Matéria Corrida

Old surehand

TEXTO José Cláudio

09 de Abril de 2018

Ilustração do livro 'Old surehand'

Ilustração do livro 'Old surehand'

Imagem Reprodução

Amigo urso, saudações polares. Ao leres esta hás de te lembrar, tinha eu 13 ou 14 anos, interno do Colégio Marista, Recife, Rua Conde da Boa Vista, hoje avenida, 375 ou 385, li, como outros meninos e foi aí que tomei gosto pela leitura, os livros do alemão Karl May que sem nunca ter saído de sua terra escrevia sobre o Oeste. Já ouviram falar? A única pessoa que leu, que eu saiba, foi a pintora Maria Tomaselli, tirolesa de Innsbruck, ex-olindense, atualmente gaúcha, portoalegrense. Quando eu disse Karl May, escrevendo no celular, ela respondeu em cima da bucha com três exclamações Winnetou!!! Nessa época a letra w ainda se pronunciava v e não u como agora. O nome do livro se pronunciava “vinetú”. O “ou” se pronunciar “u” deve ser influência francesa. “Urinol” se escrevia “ourinol”.

Esse rodeio todo para dizer que comi carne de urso. No livro Old Surehand (velho mão firme, título mantido em inglês na tradução) Karl May fala numa pata de urso que o caçador guardava até começar a criar bicho, quando alcançava o sabor ideal. Do livro eu não lembrava mais nada a não ser isto! Tinha tanta certeza que o comprei no sebo e lá pelas tantas, no segundo volume, capítulo O vale dos ursos, encontrei: “Ao mesmo tempo comia-se assado de carne de urso. As patas, a melhor parte, como se sabe, foram enroladas e guardadas, pois esse petisco só atinge o seu grau máximo depois que os vermes começam a formigar nele” na tradução de Ruy Lanner Simões, Stella Altenbernd e Francisco de Almeida, Globo l984. Setenta e três anos depois! E, acredite se quiser, a carne tinha o gosto que imaginei quando menino, ao ler Old Surehand.



O único urso que vi em toda minha vida, fora as laursas do carnaval, foi um no zoológico de Dois Irmãos chamado Bigorrilho. A carne desse que comi foi trazida do Círculo Ártico, da Finlândia, pelo escritor Fernando Dourado Filho: de tanto viajar em suas crônicas por lugares que ninguém vai terminei comendo coisa que ninguém come, pelo menos em país civilizado feito o Brasil, que nem carne de urso e rena, esta somente vista puxando o carro de Papai Noel.

O banquete foi em casa de Antônio Barbosa, cuja alta simpática muito bonita esposa nos recebeu já tendo tirado o centro com um descomunal cálice de gin tônico com uma grande rodela de limão galego de fazer inveja a Caio Souza Leão, bebedor de gin. Com Fernando estávamos Lavínia, sua companheira de aventuras polares, e eu. Depois chegou o amigo comum Hélio Masur. Vimos fotos de Lavínia na neve e Fernando abraçado com o caçador de urso.

Urso se mata com um tiro, disse o caçador. Deixa-se que a fera fique de pé, coisa que também li no Old Surehand na atual releitura, e dá um tiro que pega numa veia debaixo do sovaco. O caçador disse ter matado não sei se setenta ou cento e setenta ursos, sempre com um único tiro. Só uma vez deu dois, de raiva por ter o urso lhe matado com uma tapa a mais antiga e melhor cachorra. Eles vêm da Rússia e fazem o maior estrago nas renas, matando dez, quinze de cada vez.

As latas foram botadas em banho-maria para derreter a gordura. Comemos com umas bolachinhas sequinhas, como quem passa manteiga. Eu tomei vinho tinto francês. Não deixei por menos, Fernando e Hélio tomaram um tal de pró seco, que não sei nem como se escreve.

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necessariamente a opinião da revista Continente.

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