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“É um privilégio continuar vivendo na própria cidade”

Um dos rostos pernambucanos mais presentes na cinematografia atual, a atriz Hermila Guedes analisa sua trajetória e comenta sobre o filme 'Assalto ao Branco Central', em que interpreta uma bandida

TEXTO Cleodon Coelho

01 de Fevereiro de 2012

Hermila Guedes

Hermila Guedes

Foto Renato Filho

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 134 | fevereiro 2012]

O ano de 2011 não foi igual àquele que passou.
Pelo menos, para Hermila Guedes. Depois de mais de 20 filmes, entre curtas e longas, ela finalmente experimentou o gostinho do cinema-pipoca. Assalto ao Banco Central, lançado no final de julho, foi seu primeiro blockbuster. E a experiência não foi nada indigesta. Ela gostou de se ver na tela grande como a sedutora Carla, uma bandida solta na vida, digna dos melhores versos de Chico Buarque. A atriz nunca escondeu o desejo de ver seu trabalho atingir o chamado grande público. Em apenas uma semana, o Assalto teve mais de um milhão de ingressos vendidos. Seu rosto no cartaz do filme ganhou os outdoors e as paradas de ônibus, suas fotos nas pré-estreias estamparam páginas de Caras e Contigo. Alguns colegas torceram o nariz, como se Hermila estivesse rejeitando o rótulo de musa cult, conquistado ao longo desses 15 anos de carreira.

Muito pelo contrário. O emblemático O céu de Suely, de 2006, continua sendo o melhor cartão de visitas da menina nascida em Cabrobó. Foi com esse filme que ela ganhou projeção nacional, prestígio em alguns dos festivais mais respeitados, vários prêmios e o aplauso de mulheres importantes do cinema, como a inglesa Charlotte Rampling, a francesa Irene Jacob e Sônia Braga.

Na TV Globo, em que começou vivendo a cantora Elis Regina no primeiro Por toda a minha vida, ela se prepara para o primeiro grande papel em novelas, na próxima trama do horário das seis (Amor eterno amor). Tudo junto e misturado com o teatro (atualmente, ela e mais cinco atrizes hipnotizam o público com Essa febre que não passa, do Coletivo Angu de Teatro) e, claro, muito cinema (filmes como Era uma vez Verônica e A luneta do tempo estreiam este ano).

Nesta entrevista à Continente, a atriz reflete sobre esse novo momento de sua carreira, analisa o mundo da fama que a corteja, fala do desejo de ser cantora e conta como a maternidade a ajudou a manter “os pés no chão”. Enquanto isso, em Cabrobó, a entrevista da filha mais ilustre da cidade no Programa do Jô – que teve até canja dela cantando Madalena, o clássico de Ivan Lins imortalizado na voz de Elis – é vendida por R$ 10,00 nas banquinhas de DVDs piratas. O pop não poupou Hermila.

CONTINENTE A experiência em uma superprodução como Assalto ao Banco Central foi muito diferente de seus outros trabalhos no cinema?
HERMILA GUEDES Eu já tinha intenção de fazer um filme mais comercial, que pudesse dar uma visibilidade maior ao meu trabalho, e vi essa oportunidade chegar com o convite do Marcos Paulo, um diretor que sempre respeitei. Cada diretor tem um olhar, claro, e ele enxergou em mim essa mulher poderosa que é a Carla. Eu tinha saído de Força-tarefa (série da TV Globo) com resquícios da falta de vaidade da sargento Selma. E tive que encontrar esse mulherão que estava um pouco escondido. O filme foi quase todo rodado em estúdio, o que é um pouco estranho, pois estou acostumada a locações reais. E elas acabam permitindo o improviso, ao contrário de Assalto, em que tudo era pensado para acontecer daquele jeito. Mas o resultado foi muito feliz. O elenco me recebeu de uma maneira bacana. Fui muito bem-acolhida por esse cinema também.

CONTINENTE Qual a diferença que sente entre seu primeiro curta, O pedido, de 1999, e o trabalho que realiza em Assalto?
HERMILA GUEDES Com certeza sou uma atriz mais madura, isso é fato. Antes, eu tinha muitas dúvidas em relação à carreira, embora muita gente não acredite. Fazendo um filme como o Assalto, não me bateu mais nenhuma dúvida. É muito bacana, quando você percebe que acertou.

CONTINENTE Muito se discute sobre a influência que filmes nacionais recebem das novelas. O que você pensa sobre o impacto da TV na linguagem cinematográfica?
HERMILA GUEDES Eu gosto das duas linguagens, mas cada uma na sua. Cinema é cinema, TV é TV. É interessante quando uma linguagem não influencia a outra. Não gosto quando alguns filmes realizados para o cinema parecem feitos para a TV. Quando vi Ó Paí, ó no cinema, não gostei. Quando revi na TV, adorei. A história cabia ali, naquele formato.

