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Cariri Olindense: patrimônio vivo de Pernambuco completa 100 anos

TEXTO Augusto Tenório

01 de Fevereiro de 2021

Velho Cariri é o personagem-título da troça, cujo nome se origina no Sertão do Cariri

Velho Cariri é o personagem-título da troça, cujo nome se origina no Sertão do Cariri

FOTO Hugo Muniz/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 242 | janeiro de 2021]

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Nem todos sabem, mas a abertura do carnaval de Olinda dá-se às 4h da manhã do domingo. É nesse horário que um senhor de longa barba, montado num burro e junto de uma enorme chave simbólica, parte do Largo do Guadalupe para arrastar multidões de destemidos foliões pelas ruas da Cidade Alta e do Sítio Histórico. Essa figura é o Velho Cariri, o personagem icônico que representa a Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense, Patrimônio Vivo de Pernambuco, que completa um século de vida neste dia 15 de fevereiro.

A troça começou em 1921, como uma brincadeira organizada por cinco amigos: Augusto Canuto de Santana, Cosmo Botão, Jacinto Martinho, Isnar Colombo e Eugênio Cravina. Eles, que tinham cerca de 15 anos, gostavam muito de carnaval e, da vontade de fazer um barulho pelas ruas da cidade, pensaram na criação de uma agremiação. 

A inspiração para o nome veio de uma figura misteriosa para os jovens: os velhos que partiam do Sertão do Cariri rumo ao Mercado de São José, no Recife, para vender suas especiarias. Com o personagem-título eleito, o grupo fantasiou alguém como o Velho Cariri, montaram-no num burro e saíram batendo lata pela madrugada, numa brincadeira que foi ganhando maiores proporções e adeptos a cada folia. 

“O nome do velho não é Cariri, esse nome vem da região. Ninguém sabe o nome verdadeiro dele. É importante dizer que, apesar da origem dele não ser clara, temos uma foto original do velho na nossa sede. Ou seja, essa figura, apesar de generalista, é verídica”, comenta Ivison Santana, presidente do Cariri Olindense e neto de Augusto Canuto. A fotografia, de fato, está exposta, junto com outros objetos históricos da troça, na sede, localizada no número 60 da Rua Cândida Luísa, no Bairro de Guadalupe.

Poucos anos depois da criação do Cariri, houve uma discussão, seguida de uma divisão no grupo. Parte dos “dissidentes” fundou o Homem da Meia-Noite. Apesar do racha, atualmente as duas agremiações convivem em harmonia e protagonizam um dos momentos mais belos do carnaval de Olinda. 

Desfile da troça pelas ruas do Sítio Histórico de Olinda. Imagem: Acervo Cariri Olindense/Reprodução

“Está registrado na prefeitura que o Cariri é quem abre o carnaval de Olinda, mas a relação hoje em dia é amistosa. Por isso que, depois das três da manhã, o Homem da Meia- Noite traz a chave para o Cariri, para que possamos, oficialmente, abrir o carnaval da cidade. Essa relação pouca gente conhece, mas existe”, explica Ivison. 

Augusto Canuto, com a divisão, tomou a frente da troça e sua família criou laços profundos com a agremiação. Atualmente, na equipe, estão a segunda, terceira e quarta gerações da família Canuto: Romildo (61), tesoureiro e filho de Augusto Canuto; Ivison Santana (45) e Hilton Santana (42), netos do fundador e, respectivamente, presidente e diretor de comunicação e marketing; e João Pedro (19), filho de Hilton e integrante do Coletivo Cariri. Os três primeiros compõem a diretoria de 16 pessoas, que trabalha durante todo o ano para colocar a troça na rua.

Hilton, porém, ressalta: “A família Canuto Santana está no Cariri há gerações, mas o Cariri não é dos Canuto Santana. Ele é da comunidade, da sociedade, é Patrimônio Vivo de Pernambuco. Nós somos apenas parte dos guardiões. Tanto é que, em 100 anos de Cariri, apenas quatro presidentes foram da família. O Cariri é aberto a todos”. 

