Cobertura

O melhor momento para ser latino

Eis a conclusão de agentes do mercado fonográfico, que apontam um crescimento do setor puxado pelo consumo digital e pela produção da região

TEXTO GUSTAVO LEITÃO, DO RIO DE JANEIRO*

30 de Novembro de 2018

A banda Melim, de Niterói, surge num contexto positivo, mas precisa ralar para se inserir numa corrida globalizada

A banda Melim, de Niterói, surge num contexto positivo, mas precisa ralar para se inserir numa corrida globalizada

Foto Marie-Charlotte/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online | nov 2018]

Executivos de gravadoras, produtores e agentes musicais se acotovelaram esta semana nos corredores do Crab, um solar do século XVIII no centro do Rio, para a primeira edição do Midem na América Latina. Quem é alguém no mercado fonográfico sabe o que a sigla significa. Desde 1967, o Marché Internacional du Disque et de L'Édition Musicale, sediado em Cannes, funciona como o principal polo de negócios do setor no mundo. Pois o Brasil da crise contínua, quem diria, virou a próxima aposta dessa indústria.

Não foi a caipirinha distribuída em profusão no happy hour o principal chamariz da festa, mas outra euforia bem quantificável. Depois de mais de uma década de quedas, 2017 foi o ano da virada para o mercado fonográfico brasileiro, com as bênçãos do digital. O país, enfim, conseguiu superar o drama das vendas minguantes de CDs e DVDs e encontrar um vetor de crescimento em plataformas como o Spotify e o YouTube.

“Estamos vendo uma tendência muito positiva aqui, com o streaming ajudando o mercado a decolar”, observa Alexandre Denoit, diretor do Midem e anfitrião da maratona de debates e shows que ocupou o espaço na segunda (26/11) e terça (27/11). Segundo o mais recente relatório do Pró-Música, que congrega as principais empresas do setor no país, a América Latina foi a região com a alta mais expressiva em 2017, de 17,7%. O Brasil, principal mercado do bloco, faturou quase 18% a mais que o ano anterior, puxado pelo digital (+46,4%).


Alexandre Denoit, diretor do Midem. Foto: Marie-Charlotte/Divulgação

A recuperação do setor destoa do estado geral da economia brasileira, que mal saiu da recessão e, em 2018, experimenta uma aquecimento em banho-maria. Mas, como em toda crise, houve quem visse nela uma oportunidade. “Era o momento de aproveitar esse declínio das casas de show, a redução de financiamentos para a música e potencializar as trocas internacionais”, diz Heliana Marinho, gerente de economia criativa do Sebrae/RJ, responsável pela aproximação do fórum francês com o mercado de música do Brasil.

A transição da mídia física para a digital, inevitável, acabou colocando o país numa posição privilegiada. O Brasil conta com 243 milhões de linhas de celular, número superior aos seus 209 milhões de habitantes. São 122 milhões de pessoas com acesso à internet, com um uso voraz de redes sociais. É um terreno fértil para encerrar o capítulo dos jabás e dos lançamentos massificados, e adentrar a era da capilaridade. “O streaming é uma comunidade internacional. Muitos negócios da música são pequenos, mas podem ser conectados e ampliados por essas plataformas”, defende Denoit.

Um novo relatório, lançado durante o fórum pela empresa de análise de mercado britânica MIDia Research, dá a dimensão dessa potência. Enquanto o streaming cresceu 91% no mundo inteiro entre 2013 e 2017, o salto na América Latina foi de 186%. O Brasil domina o mercado de assinaturas de serviços como Spotify e Deezer na região, com 43% da receita. “O uso de redes sociais ajuda muito a mobilizar o público no país”, aponta Zach Fuller, analista que apresentou os dados em um painel na segunda (26/11).

