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Eles eram muito estranhos para os ouvintes brasileiros

No início dos anos 1970, nem nordestinos de classe média nem moradores de outras regiões do país se interessavam pelas músicas tradicionais da região

TEXTO José Teles

01 de Maio de 2011

Quinteto é cercado por transeuntes em show no Mercado de são José

Quinteto é cercado por transeuntes em show no Mercado de são José

Foto Reprodução/Arquivo Quinteto Violado

[conteúdo vinculado à reportagem de "História" | ed. 125 | maio 2011]

Ouvindo-se hoje os primeiros quatro discos
do Quinteto Violado, pode-se apreciar a música, o talento dos músicos, e dificilmente o ouvinte irá estranhar as harmonias, os temas das letras, os ritmos contidos nos CDs. Mas não foi bem isso o que aconteceu no já longínquo início dos anos 1970. A informação que o grupo levou em seu matolão era inteiramente nova para os “sulistas”. Aliás, não apenas para esses. Em sua própria terra, manifestações populares como cavalo-marinho, maracatu, variações de cocos, não chegavam à classe média. Apenas a ciranda tornara-se mais conhecida, por ter virado moda no começo da década, e era dançada pela burguesia no Pátio de São Pedro, e na Praia do Janga, um modismo que logo passou. O Nordeste que se conhecia no Sul e Sudeste do país era o de filmes do Cinema Novo.

O álbum quádruplo Música popular do Nordeste foi um dos mais influentes da história da indústria fonográfica brasileira. O que o Quinteto Violado, responsável pela pesquisa, incluiu nos quatro LPs era um mundo sonoro que grande parte do país desconhecia por completo, até porque, com exceção de pesquisadores, essa música era ignorada pelas gravadoras, inclusive pela Rozenblit, que só a partir daí passaria a gravar a cultura popular nordestina com mais frequência.

Foi com esses quatro discos que jovens músicos, inclusive nas capitais nordestinas, tiveram contato com modalidades de cantoria de viola, martelo agalopado, galope à beira mar, oito pés a quadrão, meia quadra, emboladas, cocos não estilizados. Esse álbum, que teve grande aceitação pela crítica especializada do Sudeste, de certa forma, abriu caminho para o próprio Quinteto Violado, que trabalhou nele, antes de ter o primeiro disco lançado.

Mesmo assim, tanto público quanto jornalistas sentiam dificuldades para decifrar aquele óvni surgido de uma hora para outra na MPB. Até o “Violado” do nome causava controvérsias, muita gente supunha que tinha a ver com “violência”. No Jornal de Minas (21/6/1973), uma matéria sobre o show que o QV faria em BH foi iniciada assim: “O nome do Quinteto é Violado, mas não existe violência nisto, é um trabalho que sai espontâneo de cada um, ligado à vida de cada um”. Não raro, o repórter tinha uma leve noção do que era ou de onde exatamente vinha o Quinteto Violado. Uma jornalista mineira, no mesmo junho de 1973, perguntou numa coletiva: “O que vocês fazem tem alguma identificação com Luiz Gonzaga?”. Toinho Alves respondeu: “Claro que tem. O trabalho de Luiz Gonzaga é nordestino e tem muitas ligações conosco. As próprias composições dele são tocadas por nós”, uma pergunta redundante, se a repórter tivesse o disco de estreia do grupo, que abre com sua famosa versão de Asa branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira).

O desconhecimento do Nordeste pelos jornalistas e público em geral levou o Quinteto Violado a chegar a um impasse com o espetáculo A feira. Como aconteceu nos dois discos anteriores, A feira foi levado ao palco como um musical, com ênfase no cenário, que emulava uma feira nordestina, com toda sua complexidade. Mas imprensa e plateia esbarraram diante da quantidade de informações que lhe foi servida (do espetáculo participaram a estreante Elba Ramalho e o cantor Ray Miranda, então bastante atuante na TV recifense). O produtor Roberto Santana foi o autor do texto, e de algumas músicas. E A feira continha realmente uma excessiva carga de Nordeste. Depois de tantas críticas negativas, Roberto Santana e os integrantes do Quinteto Violado repensaram o espetáculo, que se tornou um show musical, com o mínimo de textos. Uma mudança que contribuiu involuntariamente para a carreira de Elba Ramalho, que continuou no Rio, e três anos depois estaria no elenco da badalada Ópera do malandro, de Chico Buarque. Apesar de alguns percalços, o Quinteto Violado, quando deixou a Phillips, em 1979, depois de gravar o LP Pilogamia do baião, tinha cumprido bem a tarefa a que se propôs. Bumba meu boi, maracatus, cocos, cirandas, frevos de bloco foram incorporados à linguagem da MPB no país inteiro. Até então, a música nordestina que se escutava no Sudeste era estilizada, com as exceções de praxe, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, e outros grandes do forró.

QUINTETO VERSUS QUARTETO
Não foram poucas as comparações que se fizeram do Quinteto Violado com o Quarteto Novo. Surgido em 1966, para acompanhar Geraldo Vandré, o Quarteto Novo foi um supergrupo, formado por Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Theo de Barros e Airto Moreira. É certo que a instrumentação de ambos os grupos era semelhante, e o Quinteto Violado sofreu influência do quarteto (embora só tenha passado a usar teclado em 1991, com a entrada de Dudu Alves). A fonte onde beberam foi a mesma: o Nordeste. Entre os grupos, porém, havia uma diferença básica. Todos os integrantes do quinteto cresceram com aquela música, na capital, no interior. Enquanto, do quarteto, só quem conhecia bem parte aquelas manifestações era o alagoano Hermeto Pascoal, da interiorana Lagoa da Canoa. Heraldo do Monte, recifense, conhecia parte delas. Théo de Barros, carioca, e Airto Moreira, paraense, aprenderam nos discos. Tanto que, ao se tornarem independentes de Vandré, causaram mais impacto pelo inegável talento dos músicos, do que pelo repertório que tocavam. 

JOSÉ TELES, jornalista, escritor, crítico de música e colunista semanal do Jornal do Commercio.

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