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Nos EUA: Sem bancar a diva over

Nova safra de atrizes e atores latinos no exterior se beneficia com a interpretação de papéis variados e menos atrelados à origem étnica ou a estereótipos

TEXTO Alexandre Figueirôa

01 de Janeiro de 2014

Hollywood disseminou mundialmente a imagem de Carmen Miranda, nos anos 1940

Hollywood disseminou mundialmente a imagem de Carmen Miranda, nos anos 1940

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 157 | janeiro 2014]

Na Polinésia, um jovem cai no mar e é salvo por
uma bela nativa de pele morena. Eles se apaixonam, mas o amor entre os dois tem como obstáculo o vulcão da ilha. Por ameaçar entrar em erupção, os habitantes do local iniciam um ritual para acalmar os deuses, cujo ápice será o sacrifício da moça. Com esse enredo rocambolesco, Bird of paradise, filme de romance e aventura, de 1932, dirigido por King Vidor, colocava nas telas, como atriz principal, a mexicana Dolores Del Rio, uma das várias atrizes latinas a fazerem sucesso em Hollywood nos anos áureos do star system, interpretando papéis que quase obrigatoriamente as apresentavam como personagens exóticas e sedutoras.

A presença de atores e atrizes nascidos abaixo da Califórnia nos filmes hollywoodianos não é novidade e acontece desde a fase muda do cinema. Pela proximidade geográfica, os mexicanos estão entre os mais assíduos integrantes do cast dessas produções, mas não faltam porto-riquenhos, cubanos e brasileiros, cujas carreiras foram marcadas por encarnarem tipos de origem latina, mas também figuras que de alguma forma estavam associadas ao imaginário construído sobre a América Latina, região considerada, principalmente nas décadas de 1920 a 1950, ainda quase selvagem, com florestas e montanhas a serem desbravadas e de uma cultura marcada por danças e músicas pitorescas e práticas religiosas primitivas.

Dessa forma, em filmes de aventura e musicais, mesmo que não fossem ambientados em países latino-americanos, era comum que atores dessas regiões interpretassem dançarinos, ciganos, aventureiros. Nos anos 1940, por exemplo, a atriz Maria Montez, nascida na República Dominicana, ganhou popularidade em filmes de aventuras com sua imagem de latina sedutora de cabelos vermelhos, vestida com roupas sensuais e joias reluzentes. Mas ela foi também uma mulher-serpente em Cobra woman (1944), de Robert Siodmak, outro filme ambientado numa ilha no Pacífico com nativos adoradores de vulcão, e uma mulher árabe em Ali Babá e os quarenta ladrões (1944), de Arthur Lubin.


Mexicana Dolores Del Rio interpretou mulheres exóticas e sedutoras. Foto: Reprodução

Na verdade, atores e atrizes latinas serviam para encarnar tipos físicos que não correspondessem ao padrão de beleza anglo-saxão e do norte da Europa. Quando iniciou sua carreira, ainda no cinema mudo, a mexicana Lupe Velez especializou-se em viver mulheres de grande beleza, de diversas etnias. Em seus primeiros filmes, ela representou hispânicas, indígenas, russas e até mesmo asiáticas. Com a chegada do cinema sonoro, Lupe acabou ficando mais conhecida por personagens cômicos. Entre os homens, o mexicano Anthony Quinn construiu sua fama pela grande quantidade de papéis de personalidades famosas, mas também tipos étnicos. Ele viveu um toureiro em Sangue e areia (1941), de Rouben Mamoulian; foi grego em Zorba (1964), de Michael Cacoyannis, e em Onassis (1978), de J. Lee Thompson; e até esquimó, em Sangue sobre a neve (1960), de Nicholas Ray.

Atores latino-americanos também se prestaram a encarnar galãs latin lovers, seguindo o caminho aberto pelo italiano Rodolfo Valentino. Um deles foi o mexicano Ramon Novarro. Ele começou a fazer sucesso ainda durante a fase muda do cinema, como protagonista da primeira versão de Ben-Hur (1925), de Fred Niblo. Com a morte de Valentino, em 1926, Novarro ocupou o espaço dele nos meios de comunicação e se tornou o ator latino mais importante de Hollywood. Quando o som chegou, dedicou-se aos filmes musicais, um gênero que sempre abriu espaço para os latinos.

A música foi, assim, o passaporte para a entrada no cinema norte-americano do cubano Desi Arnaz. Ele tinha uma banda que executava músicas latinas e com a qual participou de diversos filmes e musicais. Arnaz, porém, tornou-se mais conhecido pela série para televisão I love Lucy, em que atuou ao lado da esposa Lucille Ball, além de produzi-la. Na série, Arnaz fazia o papel do cubano Rick Ricardo, maestro de uma orquestra dançante de night clubs.


Carioca Raul Roulien (à dir.) foi o primeiro ator brasileiro a migrar para os EUA, em 1931. Foto: Reprodução

Também foi na televisão que o mexicano Ricardo Montalbán se consagrou, após trabalhar em vários musicais da Metro Goldwyn Mayer. Ele interpretou o Sr. Roarke do seriado A Ilha da Fantasia,que foi ao ar de 1978 a 1984, tanto nos Estados Unidos quanto na América Latina.

