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Bajado: Aquele que um dia se disse “artista de Olinda”

No centenário de seu nascimento, pintor primitivo recebe homenagens, sobretudo de carnavalescos, que serão feitas durante o Carnaval de 2013

TEXTO Gilson Oliveira

01 de Dezembro de 2012

 Entre os temas recorrentes em sua pintura, estão as festas populares e o futebol

Entre os temas recorrentes em sua pintura, estão as festas populares e o futebol

Imagem Reprodução: Tiago Barros

Inspiração recorrente nas telas de Bajado, o Carnaval de Olinda, em 2013, inverterá essa relação, colocando entre seus temas a figura do pintor, cuja obra será lembrada por várias agremiações, como a Troça Carnavalesca Mista Ofídica, Erótica & Etílica Minha Cobra. Formada por aficionados do Santa Cruz Futebol Clube, ela desfilará com camisetas inspiradas em trabalhos do artista, que tinha no time uma de suas paixões, chegando a desenhar, em muitos quadros, personagens vestidos com a camisa tricolor. “Bajado completaria 100 anos agora em dezembro, o Santa faz 99 anos em 3 de fevereiro e o Carnaval começa logo no dia 9... Então, decidimos juntar tudo numa festa só”, explica, com sua lógica de folião e torcedor, Claudemir Pereira, um dos coordenadores da troça.

As outras agremiações também possuem motivos, e de sobra, para homenagear o pintor, pois sempre moraram no seu coração e em suas telas, a exemplo de Pitombeira, Elefante e O Homem da Meia-noite, cujos ensaios e desfiles foram retratados em cores e perspectivas que permitem até “ouvir” o frevo rasgado. Umbilicalmente ligado ao povão, o universo bajadiano é um eterno desfilar da cultura, tradição, costumes e tipos populares pernambucanos, sobretudo olindenses.

Nascido em 9 de dezembro de 1912 e falecido em 1996, Bajado recebe em seu centenário uma demonstração de que sua arte – embora tenha andado um pouco distante dos “holofotes” – ainda é uma chama acesa na alma dos seus conterrâneos. Homenagens surgem não apenas entre carnavalescos, mas também nos setores oficiais. No início deste ano, o Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco (MAC), por exemplo, organizou a exposição Salve meu Carnaval, com 40 telas do artista.

Já a Prefeitura Municipal de Olinda (em cuja sede encontra-se acervo do pintor, com cerca de 40 obras, visitado por turistas e estudantes do município) lançará, neste dezembro, uma cartilha voltada para a educação patrimonial, com a imagem de Bajado na capa e a reprodução de famosas telas suas em todas as páginas. “A iniciativa comemora o centenário de nascimento do artista e os 30 anos da conquista, por Olinda, do título de Patrimônio da Humanidade. Mas visa, principalmente, orientar as crianças sobre a importância da preservação dos nossos bens artísticos e culturais”, informa Débora Nunes, professora do Laboratório de Restauro da PMO.

OLINDENSE DE MARAIAL
Conhecido como “Bajado, um artista de Olinda” – cognome por ele mesmo criado –, Euclides Francisco Amâncio nasceu, na verdade, em Maraial, cidade da Mata Sul pernambucana. “O apelido, ele ganhou na infância, quando, ao jogar no bicho, disse uma frase da qual nem ele mesmo sabia o sentido: ‘Dez mil réis, Bajado!’”, diz Deda de Bajado, também pintora, com um estilo bastante influenciado pelo pai.

Caso de amor à primeira vista, que acabou se tornando eterno, a relação do artista com Olinda começou por acaso, quando, nos anos 1930, visitou amigos residentes na cidade. Um emprego no Cine Olinda, no qual atuou como letreirista de cartazes e operador de máquina, permitiu-lhe fixar-se na Marim dos Caetés, onde passou, entre outras coisas, a pintar painéis nas fachadas e interiores de bares e outros estabelecimentos, além de desenhar estandartes para agremiações. Um dos últimos foi o da troça Bicho Maluco Beleza, criada por Alceu Valença, fato registrado no frevo homônimo do cantor: “Teu estandarte tão raro Bajado criou”.

Considerado um representante da pintura primitiva – gênero artístico que, pela liberdade de expressão, possui grande identidade com a arte moderna –, Bajado, a partir da década de 1970, começa a chamar a atenção de personalidades ligadas às vanguardas estéticas, como o pintor e marchand Giuseppe Baccaro. Este se torna grande divulgador de sua obra e viabiliza exposições nas principais cidades brasileiras e em vários países, como Itália, Espanha e Holanda, comprovando que a obra do “artista de Olinda” situava-se além das fronteiras geográficas e artísticas.

O artista Paulo Bruscky também se tornou admirador do pintor. Entrevista realizada por ele com Bajado, publicada em 1996 no Suplemento Cultural do Diário Oficial de Pernambuco, teve grande repercussão, por revelar um dado até então inédito: Bajado, junto com o desenhista Gato Félix, foi parceiro de Péricles na criação de O Amigo da Onça, um dos mais famosos personagens do humor gráfico brasileiro. 

GILSON OLIVEIRA, jornalista e revisor do jornal Pernambuco.

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