Cobertura

SP-Arte agregando valor simbólico e mercadológico

Abrindo oficialmente o calendário do mercado de arte, feira realizada nos últimos dias se amplia na capital paulista como epicentro de compra, venda e tendências do mundo da arte no país

TEXTO Mariana Oliveira

16 de Abril de 2018

Visão geral do Pavilhão da Bienal, durante a edição deste ano da feira-festival, realizada há 14 anos

Visão geral do Pavilhão da Bienal, durante a edição deste ano da feira-festival, realizada há 14 anos

Foto Leo Eloy/Divulgação

Passava das 15h, da última quarta-feira, dia 11 de abril. O Pavilhão Ciccillo Matarazzo, também conhecido como Pavilhão da Bienal, já estava bastante movimentado. Sem filas, os convidados iam entrando para o preview da SP-Arte – Festival Internacional de Arte de São Paulo, evento que celebra, em 2018, seus 14 anos e terminou no último domingo, dia 15. O enorme espaço projetado por Niemeyer estava lotado, havia estandes das principais galerias nacionais e internacionais e ainda de pequenas e jovens galerias que começam a investir suas fichas nesse setor. Ao entrar no espaço, o público parecia ambientado, o tom era de descontração, de encontro entre amigos.

Nos mais de 160 estandes, os galeristas recebiam os convidados – neste dia formado eminentemente por colecionadores e pessoas ligadas ao mundo da arte – e mal tinham tempo de respirar, a movimentação era intensa. Sabe-se que o preview é o dia D para as galerias apresentarem, a um grupo seleto, as novidades dos artistas dos seus castings. Boa parte das vendas e promessas de vendas são iniciadas já na quarta-feira, ficando os dias sequentes para os ajustes e trâmites finais.

Certamente, a SP-Arte é um momento de congraçamento, não deve haver outro no Brasil, durante o ano, em que tantos artistas, curadores, galeristas e colecionadores estejam juntos num mesmo evento, de modo tão intenso, durante cinco dias. Circulando pelos estandes, era possível observar o movimento dos galeristas que tinham a oportunidade de apresentar o artista aos colecionadores que se interessavam por sua obra – estabelecendo uma aproximação entre eles, algo que no dia a dia da galeria não é muito viável.

Nessa intensa tarde de quarta-feira, os galeristas mostravam muito mais do que estava em exibição. Os tablets não paravam de circular. Ali, na tela, era possível ver outros trabalhos de um autor ou mesmo sugerir outras obras de artistas diferentes que faziam parte do acervo. Muitas galerias, especialmente as que não eram de São Paulo, tinham uma pequena reserva técnica, onde guardavam obras, as quais, no dia seguinte, podiam entrar na exibição principal.


Movimentação na edição deste ano da SP-Arte.
Foto: Jéssica Mangaba/Divulgação


Sim, essa é outra interessante dinâmica da SP-Arte. A cada dia, as próprias galerias mudam seus estandes. Trocam obras, reposicionam outras, isso para mostrar um pouco mais dos artistas do seu casting. Ou seja, quem visita a feira num dia, no outro pode ter uma surpresa. Uma das obras que gostou pode não estar mais lá, e uma outra surge em seu lugar, possibilitando uma nova provocação.

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“Temos mais de 40 artistas. Não temos como apresentar todos num único dia”, comentava Alexandre Roesler, da Galeria Nara Roesler, um dos espaços privilegiados da feira – em área e localização. O galerista explica que a produção para uma feira como essa se inicia bem antes. “Queremos trazer obras novas, não queremos mostrar trabalhos que já foram vistos na própria galeria. Então, iniciamos bem antes nossa produção, conversando com os artistas para que enviem novos trabalhos”, explicava. De fato, esse é outro ponto alto da feira. Poder ter contato com trabalhos bem recentes, inéditos em alguns casos. Tudo isso dá um frescor à visitação e também um tom forte de atualidade quando se veem temas e questões tão recentes, como o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, surgirem.

Um ponto reforçado por muitos galeristas naquela tarde é que a SP-Arte abre oficialmente o ano para o mercado da arte. “Ela funciona como um teste, um termômetro que vai indicar um pouco como será o ano”, destacava Ricardo Trevisan, da Casa Triângulo, comentando que o ritmo, apesar da aparente recuperação econômica do país, ainda está lento. Sua aposta era no retorno das pessoas nos dias sequentes para o fechamento dos negócios. “Acho que os colecionadores estão pensando mais, comparando, pesquisando, buscando opiniões antes de fechar os negócios”.

