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"'A sagração' foi o maior impacto musical da minha adolescência"

Maestro recifense Marlos Nobre fala sobre a influência de 'A sagração da Primavera' na sua formação musical e como foi criar peça em homenagem aos 100 anos da obra de Stravinski

TEXTO Josias Teófilo

01 de Abril de 2013

Marlos Nobre

Marlos Nobre

Foto Josias Teófilo

[conteúdo vinculado à reportagem de "Sonoras" | ed. 148 | abril 2013]

CONTINENTE
 Como surgiu o convite para a homenagem aos 100 anos dA Sagração?
MARLOS NOBRE Surgiu, no ano passado, do diretor artístico da Osesp, Arthur Nestrovski. Minha relação com a Osesp é longa, pois, além de outra encomenda importante em 2009 (quando escrevi o meuConcerto nº 2 para percussão e orquestra), tive praticamente todas as minhas obras orquestrais tocadas por ela. Portanto, a orquestra está ligada a mim e conhece o meu estilo de longa data.

CONTINENTE No meio musical recifense da época da sua formação como compositor, havia espaço para a vanguarda da música?
MARLOS NOBRE Nessa época, não havia espaço nem no Conservatório, nem junto aos meus professores de piano e de teoria, apesar da abertura de espírito do Padre Jaime Diniz. Ele me dizia ter informações, mas não tinha aprofundado ainda esse tema. Assim, o espaço surgiu de colegas músicos e intelectuais que eram amigos no Recife na época, e, como disse, a casa do Cabral de Lima, em Casa Forte, para a qual convergiam todos nós, jovens. Tinha um colega, chamado Wener Tiburtius, filho de alemães, que somente admitia música moderna, de vanguarda. Com ele, eu lia as partituras que chegavam às nossas mãos, sobretudo Hindemith (Ludus tonalis, por exemplo), Messiaen, Ravel, Prokofiev. E esse nosso grupo pressionava, por exemplo, Vicente Fittipaldi, diretor da Orquestra do Recife, a programar música moderna. Era uma época fascinante de descobertas e, nesse nosso mundo, não havia espaço para música do passado, como chamávamos, com a petulância e a autossuficiência próprias da juventude. Mas isso era bom, era um sopro de renovação no ambiente muito provinciano do Recife musical daquela época, que somente se interessava pelos recitais de piano, com o mesmo repertório surrado de sempre.

CONTINENTE Além de Stravinski, existe Pernambuco no Sacre du sacre?
MARLOS NOBRE É claro que, sendo minhas raízes profundas do Recife, há um amálgama das influências de Stravinski e de minhas raízes ligadas à música popular recifense. E não é por menos que eu adorava perdidamente o frevo, pois há uma imensa conotação stravinskiana nos metais e na percussão do frevo de rua. E estou seguro de que uma das razões por que Stravinski me fascinou vem seguramente do fato de ter vivido como menino da Rua São João, no centro da cidade, a experiência do Carnaval do Recife passando na porta de minha casa. Eu ouvia fascinado, desde criança, como já disse tantas vezes, os metais dos frevos, a percussão profunda e mística dos maracatus, a brincadeira dos caboclinhos, que são uma espécie de scherzo mágico e profundo de nossa música popular. Ao ouvir Stravinski, portanto, eu o assimilei através de minha própria experiência com os ritmos poderosos dos maracatus. A polifonia rítmica dos maracatus está presentes, sim, nesta minha obra Sacre du sacre, sobretudo na parte final, em que crio uma verdadeira polifonia rítmica e métrica.

CONTINENTE A Osesp já tocou toda a sua obra. A orquestra de sua cidade natal, entretanto, nos últimos anos, não tocou nenhuma obra sua. Por quê?
MARLOS NOBRE Até 1986, minhas obras sempre foram tocadas pela Orquestra Sinfônica do Recife. Apesar de algumas limitações derivadas do isolamento dos músicos e sua situação financeira deficiente como membros de uma orquestra que pagava mal, eles tinham o ideal e a responsabilidade profissional. Sempre que vinha ao Recife reger, dirigia obras minhas difíceis, isto é, obras que são modernas, em linguagem muito avançada, mas que, com um regente experimentado diante deles, os músicos e a orquestra tocavam perfeitamente bem. Eu dirigia essas obras, fazendo com que pudessem entender as novas técnicas e as novas linguagens e nunca tive qualquer problema com os integrantes da OSR. A última vez em que estive como regente à frente dessa orquestra foi a convite dos Irmãos Maristas (e não da prefeitura local), para celebrar o centenário deles no Brasil, para o qual escrevi um balé encomendado, Saga Marista, em outubro de 1997, no Teatro Guararapes. Com imenso êxito, casa lotada, uma grande ovação. Depois desse ano, nunca mais fui convidado a dirigir um concerto com a OSR. Os motivos? Pergunte a quem passou a dirigir essa orquestra nos últimos anos...

CONTINENTE Como você vê a atual situação da Orquestra Sinfônica do Recife?
MARLOS NOBRE O regente titular da OSR está regendo o quê? Qual é a programação regular, anual de concertos? O que justifica então a existência dessa orquestra? O que significa a presença desse senhor no Recife? A orquestra está em péssima fase, não conheço nada igual no mundo inteiro. São perguntas que todos fazem. O passado glorioso dessa orquestra está sendo destruído, dilapidado, os músicos estão desestimulados e a Orquestra do Recife não tem uma programação digna desse nome. Isso para mim denota um grau de indiferença com a orquestra, o que é preocupante por parte dos dirigentes políticos. Hoje, temos no Brasil, impulsionados pelo nível da Osesp, excelentes orquestras e programações dignas em Sergipe, Pará, Manaus, João Pessoa, Salvador.

CONTINENTE Qual a próxima estreia de uma obra sua?
MARLOS NOBRE O meu Nonetto, encomendado pela Funarte, estreia na próxima Bienal de Música Contemporânea, no Rio. Outra é pela Orquestra Simón Bolivar da Venezuela, um Concerto para orquestra também neste ano, possivelmente dirigido por Gustavo Dudamel. 

JOSIAS TEÓFILO, jornalista e mestrando em Filosofia pela UnB. 

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