo, voltou atrás. “É vergonhoso despejar um velho de 75 anos na rua”, teriam justificado.

As portas se fecharam também na literatura. Em 1980, ao enviar sua coroa de sonetos O caminho da cruz, escrita em português, para Dom Marcos Barbosa, monge beneditino e membro da Academia Brasileira de Letras, obteve como resposta que – embora se reconhecesse o mérito literário da obra – não obteria dele qualquer ajuda para publicação, pois sabia que Pereléchin era homossexual.

ISOLADO ENTRE PARES
Radicado no Brasil há mais tempo, com grande atuação na imprensa e na universidade brasileiras, além de ser o maior divulgador da literatura russa, Boris Schneiderman nunca escreveu uma linha que fosse sobre Pereléchin, ainda que o conhecesse. Também não houve quase contato dele com poetas brasileiros, embora Pereléchin tenha sido um dos grandes responsáveis por apresentar a poesia brasileira ao público russo ao lançar, em 1979, a antologia Cruzeiro do Sul, editada na Alemanha, na qual traduzia nomes como Augusto dos Anjos, Gonçalves Dias, Manuel Bandeira, Cruz e Sousa, Cecília Meireles, entre outros.

Ao comentar a respeito dessa falta de entrosamento, limitou-se a dizer que os poetas brasileiros “estão interessados em si mesmos, em suas publicações, e em seus grupos”. A exceção se deu com o pernambucano Joaquim Cardozo, “único poeta brasileiro que me honrou com sua amizade” e de quem foi professor de chinês.

Em 1979, o poeta e crítico literário Francisco Bittencourt enviou a Glauco Mattoso poemas e uma nota biográfica sobre Pereléchin, que rendeu um artigo na edição de outubro do jornal Lampião, veículo cuja linha editorial era dedicada ao público LGBT. No artigo, mencionava-se que Pereléchin era “ex-monge ortodoxo, monarquista, colecionador de selos, ‘poeta maldito’ pelo regime comunista, principalmente por sua declarada condição homossexual” e que morava quase isolado em seu apartamento, onde vivia com a mãe, “não fosse a intensa correspondência com o exterior”.

Em entrevista que deu ao Jornal do Brasil, em 1979, Pereléchin comentou que conseguia “penetrar clandestinamente em Moscou, onde, segundo fontes seguras, tenho uns 400 leitores. O que é importante, pois o governo soviético teima em não considerar autor russo quem vive fora da URSS”.

Ao conversar com o repórter do jornal Estadão, por conta do lançamento do seu livro de poemas, escritos em português, Nos odres velhos, em 1983, afirmou: ‘Não gosto do verso livre, sem rima. Sou um poeta que busca sempre trabalhar com a rima e os recursos do soneto. Sempre me defini como um poeta neoclassicista e minha poesia é erótica, sem ser obscena; mística e cheia da filosofia que aprendi ao longo da minha vida”. Essa obra, todavia, mereceu uma crítica devastadora de Ivan Junqueira, no Jornal do Brasil. Ao avaliar os sonetos, afirmou que “o gênero fica aqui reduzido a um simples e vulgar esqueleto métrico”.

Em 2019, veio a lume o belo e pioneiro trabalho do professor Carlos Cortez Minchillo, que dá aulas na Dartmouth College, nos Estados Unidos. Até agora, ele é, ao que consta, autor do único ensaio sobre o poeta russo, em língua portuguesa: A perspectiva canhota de um emigrado russo: expressão homoerótica na poesia de Valério Pereliéchin (1953-1992).

Em 2014, o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras, Antonio Cícero, em um post de seu blog publicou uma tradução feita por Pereléchin do poema Amor, de Mikhail Kuzmin, autor cujo livro Cânticos de Alexandria fora vertido ao português numa parceria com o amigo brasileiro Umberto Passos, e publicado no Brasil em 1987.


Em 1983, o poeta foi acolhido no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro.
Imagem: Reprodução

O poema fora enviado pelo professor da UFRJ, Alexander Zhebit (autor de um artigo em russo sobre o período de Pereléchin no Brasil e responsável por alguns anos pelo arquivo de Pereléchin que hoje está no Instituto Gorki), com o comentário: “foi reconhecido pelos círculos intelectuais e críticos no Exterior Russos (imigrantes da União Soviética) como um dos maiores poetas russos no Hemisfério Ocidental”.

No post “poetas estrangeiros e sua morada no Brasil”, publicado ano passado em seu blog, o escritor Ricardo Domeneck anunciou que a “obra lusófona” de Pereléchin “será lançada em breve pela Editora Dybukk”.

PERSONALIDADE DIFÍCIL
Conforme descreveu sua biógrafa, Pereléchin era uma pessoa egocêntrica e de difícil personalidade. Reagia e também atacava de forma violenta e, às vezes, injusta, lançando mão dos mesmos preconceitos de que fora vítima. Por exemplo: ao comentar o fato de que Joseph Brodsky passara a escrever em inglês, alfinetou que era algo exclusivamente comercial: “Um judeu é sempre um judeu”.

Embora se considerasse apolítico, manifestou simpatia pela ditadura militar brasileira que, segundo sua opinião, era “um sistema honesto, limpo, que despreza a demagogia, as promessas e mentiras dos políticos”.

Mesmo em sua tensa relação com o irmão Victor, que dizia coisas horríveis, como “gays deveriam ser destruídos ou castrados”, Olga Bakich lembra que Pereléchin desfrutava de casa, comida e dos serviços de uma empregada, embora escrevesse a todos se lamentando da falta de dinheiro para “roupas, transporte, cabeleireiro, papel, correio, cigarro, doces, sorvete e cafés”, além de ficar se gabando de que publicava seus livros “às custas de grandes sacrifícios (mais da minha mãe, que meu)”. A biógrafa atenta que o poeta “nunca encarou o fato simples de que era Victor quem indireta e grandemente subsidiava esses livros”.

Uma vida intensa, complexa, que gerou uma poesia apaixonada e visceral. Pereléchin morreu pobre, cego e às voltas com livros e manuscritos na acomodação onde vivia no Retiro dos Artistas, em 1992. Embora tenha passado a maior parte de sua vida – em torno de quatro décadas – no Brasil, onde escreveu e organizou a maioria de suas obras, duas delas, inclusive, em português, Valério Pereléchin continua um completo desconhecido do público brasileiro.


Extra:
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ASTIER BASÍLIO, jornalista e escritor. Atualmente, vive em Moscou onde cursa mestrado em literatura russa no Instituto Pushkin.

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