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“Fiz todo esse trabalho com muito afeto”

Em entrevista à Continente, a fotógrafa Claudia Andujar fala sobre a exposição que reúne registros de expressa delicadeza

TEXTO Luciana Veras

01 de Outubro de 2015

Claudia Andujar

Claudia Andujar

Foto Maria Chaves

[conteúdo vinculado à reportagem de "Visuais" | ed. 178 | out 2015]

A voz carrega um sotaque que não esconde
sua origem estrangeira. Traz, também, a candura e a determinação de quem, ao reconstruir a vida em um Brasil tão longínquo para quem fugiu de uma Europa cindida pela 2ª Guerra Mundial, criou um vocabulário próprio de imagens por meio das quais buscava conhecer, observar e compreender o povo, as paisagens e os costumes da nação que adotara. Aos 84 anos, Claudia Andujar, nascida na Suíça, de origem húngara e naturalizada brasileira, é autora de diversas imagens significativas e luminares na fotografia brasileira recente. Foi sobre uma porção não tão conhecida de seu trabalho, compilada na exposição Claudia Andujar – No lugar do outro, que ela falou à Continente, por telefone e com a mesma delicadeza com que fotografou pescadores, médiuns, parteiras, urbes e a natureza.

CONTINENTE É um encanto poder acessar uma fase tão rica de produção sua, de certa forma menos conhecida do que seu impactante trabalho com os yanomamis. Como foi empreender o resgate dessas imagens?
CLAUDIA ANDUJAR O Instituto Moreira Salles quis fazer uma exposição com meu trabalho. Como estou também preparando o pavilhão permanente em Inhotim, em Minas Gerais, e vai ser unicamente dos yanomamis, então a gente decidiu trazer outro trabalho, que era de antes desses índios. E foi assim que nasceu esse trabalho que você viu. Foi uma sugestão deles fazer, também, uma exposição grande – são mais de 300 fotos. Realmente, através dos últimos anos, e principalmente a partir dos anos 1980, estou a mostrar continuamente esse meu trabalho com os yanomamis. Na verdade, esse trabalho que você viu, eu até quase o esqueci.

CONTINENTE Foi mesmo?
CLAUDIA ANDUJAR É, quase esqueci mesmo. Bem, tem coisas que realmente fiquei surpreendida de ver. Obviamente, tem outras que nem tanto, mas porque me lembro muito bem do começo do meu trabalho de fotografia. Essa exposição no Rio de Janeiro se refere a isso. Foi realmente o começo, pouco tempo depois que comecei a fotografar no Brasil. Eu tinha muita vontade de conhecer os brasileiros. Foi por isso que, de uma certa maneira, me dediquei à fotografia: porque era uma linguagem para mim e obviamente na época, quando comecei a fotografar, não sabia falar português.

CONTINENTE Era mais fácil para você, munida de uma câmera, encarar esse país novo e essa língua nova?
CLAUDIA ANDUJAR Sim, é isso mesmo. Eu tinha o desejo de aprofundar, de conhecer o Brasil. Quando cheguei ao país, em 1955, eu não sabia se ia ficar ou se era só uma passagem por aqui. Acabei ficando até hoje. E vou ficar, tudo indica, até o fim da minha vida. Gostei do Brasil, dos brasileiros, da maneira que fui acolhida.

CONTINENTE Isso fica bem perceptível no conjunto de imagens da exposição: a maneira como você fotografa aquelas situações denota muita intimidade. As pessoas permitiram que você ocupasse aquele espaço no lar delas e que pudesse fotografá-las, e as imagens trazem muita delicadeza no olhar, em estar ali, fotografar e não invadir.
CLAUDIA ANDUJAR É exatamente isso. Eu acho que faz parte da minha maneira de ser, de não ser invasiva, entendeu? Isso para mim é importante. Eu fiz todo esse trabalho com muito afeto, com amor.

CONTINENTE Você disse que, naquele momento, recém-chegada ao Brasil, a câmera era como se fosse o seu idioma, com o qual foi construindo uma espécie de abecedário particular. Com o passar do tempo, e a própria exposição mostra isso, você foi experimentando mais com as fotografias. Um exemplo é o ensaio com a modelo Sônia, em que você refotografou as imagens. Era como se você fosse assumindo o controle do meio e experimentando até mesmo para subvertê-lo.
CLAUDIA ANDUJAR Quando comecei a fotografar no Brasil, no fim dos anos 1950, eu ainda não tinha desenvolvido uma linguagem fotográfica que tentasse mudar ou modificar. Era uma linguagem espontânea. Sim, com o tempo eu tentei obviamente me aprofundar na linguagem fotográfica também. Procurei meios diversos para poder ainda melhor me expressar. No ensaio sobre a Sônia, era como se fosse o começo de tentar fotografar fotos já feitas, de usar técnicas que para mim não eram novas. Mas não era só experimentar. Era para conseguir transmitir melhor o que eu sentia.

CONTINENTE Nessa volta a imagens das quais, como você mesma disse, pouco se lembrava, qual o mergulho “no lugar do outro” que mais a surpreendeu?
CLAUDIA ANDUJAR Tudo me surpreendeu bastante. O título da exposição também confirma que eu sempre tentava entender melhor o outro. Quanto mais eu fotografava, mais eu sentia uma certa liberdade de poder entender a pessoa. Não foi um título que eu inventei, foi o Thyago (Nogueira, curador da exposição), mas ele sugeriu porque sentia que era isso que eu tentava fazer.

CONTINENTE Tantos anos depois, você tem curiosidade a respeito das pessoas que fotografou? Alguma vez se indaga sobre onde estariam e o que fariam agora?
CLAUDIA ANDUJAR Sim, sim. É claro que tenho. Alguns anos atrás, pude reencontrar alguns personagens. A Folha de S.Paulo propôs uma matéria para saber onde estariam os integrantes daquelas famílias. Pude reencontrar a família paulistana e foi muito bom. Me receberam com o mesmo carinho. Foi também muito interessante perceber as mudanças trazidas com a passagem do tempo. 

LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.

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