Mas se engana quem pensa que os apps de música pagos são os reis dessa nova audiência. Quem mobilizou mais usuários na América Latina, nos últimos três anos, segundo o relatório, foi o YouTube, seguido de longe pelas plataformas de áudio sustentadas (e interrompidas) por anúncio. Ou seja: embora o grosso da receita geral venha da assinatura de serviços como Spotify, Apple Music e Claro Música (no Brasil, nesta exata ordem), é na plataforma de vídeo que um artista brasileiro em busca de sucesso internacional deve estar. E tem funcionado para muita gente. Desde 2016, dos 40 clipes mais assistidos no site no mundo inteiro, 13 são faixas de artistas latinos. “O streaming pago ainda é um comportamento de nicho”, resume Zach, que aponta a limitada adesão ao pagamento via cartão de crédito como um dos obstáculos a essa expansão no país.

Embora o Brasil conte com exemplos bem-sucedidos, como o canal Kondzilla, o terceiro do YouTube mundial, com 43 milhões de assinantes, ainda são poucos os artistas nacionais a explodir nesse novo contexto globalizado. “O país tem one-hit wonders como MC Fioti, de Bum bum tam tam, mas, no geral, há pouco investimento em carreiras sólidas fora daqui. Muitos músicos ainda se autoempresariam ou contam com empresários que não falam inglês”, diagnostica a alemã Jasmina Zammit, da BMG, recentemente contratada para gerenciar a operação da gravadora no Brasil e encontrar novos talentos.



Um dos caminhos dessa internacionalização tem sido as collabs, ou parcerias, entre artistas de diferentes países. Depois do estouro da sua “flauta envolvente que mexe com a mente”, Fioti lançou uma versão da faixa para exportação, com a participação de quatro nomes em ascensão no mundo, entre eles J Balvin. O colombiano também é um dos trunfos da carreira gringa de Anitta, que colaborou com ele em Downtown – a cantora conta ainda com hits com os DJs Alesso e Diplo no seu projeto Check Mate. “Esse tipo de fórmula funciona porque conecta as bases de fãs dos artistas, cria uma comunidade global”, afirma Denoit.

Hoje, esse pop global impulsionado pela internet é costurado numa trama de idiomas musicais comuns que inclui a cúmbia colombiana, o reggaeton de origem panamenha e o funk brasileiro (chamado de “baile funk” nos mercados estrangeiros). O foco é na chamada “diáspora latina”, a dispersão da população da região pelo mundo. Só no todo-poderoso mercado norte-americano, são 55 milhões de potenciais consumidores com referências culturais comuns (ou 16% do total de habitantes). “É o melhor momento para ser latino, mas não podemos querer fazer o que todos fazem. Não basta gravar com o Maluma e esperar o sucesso. É preciso trazer algo único e original. Essas ondas vêm e vão”, diz Daniel Zawadzki, da agência M3, da Colômbia, responsável pela explosão do Bomba Estéreo.

Pelo menos no Midem, os representantes brasileiros ainda parecem reticentes em abraçar o funk como o mais vigoroso produto de exportação musical do país. Na última edição de Cannes, a delegação nacional apresentou shows de variantes do samba e bossa, às vezes temperados com batidas eletrônicas. Nas apresentações da versão carioca do fórum, em um palco armado na Praça Tiradentes, o clima dominante foi o mesmo, à exceção do pop jovem da banda Melim, de Niterói, e do rock pesado da Far From Alaska, de Natal.

Outro caminho a ser explorado é preparar os brasileiros para esse ambiente globalizado. É a chance de capitalizar em cima do licenciamento de material para séries, filmes e games, um filão que infla a cada ano. “A música é hoje um ambiente de negócios, está na moda, nos jogos eletrônicos, em todo lugar. Mas para transitar, é preciso ter empresas de classe mundial, que entendam de propriedade intelectual e de tributos. Seu parceiro comercial pode estar na Coreia, que tem uma legislação totalmente diferente”, explica Heliana, que comanda no Sebrae o Estrombo, projeto de capacitação de profissionais desse mercado apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

GUSTAVO LEITÃO é repórter de cultura, com passagens por veículos como O GloboJornal do Brasil e O Dia. Também editou o site Filme B, especializado em mercado de cinema.

*O repórter está cobrindo o evento a convite da Continente, um dos veículos chamados pela assessoria do Midem para acompanhar o fórum de música e negócios no Rio. 

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