Curtas

Christal Galeria abre com ‘Identidade matriz’

Doze mulheres artistas estão na exposição inaugural da nova galeria de arte recifense

TEXTO Valentine Herold

23 de Fevereiro de 2021

Esculturas de Juliana Notari expostas na Christal. Ao fundo, as pinturas de Tereza Costa Rêgo

Esculturas de Juliana Notari expostas na Christal. Ao fundo, as pinturas de Tereza Costa Rêgo

Foto Divulgação

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Há algumas semanas, o casarão de número 266 da Rua Estudante Jeremias Bastos, no bairro do Pina, zona sul do Recife, ganhou uma nova vida. Construída em 1941, a casa de 300 metros quadrados passou por uma reforma e abriga agora a Christal Galeria, espaço dedicado às artes visuais, sob idealização da pernambucana Christiana Asfora Cavalcanti. Com curadoria da historiadora e gestora cultural Stella Mendes, a galeria foi inaugurada celebrando a pluralidade de narrativas femininas com a exposição Identidade matriz, pensada em parceria com o curador e marchand Laurindo Pontes. 

Em cartaz até o próximo dia 8 de março, a mostra reúne trabalhos de 12 artistas de Pernambuco, do Ceará, Pará e Rio Grande do Sul: Ana Flávia Mendonça, Badida Campos, Christina Machado, Nathê Ferreira, Ianah Maia, Juliana Notari, Laura Melo, Náiade Lins, Priscila Lins, Roberta Guimarães, Berna Reale, Regina Silveira, além da homenagem a Tereza Costa Rêgo (in memoriam), com o quadro Autorretrato.

Fotografia, gravura, escultura, pintura, performance e desenho compõem a exposição. Suportes e matérias-primas diversas que não apenas refletem as distintas trajetórias das artistas, como também revelam os múltiplos olhares e interpretações acerca da temática identitária.


Além do temporal, por Ianah Maia. Imagem: Reprodução

“A pergunta inicial que surgiu antes de definir esse tema, Identidade matriz, foi: como dar início a uma galeria? Fomos então pensando em pesquisas em torno de artistas que pudessem fazer parte da Christal e havia desde sempre essa vontade de trazer mulheres da cena. A morte recente de Tereza Costa Rêgo e a vinda de Laurindo desenvolveram ainda mais essa pesquisa, usamos bastante as redes sociais como forma de mapeamento e chegamos ao formato dessa exposição”, conta Stella. Para a curadora, o desafio de inaugurar uma galeria de arte em meio à pandemia só pôde ser possível graças a uma grande dose de ousadia e profunda crença na arte enquanto instrumento transformador e essencial ao cotidiano. 

Das obras expostas, algumas são inéditas, como as de Nathê Ferreira, artista urbana pernambucana. Além disso, o ineditismo, no Recife, das obras das veteranas Berna Reale e Regina Silveira, com fotografias de performances que jogam luz sobre desigualdades sociais e de gênero e fotogravuras que instigam representações imagéticas, respectivamente.

O vanguardismo e a força da obra de Tereza Costa Rêgo ressoam como espécie de eixo central das narrativas abordadas em Identidade matriz. Para Ianah Maia, Tereza foi uma grande influência, “uma mulher desbravadora no universo artístico, trazendo para o centro do debate a sexualidade e os corpos femininos”. A pesquisa da jovem recifense dialoga bastante com essas questões, a partir de uma perspectiva afro-centrada. Seu quadro Além do temporal é fruto de uma exposição realizada em 2019. “Representa uma fase em que o atual presidente tinha acabado de ser eleito e eu estava explorando a relação entre medo e coragem, como transformar esse medo em coragem. Vinha me debruçando muito sobre a questão dos afetos também, coisa que continuo fazendo agora com minha exposição virtual que explora as interações amorosas na quarentena.”


Fotografias de Roberta Guimarães na galeria

Outra artista que foi bastante influenciada pela trajetória de vida de Tereza Costa Rêgo é Juliana Notari. A recifense – que recentemente ganhou projeção nacional e internacional com sua obra Diva, uma instalação land art de 33 metros de comprimento associada a uma vulva ferida – revela que a cor vermelha tão usada por Tereza a marcou profundamente, assim como as investigações sobre o corpo. Em Identidade matriz, ela revisita uma escultura produzida em 2016, quando criou um molde do próprio rosto a partir de pelos e cera de abelha. 

“Passei dois anos sem me depilar com o intuito de investigar mesmo essa cultura que anula a potência do corpo feminino. Houve muito estranhamento por parte das pessoas, isso foi entre 2012 e 2014. Depois desse tempo, tirei todos os meus pelos, inclusive dos braços, registrando em vídeo e fotos o processo. Foi um momento transgressor”, lembra. “O cabelo é um elemento morto e então fiz essa escultura com um material que, naturalmente, com o tempo, também vai se deteriorar. O apodrecimento do corpo ainda é um tabu.” Passados esses anos, Juliana decidiu aprofundar o debate sobre a dualidade morte-vida e produziu uma nova escultura, usando o mesmo molde, em níquel. Os dois rostos estão frente a frente e a instalação ganhou o nome de Muda. “Usando um material que dura para sempre, que subverte a ideia da morte e eterniza meu rosto, estou encarando minha própria morte”, reflete. 


Instalação de Ana Flávia Mendonça.
Foto: Fernando Pereira/Divulgação


Além de aberta para visitação sob agendamento de horários, devido ao contexto sanitário atual (contato@christalgaleria.com.br), é possível conferir a exposição Identidade matriz neste tour virtual do perfil do Instagram da galeria (@christalgaleria). 

VALENTINE HEROLD, jornalista e mestre em Sociologia.

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