Ivison completa: “É maravilhoso contar a história que meu avô deixou, botar essa troça na rua é algo fantástico. Você precisa ver… Eu chego no Cariri às 8h da manhã do sábado para trabalhar; quando dá umas 11h da noite, vou pra casa da minha mãe, que fica aqui do lado, tomo banho, descanso um pouco e volto, porque a gente abre a sede à meia-noite, pra turma ficar se divertindo. Temos atração, bebida, comida, e essa festa vai até as 4h. Quando dá umas 2h, vou para o Largo da Guadalupe e é preciso ter cuidado pra não pisar nas pessoas que ficam dormindo na rua esperando o Cariri sair. É fantástico, quem vai, não deixa de ir. É uma harmonia, um frevo massa, sem confusão… A gente sai do Largo do Guadalupe, caminha todo o Sítio Histórico e volta já com o sol no rosto, cansados, sem nenhum policiamento, mas num carnaval gostoso, pra quem realmente gosta de brincar. Minha mãe manda eu descansar, mas eu digo: “Não foi seu pai quem fez isso? Eu queria saber onde ele tava com a cabeça pra fazer uma troça às 4h da manhã”.


Fachada da sede do Cariri Olindense, 1969. Imagem: Acervo Cariri Olindense/Reprodução

UMA FESTA DE GUADALUPE
Apesar de a festa chamar a atenção de foliões até de fora de Pernambuco, a territorialidade é fator importante na formação do âmago do Cariri Olindense. A sede fica no Largo do Guadalupe, em frente à Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Antes de possuir local próprio, a troça era sediada na casa da família Canuto, à Rua do Amparo. Nesse sentido, é necessário entender que essa parte da cidade é bastante singular.

Caminhar da PE-15 para o Largo do Guadalupe, durante a semana, é como andar pelo interior. Nas ruas, apertadas e iluminadas com poucas luzes amarelas, crianças brincam. Nas esquinas, pequenos grupos de adultos e jovens adultos se juntam sob luzes de LED de alguma venda, conversando baixinho e escutando som de caixa. Ao fundo das igrejas, adolescentes se reúnem em círculos. Do lado, senhoras sentadas em cadeiras de fio observam o vaivém. Nem parece que, no mês de fevereiro, diversas agremiações carnavalescas saem daquelas pequenas casas e tomam conta das ruas da cidade, que são ocupadas por gente, confetes e música.

“Os moradores são ótimos, temos uma harmonia incrível, nunca tivemos estresse ou reclamação. O povo adora festa! Para fazer uma sede no Largo do Guadalupe, que está lá há quase 20 anos, não tinha como ser diferente, apesar de a gente não fazer mais festas como antigamente, com pagode e brega, por exemplo. É que, com a chegada do Patrimônio Vivo, a gente não precisa mais alugar a sede para esse tipo de evento, só alugamos para um aniversário ou outra coisa da própria comunidade, ou eventos ligados ao frevo e essa cultura. Não precisamos mais alugar a sede para arrecadar dinheiro, até porque, na relação com a comunidade tem o fator da Igreja do Guadalupe, a gente tem que estar em harmonia com eles para não ter nenhum atrito”, comenta Ivison.

Se a rotina semanal acontece em um ritmo diferente do restante da Região Metropolitana, a apreciação do Carnaval também tem suas particularidades. Quem mora por ali não costuma ficar na rua, ao léu, quando o bloco passa. Enquanto as orquestras  – sim, são duas, pois a gente é tanta, que quem fica na parte de trás da troça não escuta a música tocada no começo – do Cariri Olindense arrastam multidões, os moradores apreciam o cortejo das janelas ou calçadas das suas casas. 

“A comunidade está mais acostumada a ver o Cariri passar, mas também não é muito de vir aqui, apoiar de dentro. Quem apoia mais o Cariri, compra camisas, é muita gente de fora. Quando fizemos a mudança na identidade visual, percebemos muito isso, porque notamos o quanto o folião gosta e apoia o Cariri, não apenas no Carnaval. Mas, ao mesmo tempo, os moradores nos ajudam, cedem suas casas para servir como ponto de água para os passistas e esse tipo de coisa”, pontua Ivison Santana.

