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Pavilhões: Sob perspectiva histórica

Alguns trabalhos se destacaram pelas propostas de revisão crítica do passado de seus países

TEXTO Cristiana Tejo

01 de Agosto de 2015

Pavilhão da Armênia

Pavilhão da Armênia

Foto Divulgação/Bienal de Veneza

[conteúdo vinculado à reportagem de "Visuais" | ed. 176 | ago 2015]

ARMÊNIA
O Leão de Ouro de melhor pavilhão da Bienal de Veneza de 2015 foi dado para a Armênia. Diferentemente da edição anterior em que a premiação de Angola causou rebuliço, a deste ano para a mostra Armenidade coroou uma recepção já muito favorável. A sensação era de que o prêmio foi realmente merecido e isso deveu-se principalmente à grande pertinência da proposta que cruza micro e macro-histórias, trajetórias e diásporas de uma maneira muito coerente. No ano do centenário do genocídio armênio, o primeiro do século 20, a curadoria escolheu o lugar mais potente em Veneza para acessar esta história silenciada: a Ilha de São Lázaro, local onde o monge armênio Mekhitar estabeleceu a Ordem Mekhitarista, em 1717. Trata-se de um local extremamente importante para a história da Armênia, pois foi lá que vários livros relevantes de literatura e religião europeus foram traduzidos para o armênio e onde documentos foram mantidos durante quase três séculos. A curadora Adelina Cüberyan v. Fürstenberg é neta de armênios sobreviventes do genocídio e convidou artistas com a mesma ascendência que nasceram em vários lugares do mundo como Líbano, Síria, EUA, Egito, Turquia, Argentina, Irã, Bélgica, Grécia, Itália, França, Armênia e Brasil para formar uma espécie de reunião transnacional, sob a noção de deslocamento, território, justiça e conciliação, ethos, resiliência e autodefinição.

BÉLGICA


Imagem: Divulgação/Bienal de Veneza

Entre todos os pavilhões de países “imperiais” e centrais, apenas o belga responde ao tom politizado da bienal com uma proposição que coloca o dedo na própria ferida colonial. A Bélgica foi o primeiro país a construir seu pavilhão no Giardini, em 1907, sob o reinado de Leopold II, autor de um dos capítulos mais sangrentos da história do colonialismo, que se tornou uma espécie de ponto cego da historiografia mundial e praticamente ausente dos currículos escolares belgas. Entre os anos de 1885 e 1908, o Estado Livre do Congo foi uma possessão do rei da Bélgica, situação que se encerrou em 1908, após grande pressão internacional a respeito de suas terríveis políticas no Congo e quando o país passou a ser parte do estado da Bélgica até 1960. Em Personne et les autres, a curadora Katerina Gregos e o artista Vicent Meessen convidaram artistas de vários continentes (Mathieu Kleyebe Abonnenc, Sammy Baloji, James Beckett, Elisabetta Benassi, Patrick Bernier & Olive Martin, Tamar Guimarães & Kasper Akhøj, Maryam Jafri e Adam Pendleton) para questionar a ideia eurocêntrica de uma modernidade singular, ao examinar uma herança vanguardista compartilhada que foi criada pelas inter-relações entre Europa e África, que gerou uma pluralista gama de contramodernidades. Os curadores, portanto, partem da história do próprio prédio do pavilhão para traçar uma linha do tempo de referências que conectam críticas da modernidade colonial como Dada, CoBrA e a Internacional Situacionista (1957–72), os últimos movimentos de vanguardas revolucionárias ocidentais, assim com a emancipação dos negros, pan-africanismo, movimentos de independência africanos e Global 68, um fruto menos conhecido do maio de 1968 no Sul global.

BRASIL


Imagem: Divulgação/Bienal de Veneza

A escolha dos artistas que estão no pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza de 2015 não foi feita pelos curadores da última Bienal de São Paulo, como tradicionalmente ocorre, mas pelos curadores convidados, Luiz Camillo Osorio e Cauê Alves. É tanta coisa que não cabe aqui, título retirado de uma das faixas usadas nas manifestações de junho de 2013, é uma resposta ao tom político da mostra principal da bienal, mas também ao estado das coisas no Brasil e sua conflituosa sociabilidade. A aposta recaiu numa mistura geracional bastante instigante: Antonio Manuel, Berna Reale e André Komatsu. Trata-se também de nomes que não são tão reconhecidos no campo da arte internacional, o que é importante, dado que as lentes de leitura da arte brasileira resumem-se atualmente à Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica e Cildo Meireles.

CHILE


Imagem: Divulgação/Bienal de Veneza

Pela primeira vez, o governo chileno promoveu uma chamada pública para a escolha do projeto curatorial do seu pavilhão na Bienal de Veneza. A proposta selecionada foi Poéticas da dissidência, da teórica Nelly Richard, que apresenta uma enxuta e pungente exposição de duas das artistas nacionais de maior visibilidade internacional: Paz Errázuriz e Lotty Rosenfeld. O fato de serem duas mulheres não é aleatório, Nelly tem se debruçado sobre a epistemologia feminista e a tentar dar visibilidade “aos corpos maltratados pela exploração econômica, a falta de assistência pública, de proteção dos direitos civis, a privação de justiça e o abandono social”. Errázuriz volta-se para os lugares de encarceramento ou de isolamento, tais como o hospital psiquiátrico. Já Rosenfeld apresenta uma versão atualizada de seu trabalho sobre a transição da ditadura para a democracia no Chile.

ESPANHA
O curador Martí Manen escolheu Salvador Dalí (foto ao lado) como um ponto de partida de seu pavilhão, sem apresentar nenhuma de suas obras. O famoso artista surrealista é visto sob o viés de sua persona e está presente por meio de suas entrevistas em vídeo e de opiniões dadas por intelectuais espanhóis sobre os múltiplos aspectos de sua personalidade. Cabello/Carceller, Francesc Ruiz e Pepo Salazar, artistas jovens espanhóis, reinterpretam Dalí sob uma perspectiva contemporânea, a partir de discussões sobre questões de gênero, o poder da mídia de massa e a relação entre objeto e imagem. Dalí é contextualizado como um artista que compreendeu e soube usar a mídia a seu favor e encontrou-se sempre numa constante simbiose entre o público e o privado. As performances, filmes e instalações que compõem Los sujetos estão arraigados nas teorias feministas e queer e oferecem um olhar crítico sobre a definição de identidade e a luta política do indivíduo.

ESTADOS UNIDOS



Imagem: Divulgação/Bienal de Veneza

O pavilhão norte-americano trouxe um peso-pesado da arte internacional: a artista Joan Jonas. They come to us without a word é uma reedição de um trabalho desenvolvido em 2010, a partir dos escritos do islandês Halldór Laxness sobre os aspectos espirituais da natureza. Trata-se de uma constelação de vídeos, desenhos, objetos e sons que criam ambientes oníricos e quase imersivos, em que somos levados a refletir sobre as mudanças climáticas. Os vídeos foram desenvolvidos em Nova York no inverno deste ano, durante uma série de workshops com crianças entre 5 e 16 anos que performam na frente de paisagens captadas por Jonas em vários lugares e também de obras anteriores suas. A fragilidade da natureza numa situação em rápida transformação é desenvolvida em cada sala. Há fragmentos de histórias de fantasmas provenientes de tradições orais.

CRISTIANA TEJO, curadora, jornalista e doutoranda em Sociologia pela UFPE.

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