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Euclides Fonseca restaurado

Compositor pernambucano, único artista local a compor e estrear uma ópera no Recife, tem acervo salvaguardado no IRB e desperta interesse de regente

TEXTO Carlos Eduardo Amaral

01 de Janeiro de 2016

Página da pouco conhecida ópera 'Leonor', de Euclides Fonseca

Página da pouco conhecida ópera 'Leonor', de Euclides Fonseca

Foto Acervo/Divulgação

[conteúdo vinculado ao especial | ed. 181 | jan 2016]

Não foi por falta de oportunidades: o pernambucano Euclides de Aquino Fonseca (1835-1929) havia sido chamado por Carlos Gomes (1836-1896) para trabalhar em Belém do Pará, e o cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920), para rumar ao Rio de Janeiro. Euclides recusou porque não se via vivendo fora de Pernambuco. Para quem declinara uma chance de viver na Alemanha, pelas mesmas razões, não seriam os dois amigos diletos que o demoveriam de seu apego. Hoje, Pernambuco, que gosta de exaltar os talentos que revelou ao país, deixou cair no esquecimento o único (até onde se sabe) artista local a compor e estrear uma ópera no Recife.

Leonor, drama lírico em um ato com libreto vernacular de José Afonso de Araújo, sobre a lenda das mangas do jasmim, se passa na Ilha de Itamaracá e foi escrita para coro misto, orquestra e três solistas: Leonor (soprano dramático), D. Antônio, seu amado (tenor), e D. Nuno Coutinho, irmão da protagonista (baixo). O drama musical estreou em 7 de setembro de 1883, produzido pelo Clube Carlos Gomes – que Euclides fundara em homenagem ao já consagrado operista de Campinas – e com a presença de Nepomuceno nos primeiros violinos.

A redução para canto e piano de Leonor e algumas partes instrumentais hoje se encontram na biblioteca do Instituto Ricardo Brennand, junto com cerca de uma dúzia de arranjos feitos por Fonseca e mais 71 obras originais, incluindo três operetas e o Ave Libertas, hino composto para arrecadar fundos para a causa abolicionista. O acervo, reunido pela historiadora Zilda Fonseca, foi encaminhado por ela ao amigo e também historiador Leonardo Dantas, que o destinou ao instituto. Antes de falecer, Zilda, viúva de um neto do músico, relatou em seu livro Euclides Fonseca: Meio século de vida musical no Recife (Ed. Universitária, 1996) que muitas outras obras tiveram menções na imprensa, mas encontravam-se perdidas.

A psicóloga Eleonora Fonseca resume as dificuldades que a mãe, Zilda, enfrentou: “Após um verdadeiro jogo de quebra-cabeça, ela pôde montar a história do maestro e de suas composições. O resgate foi possível com a colaboração de familiares, particularmente de outra bisneta do maestro que tocava piano e mantinha originais. O padre Jaime Diniz, que possuía originais e cópias, também colaborou”. A biblioteca do IRB pede que, caso seja encontrado algum manuscrito de Fonseca, ele seja doado ou encaminhado para digitalização.

O professor, regente e musicólogo Sérgio Dias, da UFPE, revela o desejo de empreender o catálogo temático do compositor recifense e enfatiza a importância dele no contexto nacional: “Euclides Fonseca é um dos esquecimentos mais atrozes que o Brasil tem. Ele era um competentíssimo compositor, digno dos elogios que recebeu de Nepomuceno e Carlos Gomes”. Sérgio faz parte da equipe de um projeto de produção e montagem de Leonor que está pleiteando patrocínio do Funcultura e envolverá a edição da partitura.

Eleonora Fonseca se alegra com o interesse despertado pela obra de Euclides: “Espero que a grandiosidade da obra do meu bisavô possa ser reconhecida e que ele possa, enfim, ocupar o lugar merecido de grande compositor clássico brasileiro e, acima de tudo, pernambucano, pois foram seu amor e vínculo à terra que, de certa forma, o mantiveram no esquecimento”. 

CARLOS EDUARDO AMARAL, jornalista, crítico de música erudita, pesquisador com mestrado em Comunicação pela UFPE e compositor.

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