Curtas

Raridade de Jackson do Pandeiro

Descoberta música gravada pelo artista paraibano nunca antes registrada. Chama-se 'Garota de Botafogo', um sambinha creditado aos compositores Álvaro Castilho e Jorge de Castro

TEXTO Marcelo Abreu

19 de Agosto de 2019

O colecionador Jocelino Tomaz de Lima descobriu o disco por acaso, num sebo em São Paulo

O colecionador Jocelino Tomaz de Lima descobriu o disco por acaso, num sebo em São Paulo

Foto Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

No mês em que se comemoram os 100 anos de nascimento do cantor paraibano Jackson do Pandeiro (1919-1982), surge uma nova música do Rei do Ritmo para atrair a curiosidade dos admiradores. O colecionador Jocelino Tomaz de Lima, funcionário da Justiça e ativista cultural da cidade de Caiçara, no interior da Paraíba, descobriu, por acaso, num sebo de São Paulo, um compacto simples gravado por Jackson, em 1966, com duas músicas. Seu interesse pelo artista é recente e produto de uma pesquisa mais ampla que faz sobre personagens do interior paraibano que se destacaram nacionalmente – caso do ator Rafael de Carvalho (conterrâneo que trabalhou em novelas como O bem-amado, Gabriela e Saramandaia). Em poucos anos, Jocelino vem reunindo uma coleção considerável de discos, livros, DVDs, revistas, folhetos de cordel e objetos variados relacionados a Jackson do Pandeiro.

Nem os biógrafos nem os livros especializados na sua discografia haviam registrado o compacto descoberto por Jocelino e somente agora revelado ao grande público. No lado A, está Frevo do tri, preparada para comemorar a conquista do Brasil na Copa do Mundo da Inglaterra, naquele ano. Como o tricampeonato mundial não veio em 1966, o compacto da gravadora Continental foi retirado de catálogo e simplesmente sumiu da história. Mas é no lado B do disco onde há uma preciosidade: a gravação do samba Garota de Botafogo.

Segundo Jocelino, a existência da canção não consta da biografia Jackson do Pandeiro: o Rei do Ritmo, de Fernando Moura e Antonio Vicente (Editora 34), publicada em 2001, nem do livro A musicalidade de Jackson do Pandeiro, de 2011, escrito pelo pesquisador Inaldo Soares e até hoje a mais completa fonte de referência sobre a discografia do artista. O livro de Soares lista os 29 LPs lançados por Jackson em vida, entre os anos de 1955 e 1981. Além disso, lá estão os 21 compactos e os 110 discos de 78 rotações por minutos gravados pelo cantor (o primeiro 78, com os sucessos Sebastiana e Forró em Limoeiro, foi gravado em 1953, quando Jackson morava no Recife e se apresentava na Rádio Jornal do Commercio).

São, ao todo, 437 músicas gravadas pelo paraibano (entre elas, seis regravações de trabalhos já lançados antes por outros artistas). Mas a lista não inclui Garota de Botafogo. O sambinha, creditado aos compositores Álvaro Castilho e Jorge de Castro, diz na letra que “lá em Botafogo tem uma garota / que tá quase louca, só fala em casar / Só namora no canto do muro / em lugar escuro pra ninguém olhar”.

Frevo do tri é uma composição creditada a Braz Marques e Álvaro Castilho. O pesquisador Érico Sátiro conseguiu entrar em contato com um dos diretores da gravadora na época, que confirmou o lançamento, o fiasco e a retirada de catálogo do compacto. A música Frevo do tri somente seria reeditada quatro anos depois, para comemorar a conquista brasileira no México, ainda usando o então já desatualizado verso que diz “deliram 80 milhões”, uma referência à população brasileira de 1966. Jackson era fanático por futebol e torcedor do Flamengo, do Rio, e do Treze, de Campina Grande. Gravou uma dezena de músicas sobre o tema.

ESSE JOGO NÃO É 1 X 1
Existe uma longa tradição de músicas populares prevendo vitórias ou comemorando conquistas futebolísticas no país. A mais famosa é Pra frente Brasil, de Miguel Gustavo, que contém a célebre frase “90 milhões em ação”. O sucesso comercial varia de acordo com a confirmação, ou não, do resultado previsto. Em 1982, por exemplo, o samba conhecido como Povo feliz (de Memeco e Nonô do Jacarezinho), mais popular como Voa canarinho, voa, gravado pelo jogador e hoje comentarista Junior, vendeu centenas de milhares de cópias até o Brasil ser eliminado pela Itália. Imediatamente depois, o compacto sumiu das paradas.

“O Frevo do tri, de Jackson do Pandeiro, deve ter sido planejado para depois da conquista”, opina Jocelino Lima. Há uma edição do Jornal do Brasil, localizada pelo pesquisador Érico Sátiro, que repercute a derrota da seleção em 1966 e lista, entre os prejuízos, o da gravadora: “A Continental havia planejado um grande lançamento para o disco”, afirma o jornal em 26 de julho daquele ano. Campeão duas vezes seguidas, em 1958 e 1962, o Brasil de Pelé era considerado favorito ao tri em 1966, mas a conquista só veio a acontecer justamente na Copa do Mundo seguinte, no México, em 1970.

Além de ser responsável indiretamente por esconder Garota de Botafogo por décadas, a derrota da seleção rendeu a Jackson do Pandeiro um novo samba, lançado em 1967, intitulado A taça era dela (de Waldemar Silva e Rubens Campos), no qual brinca com o suposto favorecimento da arbitragem em relação ao time da casa: “A Inglaterra fez uma Copa do Mundo pra ela, pra ela / O campeonato ainda não tinha começado, e a taça já era dela / O mundo todo caiu na esparrela, porque a taça já era dela”.

Neste ano de homenagens, Jocelino Lima tem exposto seu acervo em eventos e publicou um livreto de 12 páginas intitulado 100 fatos dos 100 anos de Jackson do Pandeiro. Sobre a redescoberta, comemora a sorte e brinca: “Já tínhamos Garota de Ipanema, agora temos também Garota de Botafogo”.

MARCELO ABREU, jornalista, escritor, autor de livros-reportagem como De Londres a Kathmandu e Viva oGrande Líder!

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