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Casamento: O ritual valorizado e a noiva eterna

TEXTO Fábio Lucas

01 de Fevereiro de 2014

Foto Juliana Lombardi/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 158 | fevereiro 2014]

O dia marcante do matrimônio não perdeu a magia
e o encanto com a rotatividade das relações líquidas. Pelo contrário, cada vez mais o evento é eternizado, e ganha toda a pompa. Para celebrar a data, famílias despendem suas economias em celebrações planejadas e vivenciadas em expectativa com um ano ou mais de antecedência. Um exército de prestadores de serviços é convocado para a arrumação das flores, a decoração da igreja e do local da festa, o bufê, a orquestra, o cerimonial... e, claro, fotógrafos e produtoras de vídeo que cuidam da captação de momentos tão esperados e sua edição para inscrição na eternidade. Sem falar no making of do show, em que cada centímetro pisado pelos noivos vira palco, e cada cumprimento, um gesto ensaiado.

Embora o “para sempre” seja cada vez mais relativizado num universo cultural que supervaloriza a troca e enfatiza o gosto da novidade, a festa de casamento talvez seja a maior prova da permanência da tradição romântica. Na era da imagem, as fotos de casamento ganharam tanta importância, que a noiva começa a ser fotografada do instante em que acorda até o flagrante alcoólico dos efeitos da festa. Sem falar nas fotos posadas em cenários externos, em que o romantismo se expõe num teatro de exageros para a degustação do olhar dos outros.

A fotógrafa Juliana Lombardi diz que o registro do grande dia é cercado de verdadeira emoção. “É a experiência do ápice, a materialização de um sonho que foi pensado em cada detalhe”, relata Juliana, que declara ter escutado muitas noivas se sentirem órfãs depois que passa a festa. “Muitas sentem saudade desse período, de vivenciar o seu status e a sua identidade de noiva”, conta. Ou seja, é a mania romântica da idealização transferida do sonho a dois para a caricatura de um – a noiva eterna.

Lombardi lembra que as festas de casamento trazem um clima de fechamento, como encontramos nas novelas. “Todo final feliz tem um encontro perfeito, um beijo ou um casamento – e é exatamente nesse ponto em que a novela termina, e nós, espectadores, ficamos sem saber o que veio depois na vida desses casais.”

Vem isso mesmo: a vida. Começa a realidade. Longe do sonho arrematado na festa cara, depois do buquê jogado ao alto e dos pombinhos partindo em lua de mel, o romantismo é desafiado a se desdobrar, e ir além da idealização – ou retornar dela. De qualquer modo, a imagem do casamento também é apresentada cheia de estereótipos, para não destoar muito da visão romântica vendida pela cultura.

Cansada de ver a exploração do tema na TV, especialmente em programas de entrevistas com casais famosos, juntos há longa data, a psicanalista Bianca Dias postou numa rede social: “As respostas são sempre as mesmas imbecilidades, que nada dizem sobre o maravilhoso e assustador encontro com a diferença. ‘Muito respeito, admiração e fidelidade’ – como se todas as relações tivessem que se encaixar nesse ideal normativo, como se isso garantisse alguma coisa, como se o tempo fosse indicativo de que ali existe amor”, critica. Para ela, o tempo só pode ser comemorado como acontecimento se houve uma reinvenção, senão, não há o que ser celebrado, e, sim, “só o acúmulo de dias sem cor no calendário”.

Depois de encerrado o ritual, Juliana Lombardi diz ter contato com os noivos fotografados de duas maneiras: ou sabe da separação poucos anos depois, ou continua sendo chamada para registrar o batizado e aniversários dos filhos. “O interessante é observar que, apesar de o romantismo ser um artigo universal no enredo dos casamentos, o caminho é único para cada casal: há espaço para sonhos e realidades”, comenta a fotógrafa. 

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