A fala do presidente é completada pela de Alexandre Gomes, tesoureiro e porta-estandarte da troça: “Carnaval de desfile, mesmo, que o povo aprecia, só existe das ruas daqui até a sede do Vassourinhas. Depois, tem aquele folião que só se interessa por bebedeira e empurra-empurra. O Carnaval mesmo só se tem em Guadalupe. O povo fica na calçada, pra aplaudir e ver o bloco passar”.

Cariri Olindense arrasta multidão pelas ladeiras de OlindaCariri Olindense arrasta multidão pelas ladeiras de Olinda durante o Carnaval. Imagem: Hugo Muniz/Divulgação

A história de aproximação do Cariri com Alexandre, que também é o responsável pela confecção do estandarte comemorativo dos 100 anos, ilustra a facilidade da agremiação para juntar pessoas interessadas em criar uma folia diferente. Ele é “nascido e criado” em Guadalupe. Sua avó morava pertinho da casa dos fundadores. Quando trabalhava como ajudante de pedreiro, foi chamado para a construção da sede da troça.

“Foi quando me aproximei, passei a ficar frequentando e surgiu a oportunidade de ser um dos porta-estandartes. Eu abracei a ideia e me apaixonei. Tanto é que, hoje, já trouxe meu filho mais velho, que, com 19, também é porta-estandarte, e o mais novo, de 8 anos, que também já sai com seu estandarte miniatura. Faço isso porque penso que, assim, as novas gerações tomam gosto por essa cultura, de forma que cultivamos o carnavalesco do amanhã”, conta Alexandre. 

A preocupação com o amanhã é comum entre os diretores de agremiações carnavalescas de Olinda. Além do problema do envelhecimento dos carnavalescos mais antigos, há outras questões que vão de encontro ao crescimento dessa tradição. Uma vez que troças como essa possuem relevância histórica e constroem a festa da cidade, e por não serem fonte de renda para seus diretores, elas contam com verbas (cachê) das prefeituras de Olinda e Recife para colocarem suas agremiações na rua.

A diretoria do Cariri relata que, com o passar dos anos, surgem mais dificuldades. Há os problemas orgânicos: muitas pessoas nas ruas, dificuldades de caminhar com fantasias, concorrência com sons eletrônicos contra os quais as pequenas troças competem com dificuldade etc. Por sair às 4h da manhã, o Cariri evita a maioria desses, mas há o fator financeiro. Quando esta entrevista aconteceu, em dezembro último, eles revelaram que só haviam recebido há pouco o pagamento referente ao Carnaval de 2020 por parte da Prefeitura do Recife, enquanto a Prefeitura de Olinda ainda não tinha pago o cachê.

“A gente coloca na rua por amor, mas tem muita troça por aí se acabando, com organizadores botando muito do próprio bolso. A gente tem a sorte de ter uma sede para alugar, temos o recurso do Patrimônio Vivo, que ajuda muito; mas, agora mesmo, com essa pandemia, queremos fazer uma live dos 100 anos como deveria ser, com a importância que deveria ter, com uma atração de peso, mas, cadê o dinheiro? Se a gente não alugar a sede, não conseguir vender camisa e ficar esperando esse dinheiro da prefeitura, como podemos fazer? O poder público tem muita sorte que a gente faz o Carnaval por amor, não fazemos por dinheiro e, se precisar, botamos do nosso bolso. A gente sempre sentiu falta desse apoio do poder público”, lamenta Ivison.

Como explica o presidente da troça, o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco tem papel importante no Cariri Olindense. O reconhecimento pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) deu-se em julho de 2016, após cinco anos consecutivos de tentativas. Mas a espera valeu a pena.

