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Uma marca para a cidade, e não para a gestão

TEXTO Carlos Fernando Eckhardt

01 de Novembro de 2014

A cidade australiana de Melbourne investiu no planejamento e gestão da imagem da cidade

A cidade australiana de Melbourne investiu no planejamento e gestão da imagem da cidade

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 167 | nov 2014]

Repetindo o que fez o governo do estado
de Pernambuco, a atual gestão municipal acertou em ressuscitar em sua comunicação institucional os símbolos oficiais da cidade do Recife – o brasão e as cores da bandeira – em geral preteridos pelas chamadas marcas de gestão que se sucedem a cada nova administração.

As ações de comunicação da administração pública são baseadas no princípio constitucional da Publicidade (artigo 37), que garante que o exercício do poder será acessível ao conhecimento de toda a comunidade. Mas a utilização de marcas de gestão acaba por distorcer as intenções desse princípio. Pois, na função de identificarem os responsáveis pelas ações do executivo, depositam a ênfase da comunicação na promoção de grupos e partidos políticos – com suas cores e símbolos próprios –, em vez de enaltecerem a instituição pública que efetivamente realizou a obra, com recursos próprios e através do esforço conjunto de inúmeros servidores, algumas vezes, ao longo de gestões sucessivas.

Como consequência, no caso da instância municipal, além do compromisso financeiro de identificar, a cada nova gestão, todas os materiais de comunicação e equipamentos públicos – da papelaria às lixeiras de rua –, o pior dos prejuízos: um processo perverso e contínuo de alienação do cidadão sobre o papel da prefeitura como um agente que representa a cidade, e não o grupo político que aconteceu de eleger o prefeito para um mandato de quatro anos.

Nesse sentido, a utilização dos símbolos oficiais da cidade é um grande passo para uma comunicação mais transparente e responsável. E deveria servir como inspiração para avançarmos mais nessa relação. Pois, infelizmente, mesmo na configuração utilizada por esta gestão, o brasão e as cores da cidade do Recife constituem apenas elementos, ainda que proeminentes, de uma marca transitória, e podem eventualmente ser devolvidos à obscuridade sem a menor cerimônia por futuras administrações.

A maneira de garantir que a cidade seja representada definitivamente pelos símbolos legítimos da municipalidade exige duas medidas por parte da prefeitura e da câmara de vereadores. A primeira, seria proibir por lei a utilização de marcas de gestão nas comunicações e equipamentos do município. A segunda, não menos importante, seria empreender um processo de sistematização da identidade visual do município que regulamentasse, através de manual explicativo, a utilização dos símbolos da cidade de forma perene, independentemente do grupo político circunstancialmente no poder.

Essas sugestões tratam especificamente da assinatura do município para efeitos de transparência, que é essencial – segundo a Constituição brasileira – ao relacionamento entre ele e o cidadão. No entanto, a prefeitura poderia ser ainda mais ambiciosa. Poderia encarar sua comunicação institucional a partir de uma visão mais ampla e estratégica, e considerar o investimento em um programa de city branding para a construção e implementação efetiva de uma Marca Recife.


Imagem: Divulgação

GESTÃO DA IMAGEM
Seguindo um processo análogo ao que empresas da iniciativa privada utilizam em suas marcas, o city branding consiste no planejamento e gestão da imagem da cidade, e da experiência de seus habitantes, visitantes e interlocutores, internos e externos, com ela, potencializando seus desejos de lá viverem, investirem e visitarem.

Projetos de city branding vêm se multiplicando no mundo desde o início da globalização, quando se acirrou entre os centros urbanos a competição por investimentos, talentos e visitantes. Hoje, já existem bem-documentados casos de sucesso como Amsterdam, Hong Kong e Melbourne.

É verdade que o Recife, como destino turístico e de negócios, tem sido objeto de campanhas regulares por parte de órgãos estatais e dos trades corporativos. Porém, além de focalizarem o público externo e interno, o que caracteriza o city branding – e potencializa seus resultados – é o planejamento estratégico centralizado, que garante que ações relacionadas à imagem do município sejam coordenadas a partir de um discurso e uma identidade em comum. Programas se distinguem pela gestão permanente e pelo amplo espectro de ações multidisciplinares: identidade visual, arquitetura, urbanismo, design de mobiliário urbano, publicidade, coordenação de eventos etc.

Ao contrário das marcas de gestão, que reforçam na população o sentimento de antagonismo entre os vencedores e os derrotados de uma eleição, a proposta de uma Marca Recife deve ser a de unir, a partir do afeto pela cidade e de uma identidade em comum, os habitantes em torno de uma visão de futuro compartilhado, em que a cidade é um patrimônio de todos, e cuja saúde e bem-estar dependem de cada um de nós.

Os resultados para o município, em termos de negócios e turismo, são consequências naturais do aumento da autoestima e do compromisso cívico de seus cidadãos. Que prefeito não gostaria de ter essa conquista como marca de sua gestão? 

CARLOS FERNANDO ECKHARDT, designer gráfico, consultor estratégico em Design e Comunicação.

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