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Criminalizar não é a solução!

TEXTO Diego José Sousa Lemos

01 de Fevereiro de 2015

Imagem Arte sobre reprodução de jornais

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 170 | fev 2015]

A criminologia crítica denuncia a deslegitimação estrutural
do sistema penal. As funções declaradas que o sistema promete garantir, como a igual proteção dos cidadãos e a punição, prevenção e ressocialização de criminosos, não são cumpridas. Em seu lugar, são desempenhadas, em silêncio, funções reais de construção seletiva da criminalidade (alguns, como negros e pobres, são mais “criminalizáveis” do que os brancos e ricos) e proteção do patrimônio e do status quo. A inoperância do sistema é geral. Ele atua sobre um número reduzido de casos, deixando claro que a regra não é a punição, mas a impunidade.

A partir dessa fundamentação, a contrariedade à criminalização da LGBTfobia se impõe. O grave problema da rejeição individual e da hostilidade geral contra pessoas LGBTs não será solucionado pela criminalização do fenômeno, que é excessiva ou simbólica. Digo isso porque os dois projetos criminalizadores da LGBTfobia, o PL 122/2006 e o mais recente PL 7.582/2014, protocolado pela Deputada Maria do Rosário (PT/RS), trazem inovações penais que poderiam ser melhor tratadas por outros ramos do Direito, ou criminalizam coisas que já são sancionadas penalmente, apenas lhes atribuindo qualificadoras ou causas de aumento de pena.

Há, nos projetos, neocriminalizações para situações de preconceito em contexto trabalhista, de lazer, da escola e do comércio em geral. Situações que poderiam ser abarcadas com mais eficiência e menor dano por outros ramos do Direito, como o Trabalhista, o Cível e o Consumerista, e não com uma nova lei penal.

Já as situações que envolvem violência real (homicídios e lesões corporais), tradicionalmente apropriadas pelo movimento LGBT para lastrear suas demandas criminalizadoras, já são passíveis de punição. Daí vem o simbolismo que está ao lado do excesso penal retratado acima. Ora, se a existência do tipo penal que pune o homicídio no art. 121 do seu respectivo código não impede alguém de cometer um homicídio LGBTfóbico, não será um simbólico aumento de pena que dissuadirá o agressor. Acreditar que o instrumento penal pode ter, nesses casos, um efeito simbólico virtuoso, é paradoxal, tendo em conta o caráter marcadamente machista, racista e LGBTfóbico desse mesmo instrumento.

Precisamos deixar de pensar a criminalização da LGBTfobia e nos concentrar no que realmente interessa: a proteção das pessoas LGBT. A Lei do Racismo, que seria ampliada pela PL 122/06, nunca protegeu negros e negras da violência racial. Ela se preocupou, então, com o simbolismo da criminalização de condutas e se esqueceu de proteger as pessoas.

É necessário que politizemos a LGBTfobia, em lugar de policializá-la. Para ser incluída na pauta da segurança, uma conduta não precisa ser classificada como criminal. Precisamos pensar no problema não reativa e incidentalmente, mas de forma preventiva e global. Por exemplo: se a escola é um tradicional ambiente de bullying LGBTfóbico, melhor do que criminalizar os agressores e/ou seus responsáveis seria garantir o estudo de gênero e sexualidade nas escolas, atuação preventiva e coordenada.

O movimento LGBT e a luta contra a LGBTfobia devem deixar de lado os imediatismos que requerem a criminalização e reacender os ideais transformadores sobre os quais foram erigidos. A busca por reconhecimento de direitos via sistema penal é um equívoco e está fadada a fracassar, tendo em vista que esse sistema é, em si, também um fracasso. Com imaginação e muito debate, encontraremos os meios compatíveis com os fins. O primeiro passo é, como diz Maria Lúcia Karam,“estabelecer os compromissos e deles não se afastar”. O segundo é “não hesitar em desejar o que pode parecer impossível”. 

DIEGO JOSÉ SOUSA LEMOS, advogado, mestrando UFPE, militante LGBT e dos direitos humanos.

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