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O documentário como aliado do ativismo ambiental

TEXTO Priscila Muniz de Medeiros

01 de Setembro de 2014

Foto Reprodução

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 165 | set 2014]

Quando ofereci uma disciplina de jornalismo ambiental
para alunos de graduação, no primeiro semestre deste ano, pensei que seria uma boa ideia trabalhar os diferentes temas – geração de lixo, uso de agrotóxicos, transgênicos, aquecimento global etc. –, através da exibição de documentários. A ideia era que os alunos pudessem debater as questões ambientais, ainda que não tivessem lido um material extenso sobre o assunto.

Durante a disciplina, assistimos a filmes como A história das coisas (EUA, 2007), O mundo segundo a Monsanto (França, Canadá e EUA, 2008), Soluções locais para uma desordem global (França, 2010), O veneno está na mesa (Brasil, 2012), A revolução dos cocos (Inglaterra, 2000), Obsolecência programada – comprar, descartar, comprar (Espanha, 2011, na foto acima), Sobrevivendo ao progresso (Canadá, 2011), entre outros.

O resultado foi animador. Com uma ou outra exceção, os estudantes não tinham nenhuma familiaridade com temáticas ambientais. Os filmes fizeram com que eles se preocupassem, se indignassem e debatessem saídas para problemas aos quais antes eram alheios. Por se tratar de uma turma de estudantes de jornalismo, é possível que essa preocupação seja espalhada para outras audiências, a partir da atuação profissional dos alunos.

O exemplo citado mostra um pouco do potencial político dos documentários, que vêm sendo uma arma cada vez mais usada por grupos de ecologistas no mundo inteiro. Aqui, entendemos como documentário ambiental aquele que aborda aspectos relacionados aos desequilíbrios provocados pela ação do homem sobre o planeta (o que não inclui, por exemplo, os documentários sobre a vida selvagem exibidos no Discovery Channel ou no Globo Repórter). Tais filmes circulam com diferentes abordagens e alcances. Há desde os mais conhecidos, como o ganhador do Oscar Uma verdade inconveniente (EUA, 2006), até os filmes independentes totalmente financiados através de crowdfunding.

Mas o que o documentário ambiental tem que é capaz de despertar o interesse do público nas questões ecológicas? A maior parte dos documentários pretende ter algum tipo de impacto no mundo histórico, e para isso precisa convencer o público de que o ponto de vista adotado por eles é o mais adequado. Trata-se de um trabalho de persuasão, e é por isso que esse tipo de filme normalmente se alinha a uma tradição retórica. A questão do ponto de vista é bem importante, uma vez que não podemos reclamar para o documentário o status de reprodutor da realidade (o que o distanciaria da ficção, que antes de realidade seria imaginação, tornando a equação bastante simples. Mas não é dessa forma que o documentário deve ser entendido).

De fato, o documentário aborda o mundo em que vivemos antes daquele imaginado pelo diretor, no entanto, ele não é a réplica de algo que já existe, mas, sim, uma representação que é construída a partir de um ponto de vista entre vários outros possíveis. O grande trunfo do documentário ambiental é a exposição de pontos de vista que muitas vezes são negligenciados pelos grandes veículos de comunicação.

Olhares sobre a forma como a nossa civilização vive, produz e se relaciona com a natureza. O discurso do documentário ambiental dialoga, numa relação de polêmica, com certos discursos que atuam como base de sustentação ideológica da nossa sociedade contemporânea, cujas práticas fizeram emergir a crise ambiental vigente (discursos ligados ao consumismo, à primazia dos critérios econômicos, ao “progresso” desenfreado, ao antropocentrismo, entre outros).

Os desafios para um maior desenvolvimento do potencial político dos documentários são grandes, e começam pelo pouco interesse que o gênero documentário desperta no grande público. Isso faz com que, muitas vezes, tais filmes, especialmente os independentes, circulem em redes restritas e atinjam basicamente aquelas pessoas que já possuem preocupações com o meio ambiente. Por isso a importância do uso pedagógico desses filmes em escolas, universidades e outros espaços educacionais. Essas e outras estratégias podem fazer com que o ativismo dentro da tela se materialize em engajamento fora dela. 

PRISCILA MUNIZ DE MEDEIROS, jornalista, doutoranda em Comunicação pela UFPE.

Leia também:
Carlos Mélo: Desejo de trabalhar a natureza original
Rodrigo Braga: Embate entre morte e vida

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