“Fomos realizar a defesa do Cariri e eles perguntaram o porquê de a gente merecer o reconhecimento. Nós montamos o velho, pegamos o burro, a chave, contratamos uma orquestra e fomos fazer a apresentação. Quando chegamos lá, havia mais duas agremiações, uma delas precisando de orquestra, porque o seu grupo não conseguiu chegar. Eles pediram ao nosso maestro para tocar com eles, como um ‘extra’. O músico perguntou se nós permitíamos e claro que demos o ok. Quando eles chegaram lá em cima e agradeceram ao Cariri, Márcia Souto (então presidente da Fundarpe) comentou que nós já merecíamos o Patrimônio Vivo por ceder a orquestra para outras agremiações. Acho que isso resume o que fazemos: se é frevo, a gente apoia”, lembra o atual presidente, Ivison Santana.

No Cariri Olindense, é oferecido espaço para que qualquer orquestra possa ensaiar gratuitamente. Há, também, aulas de frevo para crianças, ministradas por três maestros contratados pela troça. “Temos esse carinho dos olindenses, porque é ali que a gente vive, é dali que a gente conhece todo mundo, não tem como não ter esse carinho pelo público olindense. Estamos lá há 100 anos, isso não seria possível sem esse amor. Acho que ainda fazemos pouco, tamanho é o respeito que as pessoas nos têm.”

A live realizada pela agremiação contou com a participação de passistas e orquestraA live realizada pela agremiação contou com a participação de passistas e orquestra. Fotos: Hugo Muniz/Divulgação

Muito trabalho é feito durante meses para que, no domingo de carnaval, o místico Velho Cariri receba a chave do Homem da Meia-Noite e parta por Olinda às 4h da manhã. Como a troça não é a ocupação oficial dos integrantes da diretoria, toda a produção é feita em paralelo ao trabalho rotineiro dos organizadores.

“Nenhum de nós, do Cariri, tem educação formal em cultura ou arte. Ninguém é estilista, designer, produtor cultural ou artista. Somos membros da comunidade, um é aposentado, o outro é estudante, ou taxista, ou lojista… Cada um exerce uma atividade não ligada à cultura. O Cariri é feito pela comunidade, a gente faz o Cariri dentro de casa”, pontua Hilton.

Sua fala é complementada por Romildo, que explica o ciclo de trabalho na agremiação: “Antigamente, lembro que três meses antes do Carnaval, a gente começava a ficar sem dormir, pois todos os cômodos da nossa casa na Rua do Amparo, a primeira sede, eram tomados por tecidos e gente costurando. (...) Hoje, em março, a gente já começa a se preparar para o ano seguinte. Existem outras festas para organizar, também. Em junho, a gente tem o Concurso de Redação, que é muito importante. Tem também apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns… Então, o ano todo o Cariri tem atividade”. 

Nesse sentido, a verba dedicada ao Cariri Olindense pelo reconhecimento como Patrimônio Vivo de Pernambuco é mais que bem-vinda. Membros da diretoria afirmam que, como esses recursos são sempre pagos em dia, existe um fluxo com o qual se pode contar, permitindo um pouco de planejamento e sobrevida fiscal à troça, mesmo em tempos de pandemia, ou diante de atrasos de outras fontes de renda.


Concentração na sede começa à meia-noite. Saída é às 4 da manhã. Foto: Divulgação

A MÍSTICA DO VELHO CARIRI
Lá vem Cariri ali
Com o saco de pegar criança
Pegando menino e moça
Pegando tudo que a vista alcança

Cariri não tenho o medo
Cariri tenho receio
Pega velho
Pega moço
Só não pega gente feia

O hino do Cariri Olindense, reproduzido acima, só foi criado 30 anos depois da troça, por um autor desconhecido, mesmo para os membros mais antigos. As letras parecem servir para espantar as crianças da rua, algo que, aparentemente, funciona. 

“Eu, quando era criança, morria de medo do Velho Cariri, por causa dessa história de que ele pega criança. Quando eu trelava, minha avó dizia que me botaria no saco do velho… E isso funcionava! Eu mesma não colocava o pé pra fora de casa com medo”, recorda Daniele Marques, secretária da troça, responsável pela companhia de dança e moradora da comunidade.