CONTINENTE Você acompanha o que está sendo produzido no cinema brasileiro? Qual a sua opinião sobre o momento que ele atravessa, com tantos sucessos de bilheteria?
HERMILA GUEDES Eu não consigo ver tudo. Mas prezo o cinema nacional e me interesso por ele. Acho que o nosso cinema vive um momento muito especial, com produções que se preocupam com o público, que conseguem se comunicar com ele. Aquela coisa “cinema nacional não presta” já era. Claro que ele ainda precisa criar uma cara, uma identidade, como o cinema argentino. Mas estamos no caminho certo. O cinema brasileiro é uma grande referência lá fora.

CONTINENTE No teatro, os espetáculos de stand up comedy, em que o artista se apresenta em um palco sem cenário ou outros recursos, tem tomado conta dos teatros brasileiros. Para uma atriz como você, sempre envolvida com projetos de extremo cuidado cênico, como Angu de sangue e Essa febre que não passa, essa questão preocupa?
HERMILA GUEDES Acho que tem espaço para todo mundo e a stand up é uma forma de arte também importante. Esses espetáculos podem, inclusive, ajudar o teatro mais tradicional, provocando o público que ele atinge a descobrir outras linguagens. O teatro precisa estar em movimento.

CONTINENTE Apesar do flerte com a TV e o cinema nacionais, você ainda vive em Pernambuco. O que pensa sobre o processo migratório que muitos artistas locais precisam enfrentar para ampliar o campo profissional?
HERMILA GUEDES Se você pode morar num lugar onde haja mais possibilidade de trabalho, é ótimo. Mas também é um privilégio poder continuar vivendo na sua cidade, mesmo que trabalhando em outras. Atores como eu, o Luís Miranda, que é baiano, o Luiz Carlos Vasconcelos, que é paraibano, conseguem fazer isso. É uma escolha nossa. Para me instalar no Rio ou em São Paulo, é preciso uma estrutura, pois tenho marido e filha pequena, não posso ser egoísta e pensar só em mim. Mas também não descarto essa possibilidade. Não me sentiria infeliz por ter de trocar de cidade. Na hora que tiver de ser, vai acontecer.

CONTINENTE Até agora, você participou de uma única novela, Ciranda de pedra, uma produção caprichada, baseada em Lygia Fagundes Telles. Para quem acompanhou de perto uma produção desse porte, é possível manter a qualidade ao longo dos meses em que a trama fica no ar?
HERMILA GUEDES Quando a produção pode administrar bem todas as partes envolvidas, esse capricho vai até o fim. E num trabalho de época, como foi o caso de Ciranda, o cuidado é mais perceptível.

CONTINENTE Quando fala sobre fama, Fernanda Montenegro costuma ilustrar: “A fama e todo o seu cortejo de horrores”. Você se sente preparada para ter de lidar com paparazzi, fãs de ocasião e bajuladores em geral?
HERMILA GUEDES Acho que nunca estaria preparada. Posso até, com o tempo, querer e gostar disso, mas ainda é muito estranho. Tem pessoas que ficam nervosas quando vêm falar comigo. Acabo ficando nervosa também, pois não sei montar um personagem e achar isso banal.

CONTINENTE Mas em algum momento você se sente uma estrela de cinema?
HERMILA GUEDES Apenas quando eu entro na sala de cinema e dou de cara com o espaço cheio para ver o filme que fiz. Essas pessoas estão lá prestigiando o meu trabalho. Na fila das Lojas Americanas, eu sou Hermila Roberta, filha de Célia e mãe de Celina, uma dona de casa como outra qualquer.

CONTINENTE Qual foi o impacto que a maternidade teve na sua vida de atriz?
HERMILA GUEDES Eu já desejava um filho há muito tempo, mas não esperava que viesse num momento tão louco. É transformador. Hoje, eu conheço o que significa amor. Sei o amor que minha mãe sente por mim. Celina veio num momento em que meu egocentrismo estava muito em evidência. E ela deu uma baixada de bola, mesmo. Não que eu me sentisse nas nuvens, deslumbrada, mas era um momento de pensar muito mais em mim do que em qualquer outra coisa. O céu de Suely me dava um prêmio atrás do outro, a TV Globo me cortejava com propostas incríveis. Um filho acaba pondo você num mundo com o qual não está muito acostumado, amplia seus olhares. Talvez, inconsciente ou não, ela veio para me fazer ser mais pé no chão.

CONTINENTE Você já disse em entrevistas que sempre sonhou em ser cantora. Esse desejo ocupa quanto espaço na sua vida?
HERMILA GUEDES Muito menos do que eu gostaria. Queria muito poder dividir a carreira de atriz com a música. Comecei a fazer teatro porque queria ser cantora. Só agora tenho revelado isso. Talvez nunca tenha ido atrás com vontade, como eu gostaria de fazer. Mas a cantora está vivíssima dentro de mim. 

CLEODON COELHO, jornalista, roteirista de TV, autor de biografias da novelista Janete Clair e da atriz Lílian Lemmertz.

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