Curtas

Enxertia

Artistas visuais juntos num novo projeto colaborativo do Recife

TEXTO Paula Mascarenhas

05 de Novembro de 2020

'Quando o tesão passa' (2019), de Fefa Lins

'Quando o tesão passa' (2019), de Fefa Lins

Imagem Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 239 | novembro de 2020]

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Uma técnica milenar para o cultivo e a reprodução de plantas tornou-se palavra de referência para um novo projeto de artes visuais no Recife: o Enxertia. Assim como na prática botânica de colocação de enxertos – em que tecidos de uma planta são inseridos em outra para fortalecer seu crescimento e unir espécies diferentes –, o Enxertia promove um entrelaçamento entre obras de artistas distintos, cujos hibridismos se conectam, dialogam entre si e sobrevivem juntos.

A exposição virtual, que já ocupa o site e o perfil de Instagram da Galeria Amparo 60 desde o dia 15 de outubro, é realizada por 21 artistas visuais do Recife e de outros lugares do Brasil, que reúnem suas diferentes trajetórias e técnicas neste projeto coletivo em prol do fortalecimento artístico.

O objetivo do Enxertia é expor e comercializar, nessas plataformas, três coleções de obras de arte: cada coleção possui sete agrupamentos, cada um com o trabalho de três dos 21 artistas. Esses pequenos conjuntos são organizados a partir do olhar sensível da curadora Ariana Nuala.

Além de trabalhar com curadoria independente, Ariana é educadora e artista visual, e foi convidada a participar do projeto para construir uma narrativa de união entre essas peças, que serão vendidas em trio por um único valor. Seu desafio foi identificar, a partir de uma série de obras disponibilizadas previamente pelos artistas, quais discursos poéticos as perpassam, agrupando-as assim em eixos de sentidos e materialidades que possam ser partilhados.

“As obras indicadas pelos artistas não foram reunidas de forma aleatória. Essas escolhas fazem parte também de um processo coletivo, de interação do grupo, de discussões sobre a ética e as dificuldades do circuito artístico. Esses eixos temáticos que agrupam as obras são como subpensamentos do Enxertia, os quais reforçam essa questão da potencialidade de enxerto, de conexão e de hibridismo não apenas entre as peças, mas sobretudo entre os próprios artistas”, indica Ariana.

E foi para promover a maior conexão e o fortalecimento entre os artistas durante o período da pandemia e isolamento social que o Enxertia também foi pensado. A ideia inicial do projeto aconteceu em junho, quando alguns artistas da Amparo 60 decidiram criar formas de ampliar a interação e a troca de experimentações com artistas de fora.

Assim, a exposição resulta de reuniões virtuais entre artistas da galeria e artistas convidados, nas quais foram debatidos os tensionamentos políticos e éticos existentes na atual forma de se comercializar arte. Segundo Iagor Peres, artista visual carioca que vive no Recife, o Enxertia veio para mostrar que os artistas podem se articular politicamente e de forma cooperativa, redeterminando o funcionamento dos atuais espaços de arte.

“Esse projeto revela que a gente pode transformar alguns mecanismos que constroem esses espaços e determinam a forma de circulação econômica da arte. A partir das discussões no Enxertia, começamos a pensar sobre uma redistribuição socioeconômica no setor e como as táticas e as tecnologias podem ser usadas para que esses corpos artísticos possam circular”, destaca ele.

Assim como Iagor, a artista recifense Fefa Lins também ressalta que o formato do Enxertia provoca uma ruptura na cadeia artística tradicional. “Todos os artistas participantes estão trabalhando no projeto coletivamente, de modo a apontar para a possibilidade de uma nova organização dentro da arte, refletindo como podemos tornar esse processo mais igualitário – tanto para os artistas que não têm tanta imersão no mercado, quanto para outros atores envolvidos. Ele nos fez repensar estruturas não só dentro do mercado da arte, mas também estruturas sociais como um todo”, afirma Fefa.

Aliado a esse movimento de cooperação, o projeto priorizou a formação de uma rede de apoio também financeira, a fim de possibilitar que esses artistas visuais pudessem ser beneficiados com a circulação e vendagem das obras no atual contexto da pandemia, de modo a fomentar também o colecionismo da arte.

Dessa forma, o Enxertia é colaborativo: toda a renda arrecadada com a comercialização das obras, independentemente do valor, será dividida de forma igualitária entre os artistas, a galeria e o Sítio Ágatha – instituição parceira que será beneficiada pelo projeto.

Outras duas novas coleções do Enxertia serão lançadas este mês e em dezembro, a partir da mesma dinâmica. Paralelamente à exposição, o grupo realizará conversas entre a curadora e os artistas nessas plataformas. 


PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA e jornalista pela UFPE.

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