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"O fileteado e o tango nasceram marginais"

Nome em evidência quando se trata do fileteado, Alfredo Genovese já fez inúmeros trabalhos do gênero e comenta sobre essa tradição portenha

TEXTO Mariana Camaroti

01 de Outubro de 2012

Alfredo Genovese

Alfredo Genovese

Foto Mariana Camaroti

[conteúdo vinculado à reportagem de "Tradição" | ed. 142 | outubro 2012]

Fileteador, pesquisador e professor,
Alfredo Genovese é o que poderia se chamar de pop star do fileteado. Atende principalmente o design gráfico e encomendas publicitárias. Já desenvolveu desenhos para uma linha de tênis Nike, uma série limitada da Coca-Cola e uma edição especial de caminhonetes Mercedes Benz. É autor do livro Fileteado porteño, entre outros.

CONTINENTE O que o fileteado representa para Buenos Aires, para a Argentina?
ALFREDO GENOVESE Trata-se de uma iconografia típica de Buenos Aires e que se estendeu para o resto do país. Representa uma identidade nossa e que podemos ver em vários lugares, assim como aconteceu com o tango, no campo da música.

CONTINENTE Por que o seu surgimento está associado ao do tango? Ainda hoje vemos fileteado em casas do gênero ou estabelecimentos tradicionais, como alguns restaurantes.
ALFREDO GENOVESE O fileteado e o tango nasceram como expressões culturais marginais, populares, e que depois foram incorporados pela sociedade e pela cultura oficial de uma maneira geral. Essa ascensão aconteceu primeiro com o gênero musical. Com o fileteado houve uma diferença: ele não foi incorporado pela academia, mas pelas pessoas. Ele não é ensinado na Escola de Belas Artes, por exemplo, e essa discrepância, já que é uma pintura nossa há mais de um século, chamou minha atenção quando estudei lá.

CONTINENTE Os turistas buscam muito esse tipo de trabalho. Na sua opinião, é algo mais procurado por estrangeiros ou existe interesse dos argentinos?
ALFREDO GENOVESE Existe uma grande oferta em feiras e praças. Mas eu não trabalho mais com o estilo tradicional nem tenho uma barraca. Hoje, quem mais procura meu trabalho são designers gráficos – para uso em publicidade, publicações ou capas de livro, por exemplo –, que querem novos motivos, uma imagem não tradicional. Também tenho demanda dos tatuadores, já que o fileteado é uma inspiração para a bodypainting.

CONTINENTE Como você busca a renovação estilística no seu trabalho?
ALFREDO GENOVESE Depois de aprender e trabalhar com o fileteado tradicional, me dediquei a trabalhar em sua renovação. Primeiro quis saber da história, quem tinham sido seus criadores, suas nomenclaturas e estilos. Depois, com o conhecimento da técnica e da teoria, parti para a docência. No momento, me dedico a dar conferências e à divulgação dos meus livros, assim como às oficinas e à criação propriamente dita. Gosto de romper limites, modificar a temática, usando a política e a religião a partir de outra perspectiva. Já fiz desenhos sem volume para imprimir no encosto de uma cadeira para uma tapeçaria ou com cores pastéis – o que é contrário ao tradicional. Gosto de usar collages – como a tampa de um vaso sanitário sobre a qual pintei Nossa Senhora de Luján e apliquei sobre um fundo monocromático –, de brincar com as possibilidades.

CONTINENTE O fileteado é algo artístico ou decorativo?
ALFREDO GENOVESE Ele sempre esteve mais relacionado com o decorativo. Por isso nunca foi aceito pelo meio artístico como arte. E os profissionais são mais vistos como artesãos do que como artistas, daí o fato de vender em feira e ter uma relação mais estreita com o popular.

CONTINENTE O que você tenta transmitir com o seu trabalho?
ALFREDO GENOVESE Eu procuro transmitir ideias, fazer interpretações sobre o que já existe. Isso não é o convencional, já que o fileteado sempre foi muito complacente e tranquilo, decorativo.

CONTINENTE Essa atividade recebe algum incentivo do governo argentino?
ALFREDO GENOVESE Muito pelo contrário. Uma lei publicada em 1975 que proibia o fileteado - com o argumento de que não podia ser bem-lido pela população - nunca foi revogada, embora não se aplique mais. Não temos um fundo de cultura que o incentive, ele não está nas escolas de arte... o que é um contrassenso, porque foi reconhecido como patrimônio cultural da cidade de Buenos Aires. 

MARIANA CAMAROTI, jornalista residente em Buenos Aires.

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