Foi ela quem primeiro fez a sugestão para um dos membros da agremiação se tornar o atual intérprete do Velho Cariri. O nome de quem se fantasia não foi e nem será revelado neste texto, mas explica-se: enquanto conversava com os membros da diretoria, este jornalista que ora escreve percebeu um certo cuidado para manter a identidade da pessoa que se fantasia de Velho Cariri em segredo. Seu nome só foi revelado após um acordo: poderia conversar com o destemido carnavalesco que se traveste de Cariri, mas sem identificá-lo nestas páginas. Aqui, ele será chamado pelo personagem e daqui a pouco dará a palavra.

“Meu pai não queria deixar a gente conhecer quem era o Velho Cariri. Dentro da própria diretoria, meu pai tinha um ciúme tremendo, não queria que mais ninguém descobrisse quem era o Cariri. Dentro da minha casa, o Velho se vestia e ele conseguia manter a tradição de sair sem se revelar. Lembro que eu só descobri num dia que eu me escondi embaixo da mesa, e quando o velho pintou eu gritei ‘Romualdo!’, meu pai ficou arretado! Na época, não existiam os óculos, foi aí que meu pai danou o talco na cara dele, botou os óculos e gritou: ‘Não é ele não, você viu errado!’. Depois dessa data, começamos a botar óculos e pó na cara do Velho para esconder a pessoa. Hoje, temos até maquiadora, pra você ver como estamos bem (risos)!”, recorda Romildo Canuto.

Lembrança semelhante é compartilhada por Ivison Santana: “Eu chegava lá por volta da meia-noite, ficava ajudando, mexendo a feijoada, de olho pra saber quem era a pessoa que se fantasiava do Cariri. Mas era um entra e sai tão grande dentro da casa, os quartos das minhas primas eram cheios de fantasia, era mulher pra um lado, sutiã do outro, e eu pequeno naquele meio de gente trocando de roupa… Ficava pensando ‘esse ano eu conheço o Cariri’. Não sei o que ele fazia, mas eu dava um vacilo e o velho descia, já fantasiado. Mas realmente tem essa mística de se descobrir quem é o Velho Cariri. Depois de muito tempo, há 10 anos, foi quando eu descobri que era Romualdo Cajuru”. 

Desde a criação da agremiação, cinco pessoas deram vida, oficialmente, ao Velho Cariri nos carnavais de Olinda. Para o atual representante desta entidade, a experiência é difícil de ser descrita. “Só quem está vestido como o Velho sente essa energia diferente. Quando você está naquela preparação, parece que você está incorporando aquele Velho, você vai se transformando, na maquiagem, na vestimenta… Você começa a entrar num clima diferente e, quando encontra o povão, sente que é o Velho Cariri.”

Quando questiono a diretoria sobre como o Velho Cariri seria, caso ele fosse um folião, a resposta converge para uma personalidade mais recatada, leve, que não se exalta muito e observaria da calçada o bloco correr. Apesar da visão homogênea, eles comentam que, quando, por alguma necessidade, mudam o intérprete por baixo da fantasia, o público nota.“As pessoas sentem quando você muda o Velho. Acontece às vezes, quando tem uma saída que eu não posso ir. Certa vez, quando cheguei no local pela segunda vez, alguém disse: ‘Não foi você quem veio da outra vez. Era um velho, mas não tão velho quanto você”, comenta o intérprete. 

Ivison Santana, presidente do Cariri Olindense Hilton Santana, diretor de comunicação e marketing
Ivison Santana, presidente do Cariri Olindense, e Hilton Santana, diretor de comunicação e marketing. Fotos: Hugo Muniz/Divulgação

O CARIRI SE RENOVA
Além dos fatores corriqueiros, a pandemia do novo coronavírus também dificultou o planejamento do Cariri para as celebrações dos 100 anos. Eles contam que iriam criar um evento mensal chamado Cariri convida, que iria de março de 2020 até este fevereiro, oferecendo uma série de apresentações na sede com diferentes orquestras de várias agremiações.