O professor da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do cinema latino-americano Tunico Amancio observa que a existência de atores e atrizes latinas de sucesso em Hollywood é circunstancial e fruto de políticas de casting muito específicas, mas nem por isso as morenas latinas deixaram de concorrer com loiras, negras, ruivas, recrutadas para ampliar o brilho das produções cinematográficas norte-americanas.

Segundo Amancio, os requisitos para entrar nos estúdios eram bem simples: “Um pouco de talento, um tipo exótico, um bom inglês falado, um bom agente e um bom filme estrelado em seu país de origem”.

Ele lembra Katy Jurado, que depois do sucesso em uma película mexicana, Nosotros, los pobres (1948), de Ismael Rodriquez, foi para Hollywood, onde fez, entre outros, High noon (1952), de Fred Zinnemann, pelo qual ganhou Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante, e Broken lance (1954), de Edward Dmytryk, quando recebeu uma indicação ao Oscar também de atriz coadjuvante pelo papel de uma índia casada com um rancheiro poderoso.


A atriz mexicana Lupe Velez viveu mulheres de grande beleza, de variadas etnias.
Foto: Reprodução

BRASILEIROS
No caso de atores brasileiros, o pioneiro foi o carioca Raul Roulien. Ele chegou a Nova York em 1931 e conseguiu assinar um contrato com a Fox, fazendo diversos filmes até 1934. Seu trabalho de maior sucesso foi Voando para o Rio (1933), de Thornton Freeland, quando atuou ao lado de Dolores Del Rio, Ginger Rogers e Fred Astaire e cantava a canção Orquídeas ao luar. Conta-se que Roulien teria sido o descobridor de Rita Hayworth e quem apresentou Ginger Rogers a Fred Astaire.

Nesse período, porém, ninguém bate em popularidade e reconhecimento, no cinema internacional, a portuguesa naturalizada brasileira Carmem Miranda. A cantora, conhecida no Brasil como a Pequena Notável, ganhou projeção em filmes como Alô Alô Carnaval (1936), de Adhemar Gonzaga, e por suas apresentações no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, em Buenos Aires, na Argentina, e shows em transatlânticos de luxo. Acabou sendo convidada para ir aos Estados Unidos, onde se apresentou na Broadway com muito sucesso.

Ao desembarcar no cinema hollywoodiano, contratada pela Fox, Carmem Miranda não escapou do estereótipo de mulher latina. A roupa de baiana, o turbante com frutas tropicais e os balangandãs tornaram-se sua marca registrada. Embora ela falasse inglês fluentemente, os produtores a forçavam a mostrar um sotaque carregado e, nos musicais, ela tanto podia ser uma brasileira quanto uma mexicana, cubana ou porto-riquenha. Carmem atuou ao lado de Groucho Marx, Dean Martin, Cesar Romero e chegou a ter um dos mais altos salários de Hollywood.


Maria Montez ganhou popularidade em filmes de aventura, como
Ali Babá (1940). Foto: Reprodução

Também foi a primeira brasileira a gravar as mãos na calçada da fama do Teatro Chinês, em Los Angeles. Entre seus sucessos no cinema, destacam-se as comédias musicais Uma noite no Rio (1941) e Minha secretária brasileira (1942), dirigidos por Irving Cummings; Entre a loura e a morena (1943), do diretor Busby Berkeley e Copacabana (1947), de Alfred E. Green.

Conhecida como “The Brazilian Bombshel”, sua imagem latina foi explorada exaustivamente pelos estúdios norte-americanos, para reforçar a política de boa vizinhança entre os Estados Unidos e a América do Sul, o que a levou a receber críticas no Brasil de setores contrários a essa aliança, que a acusavam de “americanização”. Contudo foi com sua imagem exótica e extravagante que Carmem se transformou num símbolo de latinidade lembrado até hoje.

O tipo moreno e sedutor foi também o que garantiu a entrada da brasileira Sônia Braga no cinema norte-americano. Sua aparição no filme O beijo da Mulher-Aranha, produção brasileiro-estadunidense de 1985, dirigida pelo cineasta Hector Babenco, projetou a atriz internacionalmente. O filme teve uma excelente carreira nos Estados Unidos, recebeu quatro indicações ao Oscar e levou Sônia Braga a tentar a sorte naquele país. Em 1986, ela conseguiu um papel na televisão no Cosby Show, programa de grande sucesso na época, e um convite para ser uma das apresentadoras do Oscar. Sônia Braga, contudo, impôs-se como atriz dramática e não teve seu tipo latino explorado para personagens caricatos e exóticos. Nos 14 anos em que permaneceu nos Estados Unidos, ela atuou em filmes relevantes como Rebelião em Milagro (1988), de Robert Redford; Luar sobre Parador (1988), de Paul Mazursky; Rookie, um profissional de perigo (1990), de Clint Eastwood, e seriados da televisão como CSI Miami e Sex and the city. Sinal dos novos tempos de Hollywood que, percebendo a crescente população de origem latina no país, tem garantido à recente geração de atores latinos, incluindo os brasileiros Rodrigo Santoro e Alice Braga, papéis diversificados e menos atrelados à sua origem étnica. 

ALEXANDRE FIGUEIRÔA, jornalista, crítico de cinema.

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