O galerista carioca Sérgio Gonçalves, proprietário da galeria que leva seu nome, também ressaltava a maior cautela dos compradores. Para ele, a crise brasileira foi mais política do que econômica. “Com receio quanto aos rumos que o país tomaria, os potenciais colecionadores se seguraram. Estou no mercado há mais de 30 anos, já passei por muitas crises. Mas a arte brasileira atingiu um nível muito alto, não tem mais volta. O preview está sendo maravilhoso no sentido de público e de potenciais compradores. Um dos melhores de todas as 12 edições que participei. Trabalho tentando trazer novidades, artistas novos, quero ajudar a treinar o olhar do colecionador para coisas novas”, dizia em seu estande, onde exibia peças de Mozart Guerra, artista pernambucano radicado há mais de 20 anos em Paris.


Forever (2013), do artista chinês Ai Weiwei, na galeria berlinense Neugerriemschneider.
Foto: Leo Eloy/Divulgação


Não precisava se alongar muito na conversa com um galerista para perceber a relevância da feira no mercado nacional de arte. A SP-Arte foi peça central na profissionalização do setor que cresceu muito desde 2005, viveu um momento de ebulição entre 2009/2010 – uma espécie de bolha que “estourou” – e agora parece começar a se ajustar. Além disso, artistas e galeristas reforçam a importância do evento para estreitar laços com instituições e atores nacionais e internacionais. Uma artista cuja obra repercute bem numa feira como essa ganha visibilidade, pode ter um trabalho comprado por uma instituição, pode ser convidado para uma mostra fora do país, enfim, se abrem um sem-fim de oportunidades.

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Enquanto colecionadores curadores, galeristas e artistas dominavam o ambiente no preview, quem visitava pela primeira vez a feira estava, certamente, impactado por sua grandiosidade. Ao cruzar a bilheteria, o susto. Para onde ir? Como se localizar? Fundamental recorrer aos mapas disponibilizados num totem na entrada. Com ele em mãos, é possível começar a se situar na imensidão que é a SP-Arte. Diferentemente de uma bienal, não existe por trás das exibições uma curadoria, um discurso que nos ajude a percorrer aquele amplo espaço – até porque, como já falamos, ele é mutável, dinâmico. Pouco a pouco, o visitante vai compreendendo que há ali uma lógica de organização e é preciso entendê-la para melhor aproveitar a visita.

Adentrando o pavilhão pela entrada principal, no lado direito, estavam concentradas algumas galerias importantes, com trabalhos de artistas relevantes, que trabalham com suportes mais tradicionais. Na rampa de descida, concentravam-se os espaços das instituições culturais, como o MAM-SP, o Instituto Tomie Othake e até o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam), do Recife. Chegando ao piso térreo, a área intitulada Solo. Nela, cada galeria apresentava projetos focados em um único artista, espécies de pequenas individuais. A curadora Luiza Teixeira de Freitas explicava que ali estavam trabalhos de artistas muito diversos, de gerações e estilos diferentes, mas que possibilitavam ao visitante se aprofundar em aspectos do trabalho daquele artista. Era lá que estava disposta a Brasília do artista Bruno Faria, na galeria Periscópio. Ainda nessa planta, algumas galerias cujo foco são os jovens colecionadores e um espaço dedicado às publicações ligadas ao campo da arte.


Obra do pernambucano Bruno Faria no espaço Solo. Foto: Divulgação

Logo, o visitante percebia que o frisson da feira se concentra no primeiro andar, onde se encontravam importantes galerias internacionais e também aquelas nacionais que dão atenção especial à arte contemporânea e suas experimentações. Era passeando por lá que se podia cruzar com a impactante Forever (2013), do artista chinês Ai Weiwei, na galeria berlinense Neugerriemschneider; com o trabalho Noite e dia, de Lygia Pape, na Galeria Luisa Strina; com a obra Amor e romance, de Leda Catunda, na Galeria Carbono; ou ainda com a instalação Carnaval dos animais (2015-2018), da artista Romy Pocztaruk, que utilizava peixes-beta em recipientes de laboratórios, gerando certa polêmica devido à utilização de animais na Galeria Zipper.

Lá também, ao fundo, se concentravam mais duas áreas importantes da mostra: Repertório e Performance. A primeira, curada por Jacopo Crivelle Visconti, chegava à sua segunda edição, com o objetivo de ajudar o público a criar um repertório apresentando recortes da produção de um grupo de artistas brasileiros e estrangeiros fundamentais para a arte contemporânea. Já a área de performances, funcionou como um espaço imersivo de grande intensidade, com curadoria de Paula Garcia, colaboradora do Marina Abramovic Institute Expressão artística. Lá, artistas se apresentavam simultaneamente em performances de longa duração.


