Curtas

8 ½ Festa do Cinema Italiano

Com 12 filmes em exibição no Cine São Luiz até o dia 9 de agosto, e em outras 11 cidades brasileiras, mostra reúne um recorte interessante da produção contemporânea do país de Antonioni e Fel

TEXTO Luciana Veras

03 de Agosto de 2018

"Dogman", de Matteo Garrone, foi premiado no último Festival de Cannes e é um dos títulos mais esperados

FOTO Il Sorpasso/Divulgação

“É como se fosse uma permanente alegria decorrente da invasão de um incrível exército liderado por Brancaleone”, assim comentava uma cinéfila pernambucana acerca da notícia de que o Recife sediaria, mais uma vez, a 8 ½ Festa do cinema italiano. “Porque o cinema italiano tem muito mais a nos oferecer para além de Rossellini ou A vida é bela”. É fato: talvez o maior mérito desse evento cinematográfico que vem crescendo em tamanho e oferta no Brasil – desde quinta (2), está em cartaz com doze filmes em doze cidades, incluindo a capital pernambucana – seja mostrar que a produção audiovisual contemporânea no país de Federico Fellini vai muito além dos cânones que todxs os cinéfilxs são capazes de reconhecer e admirar.

No Recife, a 8 ½ Festa do Cinema Italiano fincou suas raízes no Cine São Luiz, onde segue até a próxima quinta (9), com três sessões diárias, de modo que cada longa-metragem será exibido, ao menos, duas vezes (veja programação completa, do Recife e de todas as cidades, aqui). Melhor para quem estiver interessado em sentir a “alegria de Brancaleone” e aproveitar a chance de apreciar esse recorte diversificado do que a Itália vem exportando. Claro que há destaques, a exemplo de Dogman (2018), de Mateo Garrone, e Fortunata (2017), de Sergio Castellito, premiados no Festival de Cannes pelas excelentes atuações de seus protagonistas – Marcello Fonte e Jasmine Trinca. Mas o bom é que existem outras pérolas esperando ser descobertas, como Emma (2017), de Silvio Soldini (o mesmo realizador de Pão e tulipas, de 2000), Nico 1988 (2017), de Susanna Nicchiarelli, e Aqui em casa tudo bem (2018), de Gabriele Muccino.

Ou ainda o último dos irmãos Vittorio e Paolo Taviani, Uma questão pessoal (2017); o novo de Gianni Amelio, A ternura (2017), Amelio que ganhou notoriedade no Brasil com As chaves de casa, de 2004; A vida em família (2017), de Eduardo Winspeare, exibido no último Festival de Veneza; e A garota na névoa (2017), de Donato Carrisi, com Jean Reno e Toni Servillo. “Acho que somos um festival 'adolescente', que está crescendo, expandindo para outras cidades, mas também fidelizando seu próprio público, um público que já tem confiança na proposta e interesse em acompanhar a programação”, comenta Stefano Savio, diretor do festival, à Continente.

Italiano radicado em Lisboa, ele foi o responsável pela concepção da Festa do Cinema Italiano em Portugal, em 2008. Diante do êxito, levou a Moçambique e Angola e, em 2014, ao Brasil, onde o evento iniciou em Porto Alegre e, dois anos depois, espalhou-se por outros estados para além do Rio Grande do Sul. Hoje, concretiza-se por meio da Associação Il Sorpasso em parceria com a Mottironi Editore, com o apoio institucional da Embaixada da Itália em Brasília, dos Institutos Italianos de Cultura de São Paulo e Rio de Janeiro, do Cinecittà Luce e com o auxílio da rede de consulados italianos em todas as cidades que acolhem a programação.

Savio afirma que o objetivo não é “ser unicamente uma janela para a vitrine da produção italiana”, muito embora isso, por si só, já seja motivo para comemorar (assim como os cinéfilos foram legitimando, ano após ano, o Festival Varilux de Cinema Francês), hoje um sucesso indiscutível. “Para nós é importante passar a mensagem de que não fazemos apenas um festival de cinema italiano, mas um festival de cinema de qualidade dentro do panorama cultural brasileiro que é muito diverso do ponto de vista cinematográfico. O caso de Dogman é importante. Não éramos o único festival que queria exibi-lo”, revela.

Dogman é carro-chefe, sem dúvidas, ante a repercussão em Cannes, de onde saiu em maio com a Palma de melhor ator para Marcello Fonte. Ele interpreta Marcello, dono de um pequeno estabelecimento de cuidados para cães em um bairro afetado pelas intempéries da natureza e da crise. Sua relação com Simoncito (Edoardo Pesce), um ex-pugilista que age como gangster e assim aterroriza toda a vizinhança, é esteio de uma narrativa que mescla violência com aguda observação social, algo que o diretor Mateo Garrone já havia manejado com precisão em Gomorra (2008).

Edoardo Pesce está no Brasil para divulgar a 8 ½ Festa do Cinema Italiano. Veio apresentar, justamente, os dois mais premiados – Dogman e Fortunata, nos quais interpreta o que ele mesmo classifica como “um personagem com o objetivo de perturbar a plateia”. Em Fortunata, ele vive o ex-marido da personagem-título (essa, por sua vez, uma brilhante caracterização de Jasmine Trinca, mais conhecida por aqui por atuar ao lado de Nanni Moretti em O quarto do filho, de 2001). Em Dogman, um homenzarrão violento que ele descreve como “um Frankenstein ou então um menino mimado que faz bully”, rindo ao propor um cruzamento entre um monstro e alguém que não tem empatia alguma pelas outras pessoas.

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Em entrevista por telefone à Continente, de São Paulo, onde iria justamente apresentar Fortunata na sessão de abertura do festival, Pesce falou sobre “a apresentação de uma situação tristemente muito frequente na Itália”: “Vivemos em uma sociedade em que o machismo ainda reina. Franco é um homem que não aceita a emancipação da sua esposa, que abusa de violência doméstica, que não percebe que Fortunata é inteligente e forte o suficiente para defender suas ideias. Ele não vê a mulher como detentora de qualquer valor”. O ator entende o festival como “uma perfeita ocasião” para promover o intercâmbio cultural. “É sempre bom quando podemos fazer uma interação entre dois países como Itália e Brasil usando o cinema como um tipo de barco. O cinema é um meio de expressão muito importante no mundo de hoje. Estou muito feliz em estar aqui apresentando esses filmes”, afirmou.

Um dos aspectos mais inteligentes do 8 ½ Festa do Cinema Italiano é apresentar filmes que já foram comprados para o Brasil. Ou seja, com distribuição assegurada. “Para nós, que começamos há quatro anos com poucos filmes e apenas em Porto Alegre, é muito bom conseguir levar, de certa forma, essa produção muito rica e variada para um maior público possível. Nomes como Gianni Amelio e Silvio Soldini ainda não são tão conhecidos como os cineastas do Neorealismo, por exemplo, mas a ideia do festival é também dar essa atenção aos filmes italianos que estão sendo feitos agora. É como abrir uma janela e enxergar a paisagem”, observa Tommaso Mottirone, um dos organizadores do evento.

Brancaleone e seu exército, ou mesmo Rocco e seus irmãos, ficariam satisfeitos.

SERVIÇO
8 ½ Festa do Cinema Italiano
Onde: Cinema São Luiz (Rua da Aurora, 175 - Boa Vista)
Quando: Até quinta, 9 de agosto
Quanto: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)
Mais informações: http://www.festadocinemaitaliano.com.br/

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