“Quando chegasse fevereiro, a turma iria estar cansada de frevo. Mas só vamos saber o futuro quando sair a vacina. Fico triste com este ano sem carnaval. Mas, por outro lado, podemos até não fazer 100 carnavais, mas vamos fazer os 100 anos, deixando a marca dos 100 carnavais para 2022, indo para 101 anos e 100 carnavais. Vão acabar sendo dois centenários”, avisa o presidente.

Apesar das dificuldades citadas acima, Daniele enxerga o futuro com bons olhos: “ Às 21h do sábado, já tem gente por aqui, deitado… Esperando a saída do Cariri. Antigamente, quando a gente voltava, era basicamente só a diretoria. Hoje, tem muita gente que volta conosco para a sede do Cariri. E a gente cresce para dentro, também. Minha filha é passista, o filho de Alexandre é porta-estandarte… A gente passa nossos ensinamentos para nossos filhos e eles abraçam a tradição”, pontua ela. 

Mesmo que o planejamento para o amanhã seja difícil, em detrimento da pandemia, o Cariri Olindense, como comentou Daniele, faz planos para longo prazo. A principal aposta na preservação das suas tradições e no crescimento da troça está no Coletivo Cariri, uma espécie de grupo voltado para o folião dar suas ideias, perspectivas e opiniões para melhorar a agremiação. Dessa iniciativa, por exemplo, saiu o site oficial da troça.

Nesse coletivo, está João Pedro, filho de Hilton e sobrinho de Ivison. O jovem de 19 anos, que ingressou há pouco no grupo, traz suas ideias e pega gosto pela troça: “Botar o Cariri na rua é até fácil, basta uma orquestra, e o resto a gente sabe. Mas, durante o ano, como as pessoas aqui têm suas atividades, é preciso que outras pessoas ajudem a manter o site, Instagram, a venda de camisas etc. Eu imagino que o Cariri vai crescer ainda mais. Apesar de ser difícil, quando tem tanta gente jovem pensando novas ideias, a tendência é um crescimento no movimento. E não só no frevo, mas também em educação patrimonial, cultural, nas aulas de música etc.”


Camisa do Cariri para este 2021. Desenho foi eleito por concurso.
Foto: Divulgação

Enquanto os jovens trazem renovação, as gerações presentes abrem o caminho. “Estamos aqui também para aprender com a chegada dessa nova geração, repassar, entregar o bastão e contar com o gás dos mais jovens para elevar ainda mais o Cariri. Nos juntamos e o Carnaval continua!”, diz Romildo. Alexandre completa: “É por isso que estamos trazendo esse grupo jovem aqui, porque eles têm boas ideias e também para aprenderem a respeitar as tradições e preservar. Estamos pensando no futuro do Cariri, para que ele não se acabe”, pontua Alexandre.

Assim caminha a Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense, com respeito às tradições, mas prospectando o caminho futuro. As transformações são muitas, mas, na sede, os ícones seguem preservados. Além dos primeiros estandartes, uma foto de Augusto Canuto e a imagem original do personagem-título observam, lado a lado, em um painel de vidro, o vaivém de pessoas, ideias e festas. Neste 2021, o Velho Cariri vai recolher a chave e decretar que não é ano de carnaval, com a promessa de que, em 2022, estaremos em um momento mais feliz, agraciados com suas bênçãos carnavalescas em uma nova e aguardada folia.

*Procurada pela reportagem, a secretária de Patrimônio, Cultura, Turismo e Desenvolvimento Econômico de Olinda afirma que 95% dos cachês relacionados ao Carnaval 2020 foram pagos e que os cachês ainda em abertos estão associados à falta de documentação correta dos candidatos.

AUGUSTO TENÓRIO
, jornalista pernambucano, ex-estagiário da Continente e repórter de cultura e entretenimento do Jornal do Commercio.

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