Trabalho de Gabriel Vidolin no espaço Performance.
Foto: Ênio Cesar/Divulgação

No último andar, estavam concentradas todas as exibições do campo do design, com mobiliário, iluminação, antiquário e uma área específica para o designer independente. Assim como numa bienal, era impossível fazer um visita detalhada em um único dia. Uma opção criada para o público percorrer o pavilhão (o mesmo da Bienal de São Paulo) eram as visitas guiadas que começaram a existir desde o ano passado. Mas como realizar uma visita guiada numa feira, se não há uma curadoria, uma proposta?

Na verdade, a organização propôs recortes, visitas com temas específicos, tais como As mulheres na arte e Arte contemporânea brasileira 1990-2000. Então, a partir desses ganchos, os guias traçavam seus roteiros pelos estandes das galerias. Mas, claro, nem sempre tudo saía como o previsto. Afinal, as galerias faziam mudanças e uma obra que estava no meu roteiro hoje, amanhã já não estava mais... Algo esperado para um evento que se propõe tão híbrido.

Essas visitas guiadas não aconteceram na quarta-feira, no preview. Neste primeiro dia, a proposta da SP-Arte de ser um a feira que reunisse galeristas de arte do Brasil e do mundo mostrava-se bem-marcada. Um público seleto de colecionadores passeava pelos mais de 160 estandes em busca de novas obras, novos artistas; à procura de trabalhos que fossem investimentos interessantes ou que completassem sua coleção. Porém, existe uma proposta da organização do evento de ir além dessa função, que está nas bases de sua fundação, ampliando as atividades e também passando a se ver e se compreender como um espaço de potencial formação de público para as artes. Por isso, a consolidação de áreas com curadorias e a proposta das visitas guiadas. O valor simbólico agregando-se ao mercadológico.


A obra Amor e romance, de Leda Catunda, na Galeria Carbono. Imagem: Reprodução

Foi dentro dessa perspectiva de compreender o evento para além de uma feira que, desde a edição de 2017, a SP-Arte passou a se chamar Festival de Arte de São Paulo, movimentando a cidade de um modo mais amplo e impactando um público também mais amplo. O que se vê é uma grande agitação na cidade: as principais galerias organizam exposições importantes para o período, assim como museus e outras instituições. Desde o ano passado, ocorre o Gallery Night, projeto que mantém as galerias abertas no período da noite, nos dias que antecedem a visitação na feira. Pela manhã, enquanto a exposição ainda está fechada, acontecem os Talks, quando artistas, especialistas, curadores e colecionadores discutem temas pungentes no campo da arte, tais como a questão da diversidade de gênero, a conexão entre performatividade e questões sociais.

Para a fundadora e organizadora da SP-Arte Fernanda Feitosa, a feira vem numa crescente. Ela começou com um foco limitado, algo bem restrito ao que acontecia no pavilhão, e, com o tempo, foi ganhando confiança e responsabilidades. “Ela deixou de ser apenas uma feira. Isso aqui que temos no pavilhão é o epicentro. Ano passado, tivemos mais de 220 eventos satélites em toda São Paulo. Movimentamos a cidade como um verdadeiro festival”, pontuava.

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Ainda nesse concorrido dia inicial, outras impressões foram marcantes. Todo o blasé típico do mundo da arte circundava o ambiente. Garçons e garçonetes que parecem ter saído direto das passarelas circulavam com carrinhos de espumante e cerveja de marcas referendadas. Nos espaços que levavam o nome de empresas patrocinadoras, sucos, cookies, pipocas gourmets eram oferecidos ao público. Há um mise-en-scène bem típico, quebrado apenas por ações subversivas como a encabeçada pelo artista Lourival Cuquinha, que subiu em uma das rampas e jogou panfletos com imagens de políticos golpistas, incluindo o próprio presidente Temer, o que causou desconforto em boa parte do público e de alguns galeristas.

Na saída desse primeiro dia, quando só havia convidados, e o grande público não tinha como participar (os demais dias dariam acesso via bilheteria), uma conversa numa fila de táxi denunciava um pouco da elite brasileira hoje e do valor de distinção que a arte representa para eles. Duas senhoras falavam das obras que haviam comprado e uma dizia à outra: “O melhor dia é hoje. Nos outros dias, só dá povão. Os galeristas precisam até tomar cuidado com as obras”. Antes fosse, antes o povão estivesse ocupando o Pavilhão da Bienal nos dias restantes da feira. A arte sempre tem algo a nos dizer, talvez parte dos compradores dessa arte é que não tenha muito a dizer.

MARIANA OLIVEIRA é editora-assistente da revista Continente.

*A jornalista viajou a São Paulo a convite da SP-Arte.

 

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