Matéria Corrida

Parece

TEXTO José Cláudio

05 de Março de 2018

Desenho de José Cláudio

Desenho de José Cláudio

Imagem Reprodução

Parece é palavra fraca. Quem diz “parece” não diz nada. Quando alguém começa uma frase dizendo “parece”, eu digo: pare, diga logo que não sabe. É que eu ia começar essa croniquinha dizendo “parece”. As cidades, “parece”, pelo menos hoje em dia, somente comportam um ou dois jornais. São Paulo se divide entre Folha e Estado. E de acordo com a época. No Rio eram Jornal do Brasil e Diário de Notícias, parece. Hoje não sei mais. Em Porto Alegre ouvia falar em Zero Hora. Vou perguntar a Maria Tomaselli. Às vezes é um país que só tem um ou dois jornais, como nos Estados Unidos o New York Times e o Washington Post. Vá lá, tem outro em Chicago, que não sei o nome direito: Chicago Herald Tribune? Quando estive em Nova York para a retrospectiva de Picasso no Moma em 1980, morram de inveja, comprei um tabloide, mais de fuxico, só para ver a diagramação. Na França, o Figaro e o Le Monde. Em Buenos Aires, El País. Ou será em Madri?

Eu era mais feliz quando não lia jornal nenhum nem sabia o nome do governador nem do presidente de canto nenhum. Me lembro que em Paris quando conheci Violeta Arraes em 1958 e só tinha visto o seu nome por escrito chamei-a de Violeta “Arré”, pensando que era assim que se pronunciava em francês. Ela me perguntou: “Você é do Recife?” Eu respondi: “Sou”. Ela disse: “Você nunca ouviu falar em Miguel Arraes?” Eu respondi: “Não”.

Voltando aos jornais. Em Pernambuco existem duas tribos diferentes: a dos que leem o Diario de Pernambuco e a do Jornal do Commercio. A dificuldade em saber quem é de esquerda ou de direita é que, por exemplo, José Paulo Cavalcanti Filho escrevia no Commercio e agora escreve no Diario. Meu pai era assinante do Jornal do Commercio lá em Ipojuca. Fui introduzido ao alfabeto pelo meu tio Zé Pequeno, José de Albuquerque Pinto, irmão de minha mãe, sendo a letra J a primeira que aprendi em vez da A, como acontece com quem aprende o ABC, e a segunda O, tanto do Jornal do Commercio quanto do nome José, meu e do meu tio. Quando, depois de velho, passei a ler jornal, assinatura feita pela minha mulher aliás, a escolha recaiu sobre o Commercio, não sei se em minha homenagem, que deve ter ouvido minhas histórias.

Em geral a primeira coisa que faço é ler as crônicas, isto é, uma ou duas no máximo, de Joca Souza Leão, que era semanal e agora mensal, de Fernando Dourado, de que sinto falta quando não escreve, de José Almino uma vez por ano, de Arthur Carvalho, José Mário Rodrigues que vem tomar café de manhã bem cedo comigo trazendo rabada, ou outro cronista pelo assunto.

Mas a quem quero me referir não é nenhum deles e tem nicho próprio diário, além de páginas de reportagens: José Teles. Vê aí, Zé, que baita tergiversação para chegar à tua coluna em 24/janeiro, quarta-feira, sobre carnaval. Uma pequena crônica que merecia uma edição inteira, um enorme desastre ambiental que está para Pernambuco como a destruição da floresta amazônica para o Brasil, a destruição do carnaval de Pernambuco. E segundo José Teles irreversível. Eu às vezes sou a favor da ditadura, não sei se de esquerda ou direita, mas deviam obrigar os blocos a sair nas ruas de dia, inclusive o povo todo como parece que era, obrigando-se as crianças a aprenderem a fazer o passo nas escolas e as rádios a tocarem o dia todo frevo-de-rua, de bloco e canção, decretando-se período carnavalesco logo após o natal e sei lá mais o que, um secretário do carnaval com orçamento de prioridade, abrir concurso de música carnavalesca para todas as modalidades, concurso de bois, laursas, maracatus, além de frevo, obrigar sob pena de multas pesadas a escrever nos vidros traseiros dos carros, caminhões, ônibus “Pernambuco, ame ou deixe”.

Quando eu tinha pernas, quando Hermilo era vivo, ele conseguiu, não sei se com a prefeitura, criar uma comissão de pessoas de sua confiança, entre eles este que vos fala, e Sebastião Vila Nova que morreu há pouco, para entrarmos nas troças, clubes, bois, laursas, o diabo que aparecesse nas ruas do Recife, e anotarmos nome e endereço de figurantes mais expressivos, moças e rapazes, quem achássemos por bem, para ser criado um grande balé carnavalesco: até hoje às vezes encontro resto desses rascunhos, uma centena ou mais que consegui anotar, moças e rapazes de extraordinário desempenho e que hoje estarão de minha idade, mais de 70, no mínimo, e nem se lembrarão que um dia eram belos, e que um estranho maravilhado lhes tomava nome e endereço nunca souberam por que.

Hermilo, sempre com a sua fé na criatividade e na clarividência populares, confiava que o próprio povo era capaz de resolver seus próprios problemas da melhor maneira, considerando-se ele, digo eu, integrante desse mesmo povo.

Quando vejo hoje os clubes não saírem mais de dia, as ruas vazias, as multidões passivas, tendo abdicado de qualquer tipo de criatividade, de individualidade, nas fotografias dos shows, concordo com José Teles, que esse pessoal de menos de 30 anos nunca viram o passo espontâneo do carnaval de rua, não sabem nem o que significa “fazer o passo”, porque o que ainda aparece é esse passo ensaiado igualzinho que é a negação do passo.

Resta-nos, ou a mim que passei dos 85, torcer pela sabedoria do povo, como confiava Hermilo, que alguma coisa aconteça, que haja uma reviravolta, como parece acontecer com o carnaval de rua do Rio de Janeiro e São Paulo, foliões que querem voltar a ser ativos, como Renato Copaoba todo de branco fazendo passo na Lira Ipojucana ao som da orquestra do maestro Zé Marinho.

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*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.

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